CAPÍTULO VINTE E QUATRO

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O que quer que faça, faça-o com todo o seu coração.
Lemon Fair, a Rainha do Merengue

POV Anastasia

Não fiz muita coisa além de chorar naqueles primeiros dias. Entrar no meu apartamento me pareceu surreal – como se aquele espaço tivesse existido em outra vida. Sob alguns aspectos, acho que era bem isso mesmo.

O sofrimento de deixar o Christian foi tão agudo que chegou a ser uma dor física; senti como se meu corpo e minha alma estivessem presos debaixo de uma rocha pesada. Tudo me doía, a pele e os ossos, e até o fundo da minha alma. Eu sabia, em meu coração, que fiz o que era certo para nós dois, mas isso não queria dizer que não fosse agonizante.

Tive medo e senti-me tão incrivelmente sozinha; imaginei que acabaria afundando. Mas eu soubera, sentada junto à janela do quarto do Christian à noite, ouvindo o barulho suave da sua respiração, que, se eu afundasse, teria de fazer isso sozinha. Não era justo para nenhum de nós eu me esconder atrás dele – tanto física quanto emocionalmente – em vez de enfrentar o mundo.

Eu tinha de libertá-lo para escolher Chloe, caso ela fosse a mulher destinada a ficar com ele, se as coisas tivessem tomado outro rumo. Visualizei-os juntos de novo, como estiveram no Festival de Outono de Morlea – o quanto estavam bonitos e alegres –, e soube instintivamente que lhes negar a oportunidade de uma vida como aquela seria egoísmo. Eu o amava, de corpo e alma, e me preocupava com a sua felicidade acima da minha. Mesmo assim, visualizá-lo amando-a era como ter uma faca afiada cravada nas minhas partes mais sensíveis; imaginar as mãos dele se movendo pelo corpo dela como se moveram pelo meu, vê-los casados, com lindas criancinhas de cabelos castanhos. Cerrei os olhos contra essa imagem, afastando-a. Não me faria bem algum ficar pensando nessas coisas.

Eu ligara para a minha senhoria assim que cheguei, para lhe agradecer por ter sido tão paciente comigo e dizer que já tinha o dinheiro do aluguel atrasado e que estava postando o cheque para saldar a dívida. Eu só recebera três semanas pelo meu trabalho no escritório da pedreira, e precisava me certificar de ter o bastante para tirar o carro da oficina e fazer compras de supermercado até conseguir encontrar outro emprego. Com o pensamento imerso nas contas a pagar e na procura por um emprego, uma onda renovada de medo e de solidão me assolou, mas eu estava determinada a resolver a questão. Eu tinha de fazer isso, simplesmente tinha. Se Christian me ensinara alguma coisa foi que a vida não precisava ser repleta de sofrimento e de incerteza o tempo inteiro. Havia algo merecedor de amor em mim; Christian também me mostrara isso. Eu só precisava descobrir o que era e, quem sabe – ah, Deus –, quem sabe encontrar um modo de me amar.

Minha vida inteira passara sob meus pés, e eu não soube a que me agarrar, em que me segurar para não cair. Não sabia como me aprumar. E então me apeguei à única coisa sólida em minha vida: Christian. Tornara-me emocionalmente dependente dele de uma maneira que eu não considerava saudável para nenhum de nós. Cada coisinha me fazia duvidar e sofrer, e eu sentia mil inseguranças que talvez nem fossem reais. Perdi a capacidade de discernir e, em meu coração, entendi que o meu tipo desesperado de amor sufocante acabaria se tornando uma prisão para o Christian. Eu o amava demais para sujeitá-lo a uma segunda prisão perpétua. Ele já passara por uma sentença semelhante. Deixá-lo foi a coisa mais difícil que já fiz, mas foi a mais certa. Eu sabia que era certo.

Então, depois de alguns dias, nos quais me permiti afundar na tristeza, levantei e limpei o apartamento, esfregando cada cantinho e abrindo as janelas por um tempo para arejá-lo com o ar frio do outono.

Liguei para a oficina onde estava o meu carro e disse ao rapaz que atendeu o telefone que iria até lá para buscá-lo. Calcei os tênis e vesti uma jaqueta para caminhar os cinco quilômetros de distância. Eu acordara com torcicolo, e o desconforto foi piorando à medida que eu andava. Minha perna doía um pouco, e minhas passadas foram ficando cada vez mais lentas, mas, apesar das minhas dores, foi ótimo me exercitar, e o ar fresco fez maravilhas aos meus pulmões.

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