23. quando os anjos dizem "adeus"

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A escuridão do fundo do mar é horripilante, o silêncio das águas e da imensidão, as criaturas até então desconhecidas pela espécie humana, tudo me assusta. Eu não sinto mais as minhas pernas, nem meus braços, apenas sinto trauma, medo, receio. Sinto a água encharcar meus pulmões, sinto que afundo mais e mais, como se alguém estivesse me puxando para baixo e me obrigando a me perder em meu próprio oceano de culpa e decepção. Quando tentei gritar várias vezes, eu me afundei mais e mais, e tudo o que eu podia enxergar era uma corrente ao meu lado, mas eu não consegui puxar, eu parecia não ter mais braços. A sensação de estar me afogando é desesperadora, mas eu não morro, apenas sinto dor constante.

— Josh! Joshua! Meu Deus, ele desmaiou. Alguém me ajuda aqui, inferno!

No momento em que voltei à minha consciência, permaneci com meus olhos fechados, eu não queria abri-los por medo de ainda estar no fundo do mar. A voz de Jeonghan ainda parecia um pouco distante, e eu não sabia de onde vinha, mas queria muito segui-la. Talvez assim, eu pudesse ser salvo de mim mesmo. Eu já conseguia sentir meu corpo novamente, e alguém me balançava como se estivesse acabando o mundo. Abri meus olhos desesperadamente, eu quis gritar, sair correndo.

— Que merda, Jisoo! Eu achei que você tava morto, seu idiota. - Disse Jeonghan, mantendo minha coluna suspensa ao me segurar pela gola da camisa. Seu olhar desesperado e a respiração descompassada me deram sensação de calafrios.

— Me chamou de Jisoo. - Respondi quase que em um sussurro, ainda atordoado daquele pesadelo, pisquei várias vezes e notei que ainda estávamos no barquinho.

— Levanta daí, a gente já tá quase chegando no outro porto. - Terminou, por sorte ignorando totalmente minha afirmação.

— Por que se desesperou? Foi só um pesadelo, não tinha porquê se preocupar daquele jeito. - Apertei suas mãos ainda sobre a gola da minha camisa, fiz questão de tentar enxergar o máximo que conseguisse no fundo de seus olhos, mas ele desviou o olhar. — Jeonghan! - Empunhei seus braços, os dobrando e fazendo seu corpo chegar mais perto do meu, e só assim Jeonghan soltou a gola da minha camisa, desta vez apenas eu o segurava. — Por que se desesperou daquele jeito, hein?

— Você tava se debatendo que nem louco, ficou gritando, suando. Queria que eu fizesse o quê?

— Se você morresse, eu jogaria seu corpo na água. - Disse Soonyoung, sua voz irônica como sempre já não me afetava mais. Eu apenas ignorei e sustentei meu olhar nos cabelos louros de Yoon.

— Pode me soltar? - Jeonghan parecia lutar contra sua vontade para que saísse alguma mínima palavra de sua boca. Soltei os braços alheios, e aquilo foi como um alívio para mim. O loiro respirou fundo e soltou o ar pela boca, e o espaço vazio ao meu lado foi preenchido por seu corpo. — Posso te fazer uma pergunta... Josh? - Ele nem ao menos esperou uma resposta minha. Era como uma pergunta retórica. — Um dia você me disse que me amava. Era verdade? - Desta vez ele quem queimava o olhar intrigante sobre mim, enquanto tudo o que eu fazia era fitar algum lugar que não tivesse um rostinho angelical e mechas louras. — Bom, eu sei que é uma pergunta idiota, até porque você também tava disfarçado.

— Não era verdade, é verdade. Eu te amo, ou você é idiota e ainda não percebeu que eu perdi um amigo, corro risco de ser preso e frustrei todos ao meu redor por sua causa? Por que você acha que eu tô aqui nesse fim de mundo contigo? - Fechei meus punhos, o nó na garganta era inevitável, mas eu não queria demonstrar aquilo, não mais do que eu já demonstrei. — Mas vou embora assim que chegarmos na Califórnia. Não quero mais ser um peso pra você, Jeonghan.

— Você não precisa ir embora. Por favor, Josh. - Aquilo era tudo o que ele conseguia dizer?

— Para de me chamar assim. Do que adianta eu ficar aqui, sendo que o máximo que você já sentiu por mim foi vontade de me dar o golpe do baú? Eu não posso, eu não consigo. - A cada palavra que eu dizia, um pilar de esperança parecia desmoronar dentro de mim, até que restasse apenas um. — Você não me ama. - E a estrutura inteira se despedaçou no chão.

— Vamos parar com a DR, a gente já chegou. - Wonwoo pediu, apontando para o que seria uma praia. As árvores envolta pareciam dançar ao vento forte que batia em seus galhos.

Levantei meu corpo, olhando pela última vez para o rosto de todos eles.

— Eu desejo boa sorte a todos vocês, por mais que sejam filhos da puta. Acho que isso é um adeus. - Por fim, encarei o corpo inerte de Jeonghan. — Tchau.

Não era para ter acontecido assim.

— Nem pensar! Você fez a gente se acostumar e até gostar de você, agora quer ir embora sem mais nem menos, pateta? - Praguejou Wonwoo, pela primeira vez seu tom de voz me causou medo e estranheza. Aquele seria seu jeito fofo de lidar com alguém?

— Eu não tenho mais o que fazer aqui, Jeon. Eu não sou um golpista, não sei matar pessoas inocentes, não sei roubar. Eu sou o lado oposto de vocês, talvez uma ameaça. - Meu sorriso falso no rosto era de causar pena. Desviei meu olhar para a areia e as pessoas que faziam dela seu paraíso.

— O que interessa é que você ama o Jeonghan. Ah, e pasmem, ele te ama também. Obviamente que ele não quer dizer porque é um safado orgulhoso, mas ele te ama. - Retrucou Soonyoung, desembarcando junto a Wonwoo.

— Você vai ir embora mesmo, Jisoo? - Ignorando as palavras de Soonyoung que realmente constatavam um verdadeiro amor, Jeonghan segurou meu ombro e o apertou como se quisesse dizer um longo adeus. Seu questionamento me deu uma pontada no estômago, eu já me preparava para desistir de seguir em frente.

— Não me faça voltar atrás, Jeonghan. - O fitei de relance, mas eu não queria focar meu olhar nele. Me perder naqueles olhinhos castanhos seria fatal. — Me desculpa. Ah, e não seja preso, por favor. Eu te amo. - A última frase saiu como um sussurro enquanto eu saía do barco e dava meu primeiro passo para ir embora de vez.

Novamente meu ombro foi apertado, e meu corpo puxado para trás, eu senti um abraço tão forte que eu mal conseguia respirar. Jeonghan me segurava com toda sua força restante, ele me prendeu em seus braços, em sua própria cadeia, e naquele momento eu já não quis mais sair. Yoon aproveitou o abraço que estava me dando por trás e pousou seu queixo sobre o mesmo ombro que antes era segurado. Meu rosto imóvel olhando para a frente e tentando descobrir se ainda era um sonho ou a realidade. Eu senti seus lábios imóveis, mas tão perto do meu pescoço, sua respiração calma e seu olhar me queimando. Era real.

— Jeonghan... - Eu gostaria de ter dito muito mais que seu nome, mas eu mal tinha forças para aquilo. Eu estava confuso demais com tudo e com todos.

— Eu também te amo, Joshua. - Sussurrou Yoon. — E não é mentira, eu tenho certeza do que sinto agora, não quero te perder, meu maior crime seria te deixar partir.

Naquele momento eu quis muitas coisas, como beijá-lo até meus lábios dizerem "chega", eu queria abraçá-lo de volta, fazer uma serenata, recitar uma poesia, pedir sua mão em casamento. Mas antes mesmo que eu fizesse aquilo, minha visão se escureceu e eu só não senti o impacto contra a madeira do barquinho porque Jeonghan ainda me segurava.

Sim, eu desmaiei novamente.

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