O MARKETING POLÍTICO NA ERA DIGITAL, O QUE MUDOU AO LONGO DO TEMPO

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    Estamos no ano eleitoral de 2022 com os pleitos pelo voto direto para presidente da República, governadores e as representações do Congresso Nacional - Senado e Câmara. Uma corrida que já começou onde se mesclam as novas tecnologias com as velhas visando ter sucesso nas urnas. Desde 1996, de forma mais abrangente, o Brasil usa as novas tecnologias da informática nas urnas eletrônicas, cujo pioneirismo aconteceu na cidade de Brusque, SC, em 1989, com a implantação de um cadastro eleitoral informatizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), primeira votação eletrônica válida no país.

   A efetivação deu-se em 1996, ano marco na história da informatização do processo eleitoral brasileiro, quando eleitores de 57 cidades tiveram o primeiro contato com a urna eletrônica. Mais de 32 milhões de brasileiros – um terço do eleitorado da época – foram coletados por cerca de 70 mil urnas eletrônicas. O Brasil substitui o sistema eleitoral que usava velha tecnologias - caneta, papel, voto manual - por um sistema eletrônico mais confiável e moderno.

   Na República Velha (1889/1930) as eleições eram chamadas de "bico-de-pena". Os eleitores votavam de acordo com as vontades dos coronéis em seus currais eleitorais e o voto era aberto e não secreto. Também chamada de "República dos Coronéis" - posto mais elevado na hierarquia da Guarda Nacional - autoridades que indicavam os chefes políticos locais e organizavam as alianças desses chefes com os presidentes dos estados e desses com o presidente da República.

  Nesse ciclo da história brasileira predominaram as práticas eleitorais fraudulentas. Nenhum coronel aceitava perder uma eleição. Os eleitores eram coagidos, comprados, aliciados ou excluídos. Não havia eleição limpa. O voto podia ser fraudado antes da eleição, na hora da votação ou no momento da apuração. Os mesários é que escolhiam os eleitores, atestando o resultado da eleição mediante a elaboração de atas fraudulentas.

  A criação de um aparelho mecanizado para coletar votos era um desejo antigo no país. O primeiro Código Eleitoral, de 1932, previa em seu artigo 57 o "uso das máquinas de votar, regulado oportunamente pelo Tribunal Superior Eleitoral. Entre os fins da República Velha e da Nova aconteceram de tudo incluindo um golpe militar que durou 20 anos (1964/1984), sem eleições pelo voto direto.

  O projeto da urna eletrônica genuinamente brasileira só começou em 1995, quando o TSE formou uma comissão técnica liderada por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) para desenvolver o projeto da "máquina de votar".

  O primeiro nome do equipamento foi Coletor Eletrônico de Votos (CEV). O projeto foi concebido com base em dispositivo capaz de eliminar a intervenção humana dos procedimentos de apuração e totalização dos resultados, bem como de garantir maior segurança e transparência ao processo eleitoral.

  A urna eletrônica - que, quem já votou conhece - combina tela, teclado e CPU numa só máquina, com teclado similar ao de um telefone justamente para possibilitar que o analfabeto e o deficiente visual possam interagir com o novo dispositivo sem dificuldade.

A estreia do novo dispositivo também foi um exercício bem-sucedido de logística: "As urnas foram distribuídas a tempo e modo por aviões da Força Aérea brasileira", recorda o então presidente do TSE, ministro Carlos Velloso, já aposentado.

O voto eletrônico foi uma grande revolução no processo eleitoral brasileiro. Velloso lembra que o antigo sistema de votação em cédulas de papel e de apuração manual, além de ser passível de fraudes, era um processo lento, repleto de erros e com muita suspeição. "Eram eleições que não representavam a legitimidade do voto e a vontade do eleitor. Eleições feitas a bico de pena, com aproveitamento de votos em branco e outras fraudes", destaca.

Nas eleições de 2000, as urnas eletrônicas chegavam a todos os cantos do país, no primeiro pleito totalmente informatizado do Brasil.

Nestas mais de duas décadas de atividade, a urna eletrônica coletou e apurou os votos de milhões de eleitores em 25 eleições gerais e municipais (contando os dois turnos), com segurança e total transparência. No pleito municipal de 2020, mais de 147 milhões de eleitores votaram em mais de 400 mil urnas eletrônicas instaladas em 5.567 municípios, consolidando o Brasil como o país com a maior eleição informatizada do mundo.

  Hoje, está sendo contestada por Bolsonaro, sem argumentos convincentes, a urna eletrônica segue confiável.

  Esse processo de mudanças na maneira de votar também chegou ao marketing político, em 1986, a primeira campanha no país - pós Lei Falcão (que, na TV só mostrava o nome do candidato, o partido e exibia sua foto) que permitiu o uso aberto de falas nos meios de massa - rádio e TV - filmes (tipo comerciais), jingles, gravações em estúdios e externas todos os recursos que existiam na época.

  Tive oportunidade de participar da campanha de Waldir Pires (PMDB), a governador da Bahia, integrando a equipe de jornalismo e marketing - comandando o núcleo de imprensa - e verificar as mudanças que aconteceram, em relação a primeira campanha do próprio Waldir, em 1962, com o uso das novas tecnologias. Em 1962, eu tinha 17 anos de idade e apenas acompanhei o pleito.

  Em 1986, usamos todos os recursos possíveis criados pelas novas tecnologias da época - o teleprompter (teleponto), a maquiagem, o treinamento para TV (a cores) e programas de rádio criativos e críticos - aliados às velhas - folhetos, panfletos, pichações de muros, santinhos, bandeiras e assim por diante.

  Havia uma harmonia entre as duas tecnologias e esta campanha ainda se pautou (e muito) pelos comícios. Waldir chegava a fazer três comícios por noite, no interior, alcançando as madrugadas com as praças cheias. Havia, apenas, um locutor para não deixar as pessoas dormirem e sons eletrônicos.

  Esse casamento comício + TV era importante na medida em que a produção do marketing filmava todas as cenas possíveis dos eventos e transportava algumas dessas imagens para os programas de TV com resultados muito bons devido a sua abrangência.

  A Bahia ainda não era interligada de ponta-a-aponta com sinais de TV, mas, isso funcionava bem nas grandes cidades, especialmente em Salvador e Feira de Santana. Um comício feito em Caculé ou São Desidério - que as pessoas da capital não conheciam - passavam a ser mostrados na televisão e provocava efeito multiplicador na cabeça dos eleitores muito bom.

  A campanha Waldir também adotou a música como algo relacionado a novas tecnologias, diferente da música usada por Juracy Magalhães, em 1958, que só era tocada no rádio e considerado até hoje a melhor letra de jingle da Bahia (Cacau, petróleo, Paulo Afonso/ A riqueza da Bahia/ Tens nas mãos de Juracy/ Toda sua garantia/ Este ilustre brasileiro/ Candidato dos primeiros/ Para a Bahia governar/ Em Juracy Vamos Votar), a música "A Bahia Vai Mudar" (de Waldir) era exibida na TV com vídeo bem elaborado e emocionante.

  Então, se formos fazer uma comparação entre as campanhas de Waldir x Lomanto, em 1962; e Waldyr x Josaphat, em 1986; houve uma mudança significativa no uso das novas tecnologias lembrando a vocês que a peça mais importante ou de maior destaque, em 1962, foi uma foto de Waldir em cartaz preto e branco; e a de Lomanto o jingle (Lomanto a esperança do povo/ É gente nova/ É sangue novo/ Municipalista/ Filho de agricultor/É amigo do pobre/ Irmão, do trabalhador. Lomanto venceu Waldir.

  No Brasil, um marco no marketing e uso das novas tecnologias deu-se na campanha de Fernando Collor de Mello, em 1989, a campanha colorida de um marketing inovador e uma fala firme no combate aos marajás.

  Na Bahia, no entanto, também em 1989, não houve grande avanço ou mudanças significativas ao que tinha acontecido, em 1986, salvo pequenas alterações, ACM vencendo o pleito mais com discurso político em cima de Waldir/Nilo ou de qualquer outra coisa.

  Participei da campanha de Luis Pedro Irujo a governador e a novidade era o uso de cantores famosos para alicerçar os comícios e expor na TV. Isso teve um bom efeito do ponto de vista visual, mas, não resultou em ganhos políticos porque tudo era artificial e o eleitor não é bobo.

  As campanhas políticas no Brasil e Bahia seguiram nesse ritmo pós 1984 (usar as forças das emissoras de rádio, no jornalismo; e da TV na campanha propriamente dita) - participei de campanhas no Tocantins, no Espírito Santo e MG, além da Bahia - com esse diapasão até a década de 2010 quando surgiram as novas tecnologias da internet, a primeira delas mundialmente conhecida, a de Barack Obama, em 2008, então senador do Illinois, candidato democrata e primeiro afro-americano da história a ser eleito presidente dos Estados Unidos, derrotando John McCain e sua candidata a vice Sarah Palin.

  A Campanha de Barack Obama inscreveu-se na história das Campanhas Políticas como uma das mais bem sucedidas, em grande parte devido à utilização da Internet. Recordes históricos de participação foram alcançados, quer ao nível da organização e mobilização dos cidadãos, quer na participação nas ações de campanha online, quer na angariação de fundos e, essencialmente, no momento mais importante de uma campanha eleitoral, no voto.

  Mexeu nas ciências sociais, na política, na sociologia, na psicologia e nas várias disciplinas da Comunicação, pois, se transformaria num fenômeno global. Diz-se que, Obama, um negro só ganhou devido a força da internet. É possível.

A internet evoluiu da Web 1.0 para Web 2.0 em menos de dez anos (1992/2001) como uma plataforma ágil, democrática e acessível a milhões de pessoas com participações diretas e a possibilidade de feedback. O eleitoral passou a opiniar e a ser ouvido e nasceu a "Web Social", mãe das redes sociais. O foco era o indivíduo que se sentiu prestigiado. Até então ele votava mas não interagia.

Após a campanha de Howard Dean, em 2004, que se desenvolveram e estabeleceram novas plataformas como o MySpace, o Facebook, o YouTube, o Flickr, o Twitter, o Digg, o Delicious, o Friendfeed, o Technorati, entre outras, que constituíam uma teia de novas possibilidades de comunicação online, isso permitiu o desenvolvimento da campanha de Barack Obama, em 2008.

"Ao contrário do que se passara em anteriores campanhas, a Internet pode ser positivamente utilizada como suporte de campanha e até de mobilização de interesse, mas se a atividade online não se converter em comportamento efetivo no terreno — como em organização no terreno, doações e em voto eleitoral —, então a campanha não estará a cumprir o seu principal objetivo. Para Lutz, "Obama was the first one to do both [convert his online donors into votes and channel the online fervor into effective ground support], by weaving technology and the Internet into the fabric of his campaign" (Lutz, 2009, p. 3).

Carla Oliveira, em seu mestrado para a ESCS, analisa: - Destacamos, em primeiro lugar, o ambiente favorável ao candidato em termos sociais, como defendia John Wilson (2009) e Don Tapscott (2009), pela identificação da Geração de Obama com o candidato e por ser uma fase em que os "Net Geners" começaram a votar e demonstravam um aumento crescente na sua participação cívica na vida política; em termos económicos e políticos, porque os cidadãos responsabilizavam a administração do então Presidente George W. Bush pela situação de crise económica e pelo descontentamento político em que se encontravam.

  No Brasil, as inovações sempre chegam com atraso (salvo, a urna eletrônica) e a campanha que impactou com a internet foi a Jair Bolsonaro, 2018 (10 anos depois da de Obama) que, além da política usou a robótica à larga. Não foi apenas a robótica, mas, adicione a isso o desejo da população em derrotar o petismo sindicalista e corrupto. Esse casamento deu liga. Alguns analistas aliam a esses dois pontos, a facada em Bolsonaro, que teria comovido o eleitorado. É provável. O que ajudou na eleição de Bolsonaro, de fato, foi o uso da internet com intensivos nas redes sociais.

  Na Bahia, o que percebemos desde a primeira década do ano 2000 é que, houve avanços apenas pontuais no uso das novas tecnologias da internet, mas, a influência junto ao eleitorado foi pequena, tanto nas eleições de Jaques Wagner, em 2006 (vencida mais no desejo de mudança do que no uso da internet com a mesma estratégia de Waldir cooptando valores políticos da força adversária) e na sua reeleição, em 2010 (uma continuidade); e também na de Rui Costa (a primeira contra Paulo Souto, em 2014; e a segunda contra José Ronaldo, em 2018); como nas eleições para prefeito de Salvador, com ACM Neto ganhando duas eleições (2012/2016) e fazendo o sucessor.

O que vimos foi uma predominância do meio TV (ainda superior ao da internet) e ações políticas. Neto trabalhou a internet e os grupos de multiplicadores. Há de se dizer que, quem ganha campanha política é a política; e não o marketing político em si, isolado. Na verdade, é o casamento dos dois, a união bem organizada de ambos, e mais o uso das novas tecnologias associadas com as velhas. Hoje, mais as novas do que as velhas.

O que estamos vendo, na atualidade, é que os comícios que foram relevantes até a década de 1990 perderam força quase total, salvo para servir de plataforma a TV e a internet; e mais vale comerciais na TV e na internet mostrando a aliança de dois candidatos do que grandes comícios, muito dos quais eram artificiais e ainda são. As caminhadas com bandeiras ainda deverão prevalecer em elguns eventos, mais como suportes para a internet e TV - do que, para efeito da campanha em si. E os abraços a crianças ficaram complemente 'demodées' salvo para fotos.

  O eleitor será seduzido pela internet, mas, muito políticos imaginam que estão no caminho certo só usando a internet, sobretudo as redes sociais, mas, isso é um fiasco. Tem que fazer o balanceamento. Hoje, alguns políticos não têm assessores de imprensa - o que é um erro. O meio impresso caiu demais, mas, o assessor de imprensa pode atuar em outros meios, o que o candidato sozinho não conseguirá.

  Argui-se, atualmente, que é melhor ter um 'web-desing' do que um assessor de imprensa, mas, se puder aliar os dois é o melhor. O trabalho é de longo prazo e empurrar nome de última hora somente se valendo da força da Web-2, como aconteceu com a major Denice Santiago, em 2020, para prefeito de Salvador, não dá certo, como não deu.

  Neto, por exemplo, está colhendo frutos das ações lançadas na internet que implantou quando era prefeito de Salvador. Isso facilita bastante a difusão de suas ideias. O mesmo pode se dizer de Rui Costa, outro político baiano que alicerçou essa trilha. Wagner, não cuidou tanto quanto deveria; e Otto Alencar, menos ainda. Esse tipo de ação para quem já tem base política estruturada da boa liga. E votos nas urnas.

   Na campanha presidencial, Bolsonaro, desta feita vai enfrentar o petismo, com Lula, mais organizado politicamente e na Web 2. Em 2018, deu um passeio em Haddad, usando a robótica e outros mecanismos da internet. Agora, o PT aprendeu e já está nivelado Lula x Bolsonaro. Moro, dada a visibilidade que teve na Lava Jato também está bem situado neste contexto. E Ciro contratou José Santana para melhorar sua performance.

  As campanhas de 2022, portanto, serão, sem dúvida, uma guerra na internet (de forma prioritária) - sem esquecer a TV, as entrevistas de rádio e outras ações, em especial, no campo da política. A chave continua sendo aliar as novas tecnologias com as velhas, dosando-as. Pichar muros como faziam os velhos comunistas brasis não servem mais para nada.

A Cadeira e o Algoritmo -  A Convivência Entre as Velhas e Novas TecnologiasOnde histórias criam vida. Descubra agora