vi. talvez

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— talvez você devesse ir embora.

ponto final.

uma junção tão crua e severa de palavras que escapam dos seus lábios sem hesitação, seu nervo da testa não treme naquele momento e nem uma gotícula sequer de suor brota na palma de suas mãos. ela permanece lívida, como uma manhã que a previsão do tempo avisa um indício de chuva, mas, ao abrir as janelas e inspirar o ar puro, seus olhos percebem com certo entusiasmo que está tão claro que chega a ser estranho.

e ela não sente um peso no peito, afinal.

não dói e nem parece incômodo, nada como arrancar a casquinha de uma ferida só para sentir aquela ardência novamente e a dor de remover uma película que deveria estar ali, intacta.

mas o que ninguém fala sobre cascas é que, um instante depois de desatar o laço que a unia a sua pele, o arrependimento se alastra pelo seu corpo como o veneno procurando uma maneira mais rápida de te matar. o pensamento de como seria mais rápido curar aquela ferida se você simplesmente não tocasse ali, se os seus dedos outrora houvessem se contido nada daquilo estaria acontecendo.

não haveria o ardor.

a dor.

nada.

nada.

é tudo o que ela sente.

porque apesar de proferir palavras tão cruéis, nada dói mais do que o sentimento esmagador em seu peito. a sensação sufocante de que, na esperança de causar alguma coisa arrancando a casca da ferida, ela percebe que nem aquilo lhe impede de pensar em partir.

talvez você devesse ir embora.

suas pálpebras se fecham momentaneamente, as mãos agarrando a beirada da pia como se fosse o único fio que a mantinha segura entre a realidade e o desafio constante de sua mente cansada. tão, tão cansada. ao abrir os olhos, um suspiro relutante lhe escapa e um sorriso sofrido molda sua boca pois, antes mesmo de expulsar a si mesma do seu próprio corpo, ela sabia que não seria capaz.

ela não pode ir embora porque não há malas feitas, não há uma vida realizada e ainda não cumpriu nem uma de suas metas pessoais.

ainda tem tanto pela frente.

coisas que ela nem sabe ainda, mas que espera descobrir antes que seja tarde demais, antes que o simples pensamento profanado em palavras num cubículo escuro se torne realidade. ela almeja realizar nem que seja o sonho mais bobo, só para acalmar um pouco a ardência no peito e o desejo constante de apagar a própria luz.

e ela vai, só não sabe quando e onde, contudo espera que ao menos valha a pena. e ainda que acabe não valendo tanto, ela sabe que em alguns momentos sentir a brisa leve contra a pele ainda vai ser bom e respirar poderá ser o mesmo que vencer.

enflorias

minha alma se despeWhere stories live. Discover now