Nono Capítulo: Bônus

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Publicado: 08/01/2018


Ele sentia falta daquela risada, dos sapatos jogados atrás da porta do quarto mesmo sendo ela a responsável por pedir organização na casa. Rodolfo apertou a aliança na mão com força, o maxilar travado, enquanto os olhos observavam a porcaria de mesa de centro que Thamara fizera questão de comprar.

— Quando você volta?

Ele não tinha ido a fazenda somente por respeito ao pedido de Guilherme, e com o passar dos malditos minutos, horas e dias  ressentia-se por não entender realmente o que Thamara esperava.

Reconhecia que suas ações foram precipitadas e analisadas por um único ponto de vida, mas estava cansado das cobranças e da meta que a esposa buscava a cada instante que compartilhavam, ou ao menos insistia em acreditar que compartilhavam.

Um filho!

O que para muitos acontecia em questão de segundos, para eles havia se tornado uma realização distante, e por mais que desejasse também a paternidade, Rodolfo tinha com o passar dos anos aceitado as imparcialidades.

Apoiou as mãos abaixo do queixo, sem qualquer vontade de levantar do sofá e ir descansar no quarto de casal. As férias solicitadas  passando sob seus olhos, não haveria reembolso da viagem que programaram com antecedência e tampouco demonstrava interesse em ir sozinho. Também reconhecia que sua paciência chegara ao fim após três dias que Thamara saíra de casa.

Rodolfo estava cansado de salvá-los, e por inúmeras razões também odiava.... Odiava os dezesseis anos que Thamara considerava como frustrantes quando exclusivamente direcionados a gravidez.

Como odiava essa palavra: gravidez e tudo que estivesse relacionado a ela!

Odiava quando outras pessoas eram autorizadas por Thamara para opinarem sobre seu casamento. Não se travava de um relacionamento aberto a público, era uma responsabilidade apenas deles, não existia incógnitas como a esposa gostava de classificar tudo que não compreendesse. Não... Era tudo simples, Rodolfo desejava apenas que pudessem conversar e assim chegar a um acordo.

Uma tosse no quarto de hóspede interrompeu os pensamentos do novo promotor.

Ele planejou cada passo e as pessoas que fariam parte da sua vida, justamente para fugir do destino patético do dono daquela tosse. Rodolfo não queria terminar como o pai. E se havia um segredo, era exclusivamente a existência de Eliseu; o homem que não fizera parte da sua vida até uma ligação desesperada de Samara na noite anterior.

— Poderia ao menos atender minhas ligações, Thamara — ele murmurou — Sabe o quanto detesto frases curtas por torpedo.

***


— Está acordado? — A voz dela era um sussurro, enquanto a mão descansava em seu peito.

Rodolfo era tomado por uma sensação de vitória após a cerimônia, finalmente não se sentiria como um criminoso por Thamara estar dormindo ao seu lado. O segmento de reta havia se mostrado mais complicado a cada mês, principalmente com a divergência entre a expectativa e realidade da noiva. 

Thamara era seu ângulo reto, e mesmo com a fórmula o cálculo da hipotenusa dera errado em muitas ocasiões.

— Bom dia, senhora Vieira — ele disse, os olhos entreabertos observam o queixo dela apoiado nas mãos, que ainda descansavam em seu peito.

— Ainda não é dia — Thamara retrucou com um sorriso, antes de morder o lábio — Eu sei que pode parecer uma estupidez, mas por que insistiu em fazer um voto na festa?

Rodolfo respirou fundo, franzindo o cenho:

— Achei importante.

A jovem balançou a cabeça.

— Só isso?

Rindo, ele os girou na cama, aproveitando para trilhar os dedos inicialmente pelo rosto da esposa:

— Foi uma espécie de recompensa e sinal de respeito aos seus sentimentos — Rodolfo argumentou em tom sério — Agora todo mundo sabe o quanto eu a amo, e estava disposto para colocar essa aliança grossa em seu dedo e meu sobrenome em seu nome.

— Cínico — ela falou, aceitando a desnecessária coberta ser jogada para longe, mesmo que soubesse do rubor no rosto diante de sua própria nudez.

— Escute bem a pronúncia, Thamara Vieira, é uma combinação perfeita — ele articulou, beijando-lhe o pescoço — E o melhor de tudo é que tenho você exatamente onde quero.

— Eu te amo, Rodolfo, e eu quero muito que sejamos felizes.

***

Por mais que o aspecto e o aroma da comida fossem capazes de encantar qualquer um dos clientes do restaurante, para Rodolfo não tinha sabor. Mais uma vez teve que se contentar com mensagens avulsas de Thamara, e mesmo que fossem uma vitória para a atual situação do casal, ele adoraria chegar em Leotie o mais rápido possível e obriga-la a encarar as possibilidades.

— Alô?

Ele nem se preocupou em deixar o celular no silencioso.

— Como está o pai?

Se não fossem os processos, Samara faria questão que estivesse gastando toda sua energia em cuidar daquele homem.

— Dá última vez que o vi ele tomou a medicação — respondeu — Tem comida na geladeira, acho que Eliseu pode se virar, ele fez isso muitas vezes.

— Agora é diferente, Rodolfo — a mulher retrucou com um suspiro.

— Oh, sim! A velhice perdoa todos os pecadores — ele ironizou, mexendo o garfo na comida — Nossa mãe deve estar se revirando no túmulo.

— A mãe nunca negaria ajuda e por pouco tempo — Samara adiantou-se — Só precisamos ter certeza que ele segue as recomendações médicas, depois volta para a casa dele e eu sou capaz de assumir.

— Deveria se preocupar com seus filhos, é mais produtivo.

Ela respondeu com uma raiva incontida:

— Meus filhos estão bem, tenho tudo sobre meu controle, só não consigo abandonar meu emprego na confecção. Não pedi que você chamasse Eliseu de pai, ou o apresentasse aos seus amigos bastardos e arrogantes.

Rodolfo esfregou o queixo:

— Eu jamais faria isso, Samara.

— Devo presumir que a sua esposa ainda está em viagem — ela deduziu, uma vez que Rodolfo mantinha o pai sob o mesmo teto.

— Sim, mas amanhã já retorno com Eliseu ao médico e se possível o despacho para bem longe de mim.

Samara suspirou:

— Queria que ao menos o escutasse, Rodolfo.

— Eu não tenho o menor interesse, Samara.

— Tudo bem, não vou voltar ao assunto, eu prometo — ela articulou com um cansaço expressivo na voz — Obrigada novamente pela ajuda.

— Você ainda é minha irmã.


Em Uma MatemáticaWhere stories live. Discover now