vii. olhos de mirtilo

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uma ambiguidade de uma cor extraordinária, duas íris cor de mirtilo que atraiam a estranheza e a curiosidade dos olhares estranhos que a rodeavam. ela não admirava aqueles olhos tão límpidos e vívidos — ainda que fossem de um tom tão sobrecarregado —, portanto eu, em um ímpeto de estender a mão a quem sequer havia me pedido, assumi a tênue e árdua responsabilidade de amá-los como ela não os amava.

aqueles fios acobreados em sua cabeça arrancavam suspiros exasperados de seus lábios, as ondas rebeldes eram tão desgastantes de olhar que apenas o brilho fraco de uma tesoura atraía sua atenção. ela odiava aquele cabelo, entretanto eu o amei como ela jamais poderia amar.

e ela se sentia tão, tão cansada dos próprios ossos que negligenciava a si mesma de tal forma que eles se sobressaíam sobre si. flora odiava tudo, odiava nada, tinha cansaço de tudo e ânimo pra quase nada.

uma vida tão exaustiva aquela que, se um pássaro bicasse os seus olhos de mirtilo e lhe puxasse os cabelos, ela não sentiria nada além de um pitada de raiva e um desânimo fervorosamente maior.

e aquela garota tampouco saberia determinar qual fora o ponto exato em que tudo lhe pareceu tão cansativo de esquadrinhar, em qual momento de sua vida ínfima haviam lhe tirado qualquer resquício de borboletas no estômago ao se vislumbrar em uma superfície refletida.

não sabia definir se realmente se odiava ou se só estava farta de lidar com a beleza tão mais evidente em outras pessoas, aquelas que não possuíam olhos da tonalidade dos seus e fios bem mais interessantes e esvoaçados que os dela.

não conseguia empurrar os entulhos em sua cabeça para longe, aqueles que lhe impediam de vê-la como uma deusa estonteante de beleza tão inigualável. flora almejava em ser tão bela quanto às outras que via na tela de um celular, mas sequer havia parado para olhar dentro dela — e existia tanta magnitude ali.

portanto eu me pus como o rei naquela tarefa, dando ordens e estabelecendo leis para fazê-la aprender que era tão esplendorosa quanto uma flor na primavera.

ela aceitou minha ajuda.

e eu ajudei todos os dias, pouco a pouco, até que passei a admirar mais os meus olhos de mirtilo, meus fios acobreados e minha essência inteira.

minha alma se despeWhere stories live. Discover now