iv. divindade

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desde os primórdios haviam me instruído para vangloriar aquele ser, me ensinaram a me calar quando sua voz retumbasse em meus tímpanos e obedecê-la no momento em que uma ordem escorregasse dos seus lábios. e eu segui, tão fielmente quanto um crente que ora ao seu deus, tracei sem questionamentos cada lei e mandamento sobre amar e honrar aquela que me havia posto no mundo.

e eu a amei fervorosamente, agradecendo todos os dias por tê-la em minha vida para me proteger e me amar como eu a amava.

até que nada mais foi tão perfeito e linear.

um dia, meu coração se estagnou no peito e a dor reverberou em cada sentido do meu ser, tudo havia perdido o sentido e eu corri desesperadamente para os braços do meu âmago. entretanto, ela não tinhas respostas nem a proteção que eu esperava receber.

naquele instante, de uma criança amada que seguiu os passos fervorosos de sua amada mãe, envolta em uma inocência bela e pura, vi-me perdida em um mundo terrivelmente cruel, com pessoas de intenções nocivas, sem alguém para me envolver em seus braços e me oferecer o acalento que meu coração almejava.

minha divindade na terra havia se calado quando lamúrias escapavam dos meus lábios, seu peito se fechou para mim e se abriu para tudo aquilo que havia me machucado. e, de um momento para o outro, me observei sendo apenas mais uma humana, sem um ser maior para exaltar, como uma criança que é abandonada sem proteção.

e eu odiei aquele ser por um momento, apesar de amá-la muito.

talvez seja essa a verdadeira face das divindades, afinal, nem sempre elas estarão ali para nos proteger ou simplesmente acalmar toda a dor em nosso peito, talvez elas sejam tão falhas quanto nós e, no final de tudo, teremos apenas a nós mesmos e uma crença vaga naquilo que fielmente acreditamos um dia.

— enflorias.

minha alma se despeOnde histórias criam vida. Descubra agora