PRÓLOGO

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POV Anastasia

Eu não queria ir.

– Por favor, mamãe, podemos ir amanhã?
Minha mãe não respondeu por um minuto, afastando os cabelos loiros do rosto e enxugando o suor que salpicava a testa e o buço. Suas faces estavam coradas devido à febre de novo, e os olhos verdes pareciam opacos e brilhantes ao mesmo tempo, como a superfície das poças de água que se formavam na garagem do nosso complexo de apartamentos depois que chovia.

– Temos que ir, Ana. Estou me sentindo bem o bastante hoje e não sei se estarei bem amanhã.

Mamãe não parecia estar se sentindo bem. Para mim, sua aparência estava pior do que nas últimas semanas. Ainda pior do que no dia em que encontrara o papel afixado na nossa porta e chorara, para depois ficar na cama por três dias. Eu estava assustada com sua aparência doentia e não sabia o que fazer.

Eu costumava bater à porta da senhora Hollyfield para pedir ajuda, quando ela ainda morava no prédio. Ela vinha, trazia canja de galinha e, às vezes, uma caixa de picolés, e conversava com minha mãe com uma voz baixa e tranquilizadora, enquanto eu assistia a desenhos animados. Eu sempre me sentia melhor depois que a senhora Hollyfield saía, e parecia que a mamãe também. Mas a senhora Hollyfield não morava mais no condomínio. Uma coisa chamada coágulo aconteceu com a senhora Hollyfield, e eles a levaram numa maca branca.

Depois disso, umas pessoas mais jovens que eu nunca vira antes vieram e esvaziaram o apartamento dela. Quando as ouvi discutindo sobre quem pagaria as despesas do funeral, entendi que ela estava morta. Minha mãe chorou e chorou, e ficou repetindo: "O que vou fazer agora? Ai, meu Deus, o que vou fazer agora?". Mas não chorei, mesmo querendo, porque uma vez, quando minha mãe estava no médico, a senhora Hollyfield me disse que, quando se morre, a gente voa para o céu como um passarinho. Ela disse que o céu é o lugar mais maravilhoso que qualquer pessoa poderia imaginar, com ruas pavimentadas de dourado e flores em cores que não existiam na Terra. Por isso, tentei ficar feliz pela senhora Hollyfield, apesar de saber que sentiria saudades dos seus abraços,das suas risadas, dos picolés vermelhos – que eram os meus prediletos –, e do modo como ela fazia a mamãe sorrir.

– Apresse o passo, Ana. Não posso arrastá-la. – Caminhei mais rápido, tentando acompanhar o ritmo da mamãe. Ela andava rápido, e quase tive de correr para ficar ao seu lado. – Estamos nos aproximando da casa do seu pai.

Engoli com força, sentindo tontura. Não tinha certeza se queria conhecer meu pai, mas estava curiosa. Sempre imaginei como ele seria – se seria bonito como os atores das novelas a que a mamãe assistia. Ela parecia gostar muito delas, portanto eu sabia que tipo de homem ela teria escolhido para ser meu pai. Imaginei-o de terno, com cabelos espessos e ondulados, e dentões alinhados. Desejei que ele me achasse bonita, apesar das minhas roupas puídas. Desejei que ele gostasse de mim, apesar de ter nos abandonado antes mesmo de eu nascer.

Chegamos a uma casinha com pintura descascada e uma porta de tela meio torta, e, quando minha mãe parou diante dela, apertou minha mão.

– Senhor, dê-me forças, por favor. Não tenho escolha, não tenho escolha – minha mãe murmurou antes de se virar e se ajoelhar diante de mim. – Aqui estamos, meu amor. – Seus olhos estavam marejados, os lábios, trêmulos, e fiquei alarmada com o quanto ela parecia doente. Mas ela sorriu com suavidade e me encarou nos olhos. – Ana, minha doçura, você sabe que eu a amo, não sabe?

– Sim, mamãe.

Ela assentiu.

– Não fiz muitas coisas boas neste mundo, meu amor. Mas uma coisa que fiz à perfeição foi você. Você é uma menina tão boa, tão inteligente, Ana. Não se esqueça disso, está bem? Não importa o que aconteça, não se esqueça disso.

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