Oitavo Capítulo: Medida de Tempo

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Publicado: 09/07/2017

— Como decidiu participar da festa, senhor protagonista?

Sem reservas perguntei, enquanto seguíamos para o ginásio, já se ouvia a diretora Marília com os agradecimentos. Luan estava entre nós, segurando nossas mãos.

— Fui enganado pelo delegado, moça — Rodolfo respondeu, embora os olhos azuis inteligentes argumentassem o contrário.

— Sabe que não pode fugir ,moço.

A decoração no ginásio estava encantadora, alguns fenos distribuídos estrategicamente pela quadra, bandeirolas terminavam na iluminaria que imitava um balão.

Eu esperava uma resposta sarcástica de Rodolfo, mas dessa vez ele não havia entrado na brincadeira, entretido numa pergunta inocente de Luan sobre uma possível chuva de fogos de artifício.

— E numa noite curiosa — uma moça começou, a iluminação modificando conforme a entonação — A filha de um fazendeiro caminhava pela ponte sobre o Rio das Almas, um vento soprava e a pele da jovem se arrepiava,  de nenhuma maneira ela queria voltar para casa.

O solo de uma sanfona começou, enquanto surgia um casal:

Mulher:

Ainda não...
É a espera.
Afirmação
do tempo que vai chegar
no tempo que está passando
.

Foi inevitável não sorrir, assistindo a turma do terceiro ano apresentar a ideia do teatro. O poema de Cora Coralina sobre o título "Ainda não" tinha sido uma escolha difícil, e agora parecia ser a mais sensata.

Homem:

Ainda não...
É a promessa.
Certeza
do tempo de querer.

— No dia treze de junho, por ironia do destino há quase um ano, a moça resolveu que uma simpatia faria. Era perigoso, isso já sabia, mas se todas as amigas conseguiram, ela deveria ser a próxima da linha. Na mesma ponte onde estava, a moça recitou as tais palavras mágicas e colocou as mãos no bolso da calça do pretendente que amava. O problema é que errara de calça e a confusão logo se instalara.

Homem:


No tempo que vai chegando.
A mulher é a terra —
terra de semear
.

— A moça não sabia o motivo de corresponder aos sentimentos do inimigo da família. Até parecia ser a maldição que a avó paterna repetia depois de toda missa onde as duas famílias se encontravam, ocupando lugares estremos na capela grande luta de olhares aconteciam.  A culpa mesmo era daquela simpatia, que besteira apelar para Santo Antônio!

Mulher

Ainda não...
O tempo disse dormindo:
Por que esperar?
Plantar, colher
no amanhecer.
Não retardar o instante
maravilhoso da colheita.

— Ah, se eu pudesse! Perder-me nesses olhos negros como a noite, embrulhar-me em seus braços fortes e experimentar mais uma vez desses beijos doces — a garota disse, próxima do rapaz.

— Poderíamos fugir enquanto há tempo, aproveitar a festança na cidade. Assim viveríamos o nosso amor  que é pura verdade — ele completou, segurando-lhe as mãos.

Homem:

Veio o semeador,
semearam juntos
e colheram
o encantamento do fruto.

— Seria mesmo um amor verdadeiro? A moça cada dia mais acreditava e por instantes se remoía na esperança da fuga. De repente o casal abraçado foi flagrado.

Mulher e Homem:

Lamentaram juntos
Retardamos tanto... no tempo.

— Nada se resta a fazer, o casamento deve acontecer!

Em Uma MatemáticaWhere stories live. Discover now