Primeiro Capítulo: Algarismo

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Não há um dia sem recordações... É como se cada objeto, aroma ou sabor atual correspondesse grandiosamente com o advindo. Numa busca alucinante por afirmações que tenham significado.

Lembro-me dos domingos em Leotie quando recebíamos visitas e ao final da tarde todos sentavam na varanda, os adultos em seus próprios assuntos e  crianças inventando brincadeiras.

Eu adorava nosso balanço na grande árvore!

Era algo simples me integrar ao grupo. Só que essas semelhanças se restringem ao passado quando comparamos meus irmãos a mim. Como qualquer adulto totalmente ciente de sua própria identidade eu não deveria seguir esse pensamento, mas... ah, como gosto do advérbio "mas" como a sequência numérica tolamente mantida em qualquer lugar do mundo.

Comparando-me aos meus irmãos somos números e suas divergências. Enquanto Carolina busca a harmonia do diálogo e isso se estende com seus filhos, José Pedro insiste na aventura dos rodeios e em um cotidiano versátil.

E quanto a mim?

Um suspiro? Não! Eu consigo rir sozinha ao ouvir essa pergunta em  mente, numa voz completamente diferente da minha. 

Sempre fui inspirada pelos números, pois se observarmos em tudo há uma regra que se repete talvez por um mero acaso, mas quem nunca deixou o arroz queimar?

Também quero revirar meus olhos com essa reflexão sem nexo!

Minto para mim mesma, para não dizer,  eu gostaria de ser algo além do extraordinário. Desejei participar da regra e não me sentir perdida entre as pessoas que me amavam. 

Quem disse que tudo deva ser igual?

Recordo uma conversa com o senhor Conrado, eu tinha exatos doze anos e já demonstrava uma facilidade com os algarismos além do estimado normal. Meu interesse partia dos possíveis valores: absoluto e relativo. Eu queria me enquadrar em pelo menos uma definição. Sabia que meu valor em minha família não dependia da  posição, mas era a segunda filha e neta para os demais, ou seja, era algo relativo.

— A vida, Thamara, é um trajeto cheio de surpresas, e quando a pessoa não tem o famoso equilíbrio, termina por desistir — o homem de cabelos brancos e ralos falava, interrompendo-se apenas para levar e tirar o cigarro dos lábios — Uma vez eu fiz um trem para o seu bisavô — Conrado iniciou o assunto, porém, me encontrava perdida, pois José havia falecido quando meu pai era praticamente uma criança — Guilherme sempre foi um rapaz orgulhoso.

Eu sempre fui louca por números, mas os homens são loucos pelo papel de herói? Movimentar a colher no café me faz franzir o cenho ao querer entender como meus pensamentos me levaram a justamente essa lembrança.

— E por quê? — como qualquer adolescente eu era regida pela curiosidade, buscando uma lógica para a historieta.

Conrado respondeu com uma risada rouca, ainda não sabia do câncer de pulmão.

— Houve uma falcatrua nos documentos da fazenda, dívidas foram acumuladas e seu pai não encontrava uma saída.

Eu conhecia esse acontecimento, pois Nathan narrava com admiração sobre a persistência de minha mãe. Eu não tinha maturidade suficiente para entender o desenrolar de romances, contentava-me em vê-los juntos e felizes. Por essa razão minha conversa com Conrado não tivera sentido.

Limitei a acreditar que uma terceira pessoa causou um rebuliço e no final esse homem que considerava um avô pagou as dívidas em sigilo. Sim, Conrado tinha quitado aquelas dívidas, embora não tivesse que discorrer por alguma lógica. Se eu fosse tão boa com as palavras teria transformado aquele fato em algum acontecimento histórico em um diário.  Contudo, só ouvi e aceitei um segredo.

Em Uma MatemáticaWhere stories live. Discover now