Inclinei o corpo para trás, deixando minha mão buscar pela bolsa presa a sela do cavalo, enquanto Deimos ainda caminhava afundando seus cascos escuros na neve branca. Era um contraste interessante, ele e eu, a maneira que minha alma escura se misturava com a dele... Um animal, que de certa forma, parecia carregar a mesma alma.
Da bolsa de couro, encontrei uma maçã que trouxe para as provisórias de alimento, quando levei até a boca, dei uma mordida generosa para tentar aplacar o desconforto no estômago. O líquido doce escorreu para minha língua, dançando seu bom gosto na minha boca, abri a boca novamente pronta para provar ainda mais, porém, Deimos parou sua caminhada, bufando enquanto me olhava pelo canto dos olhos.
— O que foi? — Perguntei, sem esperar resposta.
Ele por outro lado, bufou uma bruma branca que se espalhou no ar, batendo a bata no chão e relinchando como resmungo.
— Você quer a maçã? — Balancei a fruta no ar, ri levemente vendo ele acompanhar o movimento com os olhos. — Nos conhecemos há poucas horas e já se tornou abusado.
Me abaixei, deixando que ele tomasse toda a maçã que mal comi, e enquanto Deimos saboreava aquela deliciosa fruta, me virei para trás, olhando por cima dos ombros, dessa vez observando o corpo de Tomas.
Os braços amarrados e arroxeados, suas pernas esticadas pareciam logo quebradas, e sua pele antes tão atraente, estava cheia de palidez que nunca pude testemunhar, a boca estava fechada e os olhos abertos. Ele morreu no frio, no fim, seus olhos carregavam dor. Por horas, o gelo preencheu seu corpo, a frieza corrompendo sua carne, queimando a pele, por uma eternidade seus pulmões devem ter sentido a sensação de estacas de gelo, tudo isso junto do sentimento de se sentir incapaz, fraco para salvar a própria vida.
Uma minúscula parte da minha mente se revirava por isso, foi eu. Eu o dei esse doloroso sofrimento, tirei a vida de Tomas Mandrey, não rápido, não indolor, foi demorado e tudo tão perfeitamente planejado.
Desviei o olhar, me apoiando em Deimos para descer, um gemido fraco de dor saiu de mim quando minha perna tocou o chão, mas logo eu estava caminhando até o corpo morto. Me abaixei, cortando a corda que segurava suas pernas, logo as deixando cair no chão.
Um segundo, e logo um minuto. Eu o olhei durante esse tempo, vendo mais de perto o que causei em seu corpo; sangue marcava tudo, o vermelho era uma tinta sangrenta que desenhava a pele dele.
— Se existir um lugar de paz depois da morte... — Murmurei olhando fundo dentro daquele olhar morto, antes de me levantar, eu continuei: — Espero que você nunca mereça ir para essa paz.
Enrolei a corda ao redor do braço e logo puxei Deimos para uma distância considerável daquele ambiente desconfortável, estávamos longe um pouco e eu ainda precisava andar para melhorar a mobilidade da minha perna. Porém, Deimos parou junto de mim, o cavalo atento olhou para uma direção, voltei meus olhos para o mesmo lugar, deixando meus ouvidos atentos para o que viria.
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A Quarta Archeron | ᵃᶻʳⁱᵉˡ
FanfictionNo passado, eu fui um bebê abandonado no inverno mais violento das Terras Humanas, colocada em um cesto em frente a casa Archeron. A primeira irmã e a primeira filha, cada uma eu vi nascer e com o tempo aprendi a proteger. Com a morte da senhora Ar...