Capítulo 34: Perdendo o controle [narrado por Elena]

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     Fui acordando lentamente, minha cabeça doía e meus olhos ardiam. Tudo parecia muito escuro, foi quando percebi que um pano tampava minha cabeça. Não conseguia enxergar nada e o ar era pouco. Senti que estava deitada em algo macio, parecia ser o banco de trás de um carro. Senti o veículo andando em uma velocidade rápida, ele chacoalhava, deveríamos estar andando por uma rua de terra e muito esburacada. As lembranças anteriores estavam espalhadas, só me lembro de entrar em casa, e de quando Eldon apareceu e então eu desmaiei.
     Isso, Eldon... era ele quem deveria estar dirigindo. Para onde ele estava me levando? Eu precisava sair daqui. Senti que minhas mãos estavam amarradas, o que me causava ainda mais aflição. Tentei ficar calma, precisava fingir que ainda estava dormindo. Um vento gelado entrava pela janela do carro que deveria estar aberta, e alguns pingos finos de água caiam sobre minha pele, o que indicava que estava chovendo. Ouvi a respiração de Eldon, eu precisava fazer silêncio.
     Tentei mexer minhas mãos o máximo que pude, a procura de algum objeto escondido nos cantos do banco do carro. Foi quando senti que uma das mãos de Eldon tocou as minhas costas, ele estava procurando alguma coisa que estava perto de mim, então voltei a fingir que estava dormindo. Depois de mais algum tempo na estrada, senti que ele parou o carro. Deveríamos ter chegado, mas onde? Ouvi que Eldon desceu e em seguida bateu a porta. Eu estava desesperada, ele iria abrir a porta de trás e eu não teria escape.
     Alguns segundos depois ele abriu a porta do carro onde eu estava, e eu senti os pingos mais grossos de chuva batendo contra a minha pele. Deixei que o meu corpo ficasse mole e mantive minha respiração calma, eu tinha que ganhar tempo.
     - Vamos, Elena. Levanta. - ele disse.
     Me mantive imóvel e não respondi.
     - Pare de fingir que está dormindo, eu sei que você está acordada, eu vi você se mexendo. - ele disse.
     Droga.
     - Levanta daí! - ele estremeceu, me puxando pelos braços.
     Eu então parei de fingir e me debati, tentando me soltar dele. Ele me segurou firme e me puxou pelos braços, me arrancando de dentro do carro. Suas mãos apertavam os meus pulsos com força.
     - Você tá me machucando! - me debati.
     - Calada, meu amor. Isso não é nada, se não fizer silêncio eu vou acabar te machucando de verdade. - ele disse. - Agora vamos, se você ainda não percebeu, está chovendo, e eu não quero chegar todo molhado.
     Sua voz, como eu a odiava, a maneira como ele falava, que droga, nunca imaginei que um dia eu voltaria a escutá-la. Seu rosto, não conseguia ver, e nem queria. Não via nada, como ele queria que eu andasse? Ele bateu a porta do carro e foi me puxando pelo braço para que eu caminhasse com ele.
     - Para onde você está me levando? - perguntei.
     - Porque você acha que eu diria? - ele perguntou, ironicamente. - Você vai saber quando chegarmos.
     Então ele foi me guiando, parecia que estávamos entrando em uma floresta. As folhas das árvores encostavam no meu corpo, tudo estava muito gelado e molhado. Eu estava ficando assustada, não sabia para onde estávamos indo. Ele continuava me arrastando contra a minha vontade, e eu sem ter outra opção, continuei andando. Ele parecia apressado, andávamos tão rápido. Eu estava cansada, estava grávida, não sabia onde estava pisando. Eu iria tropeçar mais cedo ou mais tarde.
     Tinha que me sentar para recuperar o fôlego, senão não conseguiria prosseguir. Mas ele não me deixou e continuou me levando com ele para sabe-se lá onde. Permanecemos caminhando por mais alguns minutos, que pareciam infindáveis.
     - Chegamos. - ele disse.
     Então subimos alguns poucos degraus e entramos, em uma casa? Eu não tinha certeza. Só sabia que o frio tinha amenizado um pouco, se é que eu podia dizer isso, mas minhas roupas e meu cabelo ainda estavam molhados. Parecíamos estar atravessando por alguns cômodos até que ele parou e me sentou em algo que parecia um colchão no chão. Ele levantou as minhas mãos e prendeu os meus punhos em correntes, enfim retirando o pano que tampava o meu rosto.
     Quando olhei para ele não acreditei, parecia estar vendo um fantasma, um fantasma do passado. Como aquilo poderia ser real? Ele havia morrido, não poderia estar em minha frente. Seu rosto me enojava e agora ele tinha uma cicatriz de queimadura enorme no lado esquerdo do rosto. Aquilo me arrepiava, ele havia ficado com o rosto deformado.
     - Elena, você não sabe o prazer que é estar de volta. - disse ele.
     Eu ainda estava incrédula, não conseguia responder.
     Suavemente, ele tocou o meu rosto e colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, eu me virei automaticamente.
     - Seu rosto continua perfeito, não ficou nenhuma cicatriz...
     Seus olhos caminharam pelo meu corpo até pararem no meu braço, ele olhou diretamente para ele e o segurou com força para observá-lo.
     - Aqui restaram algumas, mas no seu rosto... não ficou nenhuma marca como lembrança.
     Ele me soltou e depois se levantou. Então eu olhei para o espaço onde estava, parecia uma espécie de cabana na floresta. Era pequena e muito deteriorada, as madeiras pareciam estar partindo. No canto tinha um armário velho e uma mesa, no chão havia mais um colchão e algumas roupas espalhadas. Tudo estava bagunçado, havia restos de embalagens e muita poeira. Deveria ser aqui que Eldon se abrigava, pensei. As paredes estavam sujas e os poucos móveis, quebrados. A escuridão que vinha da janela deixava o recinto mais escuro, se não fosse por uma pequena lâmpada que ficava no meio do cômodo. Ela piscava quase o tempo todo, mas clareava um pouco o ambiente.
     - A verdade, no entanto, é que algumas cicatrizes nunca desaparecem por completo... - ele disse.
     Isso foi mais profundo do que o esperado e me fez refletir sobre as cicatrizes que ele havia me deixado, que não foram apenas na pele.
     Ainda fazia frio, um vento gelado entrava pelas gretas das paredes de madeira. Em cima da mesa também tinha alguns restos de embalagens e ainda alguns jornais rasgados, tudo ainda parecia um pouco recente. Isso estava me deixando assustada. No outro canto tinha uma lareira velha, Eldon remexeu nos gravetos e a acendeu. Eu agradeci por um lado, estava quase congelando de frio. Ele ficou abaixado, mexendo os gravetos com um pedaço de ferro. Isso me deixava com medo, a forma como ele olhava para o fogo, as chamas vermelhas me fizeram lembrar daquela noite.
     - Você não acha engraçado?  - ele perguntou, se levantando. - O fogo é um elemento tão importante, precisamos dele para sobreviver. Se eu não tivesse ele acho que teria morrido de frio nesta cabana. É irônico, não é? O fogo é traiçoeiro, com um mínimo de descuido ele pode te ferir e deixar cicatrizes irreversíveis. Por isso dizem que é melhor não brincar com o fogo, senão acaba se queimando.
     Onde ele estava querendo chegar?
     - O que é isso? História para dormir? - perguntei, chacoalhando as correntes.
     - Não, é só uma observação. - ele olhou para mim. - Sentar aqui e ficar observando o fogo me acalma e me trás lembranças, em você não? Não faz você se lembrar daquela noite em que as chamas se ergueram e começaram a se alastrar pelo porão?
     Fiquei em silêncio.
     - Eu me lembro... - disse ele.
     É claro que eu me lembro, pensei.
     - Mas como? Como você sobreviveu? A casa inteira pegou fogo, não tinha chance de você ter sobrevivido. - eu então me pronunciei.
     - Vocês me deixaram para trás, mas eu sobrevivi, sempre fui o primeiro da turma. - ele balançou os ombros.
     - Era você ou a gente, eu preferi que fosse você. - eu disse, cuspindo as palavras.
     Ele ficou sério, mas logo mudou sua expressão.
     - Isso eu deixo passar, eu também não escolheria vocês. - ele debochou. - Mas sabe, tem umas coisas que eu ainda não superei.
     - Como o quê, por exemplo? - perguntei.
     - Como isso! - ele gritou, apontando para o seu rosto. - Como estas cicatrizes que vocês deixaram em mim.
     Ele se aproximou para que eu olhasse o seu rosto, também me mostrando suas mãos.
     - Vocês fizeram isso comigo! Acabaram com a minha vida. - gritou, seu rosto nojento colado ao meu.
     Eu me encostei o máximo que pude na parede.
     - Isso não é nem a metade do que você merece! - gritei. - Ou você esqueceu do que fez comigo? Do que fez com Dean!
     - Como eu me esqueceria... - ele sorriu e se afastou.
     Eu estava com ódio, não podia controlar a raiva que sentia em minhas veias.
     - Como você fugiu? - perguntei novamente.
     Ele então me respondeu:
     - Depois que vocês me deram às costas o incêndio se alastrou. Eu estava ferido, Dean tinha me esfaqueado, mas mesmo assim eu me levantei e subi as escadas do porão. As chamas já haviam queimado os meus braços e se eu não saísse dali eu morreria. Então eu percebi que teria que atravessar pelo meio do fogo se quisesse sobreviver. Foi quando eu fiquei com o rosto assim. Saí pela porta dos fundos porque a da frente já tinha sido bloqueada pelas chamas. Quando me afastei da casa, BUUM, ela explodiu.

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