v. adaptar

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começa como um incômodo quase imperceptível. aquele choque leve, uma pequena onda que se quebra antes mesmo de chegar na beirada do mar, se tornando apenas uma espuma que apenas os olhos mais atentos percebem. seu corpo ignora aquilo, porque afinal não dói ainda, não é?

e mesmo quando essa dor fina se torna uma onda maior, seus sentidos teimam em perceber que aquela sensação pode se tornar maior e maior e maior. seus pés continuam se movendo como se nada estivesse acontecendo, como se o movimento das águas daquele mar não estivessem se tornando grandes demais para simplesmente adentrar, e estar lá se torna quase essencial.

seus braços se abrem, convidando aquele oceano a te abraçar, mesmo que seu coração palpite em um aviso de que aquele não seria um abraço comum.

ele iria te destruir.

quebrar seu corpo, sua mente e acabar com a sua percepção de que o mar poderia só ser belo e calmo.

uma venda repousa em seus olhos e seus passos te guiam para as águas, e aquela dor fina se torna latente de uma hora pra outra, impossível de se ignorar como se não existisse. se medicar parece uma opção, mas se deixar afundar naquela onda gigantesca e assustadora aparenta ser tão mais fácil do que procurar uma saída.

e aquela dor excruciante permanece.

dói como o inferno.

seu corpo implora para acabar com aquela dor, porque por mais que estar no mar parecesse tão bom, nada daquilo deveria doer. ainda assim, uma parte sua ainda reluta em sair, mesmo com aquele incômodo sendo tão horripilante que a simples ideia de continuar sentindo-o te atormenta.

as águas, então, se acalmam momentaneamente e subir a superfície é tão acolhedor que a ideia de abandonar tudo aquilo parece idiotice. a sensação doentia de dor continua ali, no entanto, acuada em sua mente mas tão perceptível em seus traços.

e ela volta a doer.

e seus pés esquecem onde podem se apoiar, seus ossos pesam e seu corpo afunda.

dói.

dói.

e seu cérebro projeta a pergunta que seus lábios não são capazes de dizer: isso deveria doer tanto quanto está doendo?

e a resposta está ali, mas nadar para um lugar seguro parece tão cansativo e doloroso, seus sentidos se perdem e a dor não te incomoda mais. o mar não te assusta, se adaptar é o seu novo lema e sua vida se torna regada pela dor e pelo gosto amargo que a água salgada do mar te causa.

o pensamento de voltar para a normalidade da areia quente em seus pés é atraente, um sorriso desenha sua boca e talvez, aos poucos, essa ideia se adapte a sua vida e viver em águas profundas não seja mais o que seu coração almeja.

um dia.

enflorias

minha alma se despeDonde viven las historias. Descúbrelo ahora