XIX - Imersão profana (Part. 2)

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Apesar de não estar sentindo nada, meu cérebro trabalhava muito bem

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Apesar de não estar sentindo nada, meu cérebro trabalhava muito bem. E eu precisava alertar os outros; saber onde Belinda se encontrava e se estava bem. Ao mesmo tempo em que andava ao encontro de meus amigos na mesa para o desjejum, meus olhos percorriam todo o refeitório com atenção e observavam as pessoas ali presentes.
Todos pareciam estar bem, sem nenhuma preocupação em mente e conversavam como se nada estivesse acontecendo lá fora. Foi então que franzi as sobrancelhas ao perceber que havia menos pessoas ali do que há alguns dias atrás, simplesmente desapareceram sem nenhuma explicação e sem ninguém se importar em saber do paradeiro daquelas pessoas.
Ao me aproximar, vi que apenas Stevão estava sentado à mesa, abocanhando um Waffle coberto com creme de avelã.
- Bom dia, Eve! - disse ele, com a boca cheia.
- Belinda ainda não apareceu? - o questionei, ignorando totalmente seu cumprimento. Ele balançou a cabeça negativamente e não tirou os olhos de seu doce. - E a Jess, cadê?
- Acho que foi no banheiro.
Franzi o cenho e formei uma linha tênue com os lábios enquanto o observava comer tranquilamente, sem se importar com qualquer uma delas. Puxei uma cadeira à sua frente e cruzei os braços sobre a mesa redonda, apoiando o tronco sobre eles.
- Stevão, preciso te alertar sobre uma coisa- murmurei enquanto olhava para os lados com cautela.
- O quê?
- Sabe os comprimidos que nos dão todos os dias pela manhã? Pois então, não são suplementos.
- Como assim? - indagou-me com a boca cheia. - Não, é claro que são!
- Não, não são!! - afirmei meio ríspida e percebi que estava me alterando, coisa que eu não podia. Tinha que manter a formalidade para não levantar suspeitas.
Há alguns metros à esquerda, a doutora Rubin estava sentada à mesa com outras duas pessoas, as quais pareciam assustadas. Não era possível ouvir o que ela estava dizendo a eles, mas pude imaginar o que podia ser. Havia feito o mesmo com a gente quando nos contou sobre a origem da Infestação. Comecei a me questionar se aquilo também não era mentira.
- Acabei de descobrir que o comprimido azul é, na verdade, um inibidor de sentimentos.
Stevão me olhava com atenção, mas após escutar o que disse, pressionou os lábios e inflou as bochechas, fazendo um som rouco com a garganta para controlar o riso. Arfei e revirei os olhos ao mesmo tempo, buscando um pouco mais de paciência para explicar-lhe melhor e fazê-lo acreditar em mim.
- Stevão, presta atenção! - Me inclinei sobre a mesa e estiquei o braço em sua direção, puxando o prato de Waffles para longe dele. - Analise-se! Belinda está sumida pelo segundo dia seguido, o que você sente sobre isso?
O encarei com o cenho franzido, esperando por sua reação. O Sr. Broe franziu as sobrancelhas enquanto mantinha seu olhar fixo em um ponto vazio da mesa, pensando.
- O que você sente - faço uma breve pausa - quando pensa na morte de sua esposa?
Eu não queria ir tão longe, sabia o quanto ele havia sofrido na época com o falecimento de sua amada. Mas eu precisei cutucar essa ferida para fazê-lo abrir os olhos e perceber que havia algo de errado ali. Eu precisava de mais alguém ao meu lado, não podia investigar tudo sozinha.
- Como descobriu isso? - perguntou ele, após alguns instantes de silêncio encarando o nada enquanto remoía minhas questões.
- Fo-foi... - balbuciei, deixando a palavra no ar enquanto pensava no que dizer a Stevão. - foi a voz da intuição! - disse finalmente.
Em parte não era mentira, foi mesmo uma voz que me alertara sobre o comprimido, só não sabia a origem. Deixei-me ser convencida de que havia sido a voz da intuição, pois não conseguia pensar em outra explicação lógica para isso.
- Vou atrás da Belinda! - Stevão exclamou com rubor e se levantou da cadeira rapidamente.
- Não. Stevão! - murmuro, lançando um olhar repreensivo a ele. - Fica frio ou vão suspeitar de nós.
O Sr. Broe enrijeceu o maxilar e olhou de esgueira para Rubin, que estava há algumas mesas de distância da nossa. Seu tórax elevou-se quando respirou fundo e voltou a se sentar, apoiando as mãos dadas sobre a mesa. Percebi que ele sempre fazia isso quando estava tenso.
- Temos que pensar num plano, rápido!
- Calma, primeiro temos que saber o que eles fazem aqui realmente. - adverti, quase num sussurro.
Vi que a expressão de Stevão suavizou-se e que afrouxou as mãos, ajeitando a postura ao olhar para além. No mesmo instante, soube que havia alguém atrás de mim e obtive a confirmação quando uma voz feminina e familiar chegou aos meus ouvidos.
- Bom dia! Como vocês estão? - cumprimentou Helen, com o mesmo sorriso e voz doces de sempre.
A julgar por sua aparência, ela parecia ser uma mulher boa e gentil. Mas como diz o velho ditado: "Não se deixe levar pelas aparências."
- Maravilhosamente bem! - respondeu Stevão, com um sorriso, cinicamente, escancarado.
Lancei um olhar repreensivo para ele, pois havia percebido seu tom irônico ao respondê-la e isso poderia levantar suspeitas.
- Que bom! - Ela sorriu. - Bem, qualquer coisa é só chamar.
Helen virou as costas e caminhou na direção oposta, indo até uma mesa onde estavam dois homens.
- Conseguem atuar muito bem. - disparou ele, voltando à posição rígida. - Deviam abrir um teatro, onde fazer os outros de palhaços seria legal e não um jogo cruel!
- Procure a Jessica e conte tudo a ela. - disse de repente ao me levantar. - Eu vou dar um jeito de descobrir o que acontece aqui de fato.
- Tenha cuidado, Clark! - alertou-me quando estava prestes a sair andando.
- Pode deixar!
Quando estava próximo ao horário de recolher, andei pela área externa, pelo salão e pelo refeitório, mas não consegui encontrar Stevão e Jessica. Uma pitada de preocupação começou a surgir dentro de mim, contudo, tinha que me manter firme e concentrada para executar meu plano.
As pessoas já estavam seguindo para seus devidos quartos e eu me juntei a elas. Em cada corredor ficava um guarda, para garantir que todos estavam em seus devidos aposentos e que ninguém sairia. Enquanto esperava o tempo passar, fiquei sentada sobre a cama com os braços apoiados sobre os joelhos e balançando uma perna para cima e para baixo repetidamente; estava pensativa. Passou-se, mais ou menos, uma hora e decidi que, àquela altura, as coisas estavam tranquilas.
Me aproximei da porta e colei a maçã do rosto no vidro de visualização, tentando enxergar o guarda. Não conseguia vê-lo, mas eu sabia que ele estava à espreita. Então, soltei o ar forte pela boca e me preparei para pôr meu plano em ação.
Tomara que dê certo!, pensei.
Comecei a bater na porta com as mãos desesperadamente e gritei, implorando por ajuda. Não sabia se era possível me ouvir do lado de fora, mas tinha certeza que as batidas podiam ser ouvidas. E tive a confirmação quando o guarda surgiu em meu campo de visão, olhando-me de forma espantada e desconfiada. Era uma mulher.
- Por favor, me ajuda! - disse em desespero, batendo as mãos no vidro e em prantos.
A guarda me olhava com as sobrancelhas franzidas e cruzava os braços na frente dos seios, assistindo ao meu teatro.
Será que não estava sendo convincente o suficiente ou estava deixando nítido que aquilo era uma armação?
Antes de deixar que meus pensamentos e minhas dúvidas aumentassem, pensei em uma solução rápida e pus a mão sobre a cabeça, fingindo estar sentindo uma grande dor. Em seguida, fiz corpo mole e o deixei se esborrachar no chão, resultando em uma dor no osso de meu quadril com a queda.
Permaneci do jeito que havia caído e esperei de olhos fechados pela reação da guarda. Pensei que isso também não tivesse sido convincente, mas mudei de ideia quando ouvi o breve apito da fechadura da porta ao ser aberta.
Com os olhos ainda cerrados, fingindo estar desmaiada, acompanhei os passos da guarda com a audição, formando a cena mentalmente. A mulher fechou a porta atrás de si e caminhou com cautela até mim, ainda desconfiada. Vi sua sombra cobrir a luz que iluminava minhas pálpebras ao se agachar ao meu lado e dar tapinhas em meu rosto. Soltei um breve gemido, fingindo estar acordando, e virei o corpo para cima, abrindo meus olhos devagar.
- E-eu...eu caí? - balbuciei em um tom de voz frágil e irregular.
Se os outros estivessem vendo essa cena, com certeza estariam rindo e batendo palmas, parabenizando-me pelo show de atuação.
- Você desmaiou. O que está sentindo? - perguntou-me em tom grave, demonstrando neutralidade quanto ao meu estado.
- Eu... - indaguei, fazendo um falso esforço para me sentar. - Tô tonta e minha cabeça dói muito.
- Vem, levanta! Vou chamar um médico pra te examinar. - disse ela ao pegar em meu braço e me forçar a ficar de pé.
Enquanto seguia até a cama com seu auxílio, pensei que não poderia esperar muito para entrar em ação. Se ela chamasse um médico, estragaria tudo. Então, tirei do bolso a corrente que havia arrancado da descarga do vaso sanitário, tomando cuidado para que a guarda não visse.
A mulher fardada ficou ereta e virou as costas para mim. Era o momento oportuno para pôr o plano em prática. Fiquei de pé e segurei nas pontas das correntes, uma em cada mão, passando-a por cima da cabeça da guarda e apertando contra seu pescoço.
Depositei toda a minha força ali, trincando os dentes enquanto puxava mais e mais a corrente, enquanto ela se contorcia e tentava me golpear com o cotovelo. A mulher enfiou os dedos entre a corrente na tentativa de conseguir afrouxá-la, mas foi inútil. Então, ela curvou o corpo para a frente, erguendo-me do chão e fiz força para trás, tentando voltar a ficar de pé.
A guarda deu passos rápidos para trás e me pressionou contra a parede gelada do quarto. Eu havia batido as costas com tudo, mas não parei de puxar a corrente contra sua garganta. Ela já estava ficando fraca e abria a boca em busca de ar. O som rouco e sufocado que emitia me deixou nervosa, mas se eu a soltasse estaria perdida.
De repente, a mulher parou de se mexer e sua cabeça tombou para o lado. Eu continuei segurando a corrente contra sua garganta, pois aquilo podia ser apenas um truque dela para que eu vacilasse. Mas ela ficou igual. Então, afrouxei a corrente e larguei uma das pontas. O corpo da mulher caiu no chão de forma desajeitada e o encarei assustada, sentindo angústia ao ver que os olhos da mulher estavam abertos e fixos no nada. Com o coração quase pulando para fora do peito, me aproximei devagar e agachei ao seu lado. A marca da corrente em volta do pescoço estava evidente e muito vermelha, provando o quanto havia pressionado-a ali.
Engoli em seco ao perceber que havia me deixado levar pelo instinto de sobrevivência, o qual levou-me a cometer um homicídio culposo.
- Zero meia, está na escuta? Câmbio. - Saltei num susto ao ouvir uma voz grave soar do rádio que estava preso na cintura da guarda.
Permaneci imóvel no lugar, sem saber o que fazer. Se não recebesse um retorno, com certeza o homem acharia o silêncio de Zero Meia estranho e mandaria reforços para saber o que estava acontecendo. E tudo o que eu menos precisava era chamar atenção.
- Zero meia, está na escuta? - perguntou novamente, dando mais ênfase em seu tom de voz.
Respirei fundo e peguei o rádio.
- Na escuta! - disse, fazendo voz mais grossa para ficar com o tom parecido com o da mulher.
- Vá para a sala de reuniões ficar de guarda na porta. Outro guarda ficará aí em seu lugar!
Fiquei em silêncio e praguejei mentalmente.
- Sim senhor, estou à caminho!
Deixei o rádio no chão e coloquei as mãos nas maçãs do rosto, encarando o cadáver da guarda em minha frente.
O que iria fazer?
Soltei o ar com força dos pulmões e me ajoelhei ao lado do corpo. Tirei toda a farda da mulher e peguei em seus punhos, puxando-a até a cama. Fiz bastante esforço para conseguir colocá-la em cima do colchão, pois ela era bem pesada. Após, finalmente, conseguir, virei o corpo de lado e o cobri com o lençol até as orelhas.
- É loira... sorte minha! - murmurei baixo e tirei seu boné camuflado.
Tirei a chucha de seu cabelo e mexi nos fios loiros, espalhando-os sobre o travesseiro. Soltei um longo suspiro e me despi, vestindo a farda que havia tirado da guarda. Embolei as roupas brancas e as joguei no chão do banheiro, amarrando meu cabelo em um rabo de cavalo e colocando o boné.
Me dirigi até a porta e saí do quarto, fechando-a atrás de mim. Aprumei a coluna e fiquei com a feição séria, adotando a pose de um soldado e marchei pelo corredor deserto e sinistro. Eu não sabia onde ficava a sala de reunião, mas precisava encontrá-la. Era minha chance de descobrir o que estava acontecendo, de fato, no CCE. De repente, ouvi passos se aproximando e pensei em me esconder, entretanto, tive uma ideia melhor. Um homem fardado se aproximou e olhou para mim com as sobrancelhas franzidas, como se estivesse estranhando minha presença ali.
- Posso ajudar, soldado? Parece perdida. - O homem vasculhou-me com o olhar enquanto mantinha as sobrancelhas franzidas.
- Recebi ordens para fazer vigília na sala de reunião. Pode me mostrar onde fica? - Fiquei surpresa comigo mesma por ter conseguido manter a pose e o tom de voz adequado a um guarda.
- Como pode não saber onde é?
"Droga, ele está desconfiado... Pensa rápido, Evelyn!", pensei.
- Eu...sou de outra repartição, é minha primeira vez aqui! - exclamei com firmeza, mantendo a cabeça erguida e cruzando os dedos atrás do corpo, torcendo para ter sido convincente.
- Hã. - expressou, ainda com certa desconfiança. - Siga em frente no corredor e vire à esquerda; depois, à esquerda novamente e no final vai ver uma porta de vidro, há um letreiro logo acima da porta com o nome.
- Ah, obrigada, boa noite! - Sorri levemente, fazendo uma breve reverência em seguida. O guarda retribuiu e voltou a seguir seu rumo.
Soltei o ar com força dos pulmões, sentindo alívio por ter me safado. Foi por pouco.
Alguns minutos depois, encontrei a sala de reunião e vi, pela porta de vidro, algumas pessoas de jaleco branco sentarem em círculo numa mesa de vidro azul temperado. Ao me aproximar, abaixei a cabeça e desviei o rosto para o lado para que ninguém me olhasse e me reconhecesse.
De fora não dava para se ouvir nada. Eu precisava arrumar um jeito de escutar o que iriam dizer naquela reunião. Então decidi fazer algo arriscado. Disfarçadamente, levei minha mão até a alça da porta e a empurrei devagar, mas ela não abriu. Fiz um pouco mais de força, entretanto, de nada adiantou.
- Merda! - sibilei, olhando ao redor para verificar se não estava sendo observada.
Foi então que me dei conta de que a porta não abria nem para dentro e nem para fora, mas sim para o lado. Era uma porta de correr. Quase sorri para mim mesma por isso, mas precisava me concentrar no que estava prestes a fazer.
Puxei a porta devagar por trás de mim, mantendo a pose de guarda. Olhei a brecha e achei era o suficiente, pois, no instante em que abri a porta, ouvi as vozes dos que estavam lá dentro.
- Senhor, não acha que já fomos longe demais? - questionou uma voz feminina familiar. - O que estamos fazendo é errado.
- Errado é se deixarmos que a tragédia nos pare. - disse uma voz grave e rígida. - Todos vocês sabem o quanto investiram em nosso projeto para chegarmos na hora e desistir no primeiro obstáculo.
- Obstáculo? Senhor, esse experimento custou a vida de centenas de pessoas e ainda está custando. Nós temos que encerrar!
- Não repita mais isso, Doutora Folk! - vociferou o homem, batendo a palma da mão com força sobre a mesa.
Estremeci ao me assustar com o barulho, pois estava de costas para a cena enquanto fingia ser apenas uma guarda que fazia a segurança da reunião.
- Alcançamos um novo patamar, as proteínas sofreram alterações nos novos hospedeiros... se encontrarmos a pessoa certa, finalmente teremos aquilo que sempre quisemos!
O tom de voz dele transmitia ambição e frieza e isso me fez engolir em seco. Tudo ainda estava muito confuso para mim, eu precisava ouvir mais para entender a real situação e motivação deles.
- Os últimos testados tiveram suas genéticas e estruturas corporais alteradas, deixaram de ser humanos. - murmurou outra voz feminina também familiar. Era da doutora Rubin.
Gelei ao ouvir o que ela havia dito e meu coração disparou. Como assim deixaram de ser humanos? O que isso queria dizer? Inspirei fundo e soltei o ar dos pulmões lentamente para me manter firme e controlada.
- Senhor, analisei os exames da paciente Clark, a jovem que foi resgatada junto com os outros três. - disse Rubin com serenidade e firmeza no tom de voz.
Meu coração disparou ao saber que estava se referindo a mim e engoli em seco.
- E como eu já suspeitava, aqueles arranhões em seu braço foram mesmo causados por um cânibe.
- Então ela é totalmente imune! - Helen exclamou com animação. - Senhor, essa menina pode ser a nossa solução. Encontramos, finalmente, uma possível cura!

CONTINUA NA PARTE 3...

INFESTAÇÃO: O princípio (Vol. 1)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora