III - À busca de um refúgio

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Xavier avançava com sua arma em mãos enquanto as garotas e eu seguíamos logo atrás dele em alerta, olhando tudo ao nosso redor. Eu estava com a pistola que havia pegado na loja de penhores e dei a minha lança improvisada para Belinda, mas não tinha certeza se ela a usaria para nos defender caso aparecesse algum transformado. Já estava anoitecendo e confesso que estava começando a me sentir apavorada, pois ainda não havíamos encontrado nenhum lugar seguro e estávamos ficando sem tempo; o ar estava gélido e uma neblina estranha surgia lentamente, dificultando ainda mais nossa visão.
— Estamos andando há horas e não encontramos nenhum lugar para passar a noite — resmungou Belinda, passando o dorso da mão na testa para afastar a franja.
— Calma, nós encontraremos um lugar seguro! — afirmou Xavier, não tendo nenhuma certeza do que acabara de dizer.
— Hello, acorda! Não existe mais lugar seguro nesta droga de cidade — alegou Jessika, em tom rude e chutou uma lata vazia de cerveja para longe.
— Ei, é melhor parar de se revoltar e ajudar a pensar em algo! — exclamei, num tom de voz mais firme e rígido do que pensei que seria.
— Ah, é? Me deixa pensar aqui… — Jessika disse debochada e virou o rosto para cima, batendo com o dedo indicador no queixo para demonstrar que estava pensando. — Não há porra de lugar nenhum! — Ela se virou para mim e berrou.
Naquele momento, me imaginei dando um soco em sua boca para que se calasse de vez.
— Se você gritar mais uma vez ou fizer qualquer coisa que possa atrair os zumbis para cá, eu juro que vou te fazer sossegar de um jeito nada agradável! — a ameacei, fitando-a e cerrando o punho para me conter.
— Parem, vocês duas! — ralhou Xavier, em tom rígido e autoritário.
Jessika revirou os olhos e cruzou os braços enquanto eu já estava cruzando a rua à procura de um estabelecimento fechado. Andei com cuidado sobre a calçada, segurando firme a pistola enquanto olhava pelas vitrines — a maioria delas quebradas em parte e outras totalmente — para dentro das lojas. Todas estavam de cabeça para baixo e cheias de sangue e corpos espalhados pelo chão, não havia nada daquele lado da rua que servisse como abrigo.
— Gente, estou reconhecendo esta rua, acredito que ali do outro lado tem um lugar onde podemos ficar! — aleguei, lembrando-me do depósito de bebidas de um bar vizinho que ficava logo à frente.
— Cuidado, Evelyn! Espere por nós aí — alertou Xavier e o obedeci, esperando eles virem até mim e evitei olhar para Jessika, ela havia tirado minha pouca paciência.
— Você disse que conhece um lugar seguro? — indagou ele ao se aproximar.
— Sim, logo ali na frente há o depósito de um bar, ele provavelmente deve estar fechado!
— Então não vamos perder mais tempo, daqui a pouco a noite cai e ficaremos às cegas — observou Belinda, colocando uma mecha de seu cabelo liso atrás da orelha.
Atravessamos a rua com cuidado e tivemos a sorte de não esbarrar em nenhum transformado, a porta do bar estava entreaberta e isso era sinal de que lá dentro não deve estar vazio.
— O único acesso para o depósito fica nos fundos do bar e… — murmurei, dando uma breve pausa melancólica enquanto olhava para eles — provavelmente deve estar cheio deles lá dentro.
— Então vai lá e vê se dá pra passar! — retrucou Jessika, mais uma vez em tom arrogante.
— Primeiro: você não manda em mim; segundo: por que não vai você então? — disparei no mesmo tom de deboche e arrogância, já que ela gostava de lidar com as coisas desse jeito.
Essa garota, com certeza, era daquelas patricinhas que tiveram sempre tudo e todos à sua mercê, mas aqui as coisas são bem diferentes. E faria questão de mostrá-la isso.
— Vocês duas, não comecem! — advertiu Belinda, num tom calmo e tranquilo.
Diferente de Jessika, Belinda parecia ser uma mulher culta e educada, que analisa as situações e tem atitudes apropriadas; que sabe o valor real das coisas da vida e as valoriza sem se sentir superior a ninguém.
— Ninguém vai lá sozinho, vamos todos juntos! — exclamou Xavier, passando à minha frente e andando sempre com cautela e com o dedo no gatilho do revólver, preparado para qualquer ataque repentino.
Dei as costas para elas e segui logo atrás dele também com minha arma em mãos, preparada para atirar em qualquer uma daquelas coisas. Chegamos à frente do bar e paramos para observar, havia um cheiro forte de álcool e sangue e isso demonstrava que algo estava lá dentro. Xavier sinalizou com o dedo indicador para o seguirmos, e foi o que fizemos.
Ao entrar no local, desviei para o lado direito para verificar se não havia nenhum transformado daquele lado. Nada. Tudo o que havia era um copo de vidro tombado e uma garrafa de vodca quase vazia sobre uma das mesas de madeira, mas em sua lateral havia sangue e percebi que ele seguia pelo chão, indo na direção do balcão. Olhei para os outros e Xavier estava do lado oposto fazendo inspeção, enquanto as outras duas ficavam à sua sombra sem fazer nada. Belinda apenas vigiava a traseira deles com a arma improvisada que lhe dei e Jessika seguia com o corpo encolhido logo atrás.
O lugar parecia estar vazio, mas aquele silêncio estava estranho demais. De repente, um barulho de uma lata sendo chutada ecoou pelo lugar, assustando a todos e Jessika cobria a boca com as duas mãos, com os olhos arregalados. Fora ela quem não havia visto a lata e a chutou, deixando-nos mais nervosos e atentos do que nunca, com receio dos transformados aparecerem. Xavier pediu para tomarmos mais cuidado e que o seguíssemos, então fomos para os fundos do bar, onde ficava a entrada para a cozinha.
— Vou entrar e ver se a barra está limpa, aí chamo vocês para procurarmos comida! — instruiu Xavier, em tom baixo.
— Xa-Xavier… — Belinda gaguejou e apontou para algo atrás dele.
Um transformado.
Logo ao se virar, Xavier foi golpeado pelo homem gordo de quase dois metros de altura e as garotas começaram a gritar e eu fiquei paralisada e sem reação, enquanto Xavier lutava contra o zumbi.
A pistola dele disparou e nós três nos abaixamos e foi então que tive uma ideia. Ainda agachada, mirei nos joelhos do transformado e atirei, acertando precisamente e fazendo-o cair para frente, quase em cima de Xavier.
O homem zumbi ainda tentava mordê-lo, mas ele conseguiu se esquivar e disparou incontáveis tiros em sua cabeça. Xavier estourou os miolos daquele zumbi no chão e, já que havíamos feito barulho demais, deveríamos procurar um lugar seguro para nos abrigar.
— Vamos lá para os fundos tentar abrir o depósito antes que apareça mais um ou… vários! — disse.
— Vão vocês, eu procurarei por comida!
— O quê? Não, você não vai sozinho! — reprimiu Jessika.
— Vou com ele, encontramos vocês lá! — retrucou Belinda, indo para o lado de Xavier e dando um aceno de cabeça.
Correspondi ao aceno e segui para os fundos do bar, esperando que Jessika viesse atrás de mim. Não sabia porquê, mas tive a breve impressão que ela não gostou do que Belinda fez.
Mesmo contra sua vontade, Jessika me seguiu até os fundos onde o depósito se localizava. Havia uma grande trava de ferro na porta, a qual só abria ao abaixar a alavanca. Tentei puxá-la para abrir, mas estava muito dura e a alavanca não cedia de maneira alguma.
Passei o peito da mão sobre a testa e bufei, em seguida, fitei Jessika com um olhar de “Não ajudará mesmo?”. Tentei mais uma vez puxar e, desta vez, coloquei os dois pés sobre a porta de aço, um de cada vez, para depositar toda a força possível sobre a trava. Finalmente, a alavanca ameaçou descer, mas nada além disso. Talvez estivesse enferrujada ou havia alguma outra coisa a impedindo de abrir. Eu já estava suando.
— Como sobreviveremos aqui se essa porcaria não abre? — reclamou.
— Bom, se você descruzasse esses bracinhos e me ajudasse a puxar a alavanca, talvez essa porcaria abrisse! — respondi com rispidez e, como sempre, ela revirou os olhos e me olhou com cinismo, porém descruzou os braços.
— Tá! Eu ajudo, mas não espere que eu faça tanta força a ponto de atrofiar um músculo.
Apesar de pouco esforço da parte de Jessika, a alavanca finalmente fez um ruído e desceu, destravando a porta. Estava tudo escuro lá dentro e eu temia de que saíssem mais zumbis de lá. Lembrei ter celular e o peguei para acender a lanterna. Ao iluminar o local, tudo o que vi foram prateleiras de alumínio cheias de bebidas e tive a impressão de ter visto comida também. Caminhei devagar para dentro do depósito com Jessika na minha cola logo atrás e apalpei a parede ao lado da porta à procura do interruptor. Quando as luzes acenderam, pressionei os olhos devido à claridade e os abri lentamente. Graças aos céus, o lugar estava vazio. Bom, pelo menos parecia estar.
— Ai! Enfim achamos um lugar seguro para descansar — Jessika disse aliviada e foi logo pegando um caixote para se sentar enquanto permaneci de pé, pois ainda estava desconfiada de que poderia ter mais alguém ali dentro.
Tive a impressão de ter visto algo se mexer atrás das prateleiras e fui verificar sorrateiramente. Sentia que não estávamos ali sozinhas e quanto mais me aproximava, mais apreensiva eu ficava. Segurei a pistola com mais firmeza e me preparei para atirar, caso precisasse e então virei no corredor de prateleiras rapidamente e me deparei com um garoto agachado. Com o susto, quase disparei contra ele, mas não recuei porque poderia estar infectado.
— Por favor, por favor não atire em mim, moça! — O garoto estava com as mãos erguidas sobre a cabeça e tremia muito, assim como sua voz.  — Eu só estou escondido aqui porque meu pai mandou eu ficar.
— Está ferido, mordido, arranhado ou algo do tipo?  — indaguei em tom meio alterado.
— Eu… — ele gaguejou e abaixou a cabeça para olhar seu corpo.
— Está ou não? — Elevei mais a voz e mirei a arma em sua cabeça.
— Não, não, eu não estou! — Ele estremeceu ao meu tom de voz e respondeu rapidamente, quase atropelando as palavras.
— Que bom! — murmurei em tom de alívio, abaixando minha pistola e guardando-a na roupa. — Agora levanta daí.

INFESTAÇÃO: O princípio (Vol. 1)Where stories live. Discover now