22. próximo destino: inferno

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O caminho para o paraíso pode ser, talvez, o mais difícil de todos, onde todas as coisas do mundo se juntam em uma estrada só para testarem sua fé ou esperança de chegar em algum lugar que realmente valha a pena. Desde a ideia maluca de Jeonghan me "arrastar" para ir com eles até a Califórnia, nunca me senti tão livre, mas ao mesmo tempo tão preso. Trabalhar no FBI era quase que um martírio para mim, nunca gostei daquilo o suficiente para chegar na agência logo de manhã com um sorriso estampado no rosto, e eu estava livre de tudo aquilo, então por que eu não parecia feliz?

Eu pensava se isso podia estar acontecendo pela preocupação, ou eu sabia lá o que merda estava acontecendo comigo, mas de qualquer modo aquilo já arranhava minhas entranhas, e o mesmo sentimento ruim não dava trégua nem por um milésimo. O ar que eu mal respirava parecia mais denso, a sensação térmica estava mais alta, o solo mais quente e o cansaço era inevitável, mas aquilo só acontecia comigo.

— Bom... Parece que chegamos. - Ditou Wonwoo. Suas mãos na cintura como um pirata que acabara de descobrir um tesouro.

— Finalmente, não é? Estão vendo aquele velhote ali? - Soonyoung apontou para o senhor de cabelos grisalhos e com um cigarro apagado entre os lábios. — Ele deve vigiar os barcos. Bem, parece que a gente vai precisar dar um jeito nele. - E um sorriso maléfico desenhou seu rosto. Assustador, eu diria.

— A gente pode negociar, cara. Não precisa de violência. - Respondeu Wonwoo, ainda tonto pelo efeito das falas de Kwon. De fato, Wonwoo nunca fez o "trabalho sujo" da equipe.

— Ninguém vai assassinar o velhote. A gente não precisa de mais um assassinato na nossa ficha. Querem ficar quantos anos na cadeia, seus patetas? - Jeonghan rosnou, calejado de saber que uma hora ou outra iria ser preso.

— Podemos enganar ele. - Dei de ombros, meus olhos encarando o chão não passavam muita veracidade. — Eu ainda tô com meu distintivo aqui no meu bolso, eu posso falar que é uma emergência de polícia, não sei. - Respirei fundo, esperando um xingamento de Jeonghan, mas ele não o fez, apenas manteve seu silêncio desconfortável, se aproximou de mim e pousou sua canhota em meu ombro. Levei aquilo como um sinal de apoio.

— Você é um gênio, Josh. - Disse Yoon, e por fim, usou seus dedos delicados para levantarem meu queixo, meus olhos fitaram seu rosto tão cansado mas ainda angelical. — Obrigado, de verdade. - Eu, com certeza, podia sentir sua respiração descompassada, seus olhos queimando minha pele, minhas entranhas, minha alma, e eu sabia que ele estava sentindo meu coração disparar, mas eu não fui corajoso o suficiente para tentar ir mais além daquilo, porque estávamos longe um do outro, na verdade, nunca estivemos perto o suficiente.

E ele se afastou de vez, continuando a andar junto dos outros. Ele não era mais o Jeonghan de antigamente que tentaria me agarrar na primeira oportunidade que tivesse, talvez toda aquela pressão tivesse o tornado mais respeitoso, ou até mais atencioso. E acho que seu último desejo era me machucar de alguma maneira, porque sua culpa já era maior que qualquer outro sentimento por mim.

Quando chegamos no pequeno porto onde três barcos de portes médio e pequeno boiavam sobre a água, fomos recebidos pelo olhar receoso do senhor sentado ao lado de uma casinha onde, provavelmente, guardava as chaves dos barcos e anotava em diversos cadernos quem os alugou. Era a minha hora de reviver meus dotes de ator e tentar passar a perna em alguém pela primeira vez. Não me parecia ser difícil. Fiz meu típico semblante de preocupação e acelerei meus passos, tirando meu distintivo de dentro do bolso para mostrar ao senhor.

— FBI. É uma emergência, precisamos usar um barco! - Parei em frente ao homem que levantou uma sobrancelha e se pôs de pé, me encarando frente a frente. Meus braços tremeram.

— Só vai usar se pagar. É regra daqui. - Sua voz era grossa e imponente. Ele tirou o cigarro apagado dos lábios, o jogou no chão e cruzou os braços. — São cem dólares a hora.

— Não temos tempo pra conversinha. Minha equipe e eu precisamos sair e resolver um chamado. Você consegue me entender? - Gesticulei, já nervoso.

— Nada contra os tiras, mas vocês precisam pagar antes.

— Ah, é? E que tal a gente pagar com uma bala na tua cabeça, seu velhote de merda? - Soonyoung se aproximou de nós, tirando sua pistola do coldre. — Dá a chave do barco. - Ergueu sua mão livre, fazendo pressão para que o senhor desse logo aquela maldita chave.

Eu revirei meus olhos. Realmente, não tinha jeito com Kwon Soonyoung junto a nós. Com ele era tudo na base da pancada, sangue, violência. Por um momento me perguntei o que ele deve ter passado em sua infância e adolescência.

— Vamos, fracotes. - Kwon continuou ao conseguir o que precisava, balançando as chaves do barco nos dedos e sorrindo como quem acabara de ganhar um campeonato super disputado.

— Você é um idiota, sinceramente. - Retrucou Wonwoo. Em sua voz tinha uma pontinha de medo, pois ele sabia que seu parceiro de crime não era de se confiar totalmente.

— Mas eu consegui as chaves, coisa que você nem se prestou a fazer. - Sorriu, mostrando a língua como uma criança que acabara de receber um "não" dos pais. Sua personalidade se tornou uma incógnita.

— A gente tem que ir antes que aquele senhor chame a polícia. - Sussurrei, cortando a palhaçada dos dois.

— Chamar você? - Jeonghan sorriu. Meu semblante era de preocupação, ele jamais esqueceria que um cara do FBI estava andando - quase - pacificamente com eles. — Oh, desculpa, Josh. Foi brincadeira, tá bom? - Aquela era a segunda vez em que ele me chamava de "Josh", e sua voz parecia amassar e queimar meu corpo inteiro.

— Para de boiolice. Vamo logo. - Wonwoo acenou, correndo em direção ao barquinho motorizado que nos esperava.

Quando embarcamos, o silêncio constrangedor se tornou maior que qualquer rio, lago, oceano. E minha sensação de desamparo era praticamente inevitável. Eu encostei meu corpo em um canto qualquer que estivesse o mais longe possível dos outros rapazes, e então curvei minha coluna e me encolhi como uma criança indefesa procurando por sua mãe. Soonyoung conduzia o barquinho enquanto Jeonghan e Wonwoo já jogavam conversa fora para descontrair a tensão. Era para ser um clima agradável e calmo, visto que a paisagem contribuía para a calmaria, mas dentro de mim havia uma tempestade das mais violentas, e talvez só passasse se eu apenas saísse de lá, mas sempre há algo ou alguém que te prende em algum lugar que lhe faz mal ou te deixa para baixo.

No meu caso, esse "algo" era o medo de me deparar com Seungcheol, e esse "alguém"... Bom, não é necessário ser citado, já que é óbvio o bastante.

Só me restava saber se a Califórnia seria como o inferno, ou se o inferno em pessoa já estava naquele barco conosco.

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