Capítulo 11

2.8K 426 37
                                    


Abaixei meu arco, a flecha ainda segura entre meus dedos calejados enquanto encarei a figura na minha frente com um sentimento desconhecido. Pelo menos tinha coragem naquele pequeno corpo que me desafiou.

— E-eu, quero o sa-saco de moe-moedas... — A garotinha engoliu em seco enquanto gaguejava.

O material que usava tremia violentamente em suas mãos pequenas de criança, o arco feito de qualquer pedaço de tronco da floresta, com a lâmina que mais parecia uma pedra nada afiada apontada para meu rosto. A menina tinha semelhança com o pequeno atrás de mim, a mesma pele e as mesmas bochechas rosadas, sobrancelhas escuras e nariz pequenos que tremiam como o de um coelho assustado, o cabelo era uma escuridão de carvalho castanho e os olhos uma mistura de chocolate com mel.

Mas, a aparência bonita não era interessante, não quando prestei atenção nas palavras tolas.

— O que disse? — Perguntei lentamente.

A garotinha olhou para além do meu corpo engolindo em seco enquanto observava seu irmão encarar o sangue em choque, da mesma maneira que ela encarava.

— Eu disse. — A jovem respirou fundo, contendo seu tremor. — Que eu quero, o saco de moedas.

Minha cabeça se balançou lentamente quando uma gargalhada oscilante saiu da minha boca; perversa, divertida. Porém, não tive tempo de continuar, quando senti um peso considerável em minhas costas, o peso repentino estalou a dor em minha perna a fazendo falhar se dobrar, braços curtos se agarravam ao meu pescoço, e pernas infantis chutavam qualquer parte livre do meu corpo. Eu grunhi como um animal raivoso quando senti pequenas mãos no meu cinto, me balancei o suficiente para fazer o garoto chutar a própria irmã.

Com isso, levantei os braços, agarrando o casaco em farrapos daquele garoto, o puxando como se fosse um carrapato nojento, jogando seu corpo atrevido por cima da minha cabeça, até que ele não era mais nada do que um pequeno jogado na neve. O relincho de Deimos foi alto quando ele se aproximou da jovem valente e levantou as patas traseiras, segundos depois ela estava com o rosto enfiado no chão. E sua arma, aquela que minutos atrás ela usou para tentar me roubar, estava partida no chão.

Meu rosto se transformou em uma careta quando reformulei minha postura, segurando o lado esquerdo das minhas costelas. A dor do meu quadril queimava por todos os lados.

— Vocês... Malditas pestinhas dos infernos. — Grunhi com raiva. — Vocês tentaram me roubar.

O garoto arregalou os olhos se colocando de joelhos, apontando acusatoriamente para sua irmã que recuperava o fôlego.

— A ideia foi dela! — Gritou com sua voz aguda de criança. — Não me mate, por favor.

— Não pretendo matar você... — Murmurei com uma carranca severa.

O menino suspirou aliviado, passando a mão na testa limpando suor que nem existia, ele olhou para sua irmã pelo canto dos olhos, a garotinha se mantinha deitada, agora com as costas viradas para o chão, encarando o céu com o fôlego preso. Deimos deve ter a machucado, um coice desse enorme cavalo em uma pequena garota... Não, balancei a cabeça, a garota tentou me roubar, essas duas pestes tentaram mesmo depois da minha tentativa sangrenta de ajudá-los.

Porém, quando olhei para o olhar apagado dela no céu, vi que existia algo que eu bem me lembrava; fome, tristeza e decepção.

— Demônios com rosto de anjos. — Fui até Deimos.

Peguei a bolsa de viagem, tirando uma quantia da carne seca que preparei para o trajeto, sabendo que seria difícil ter mais do que isso mais profundamente na floresta, nessa época tão precária do frio, peguei o cantil de água e também duas maçãs que Deimos não virá, já que se interessava na grama que se salvou da neve.

Me controlando para não estapear as crianças e não mancar, fui até o garoto, ele me olhou com um brilho de culpa quando o entreguei,não mudei minha feição diante disso, ele abaixou o olhar para o chão, joguei ao lado da garota a mesma quantidade. No fundo me sentindo mal por não ter muito, mas, se eu pegasse mais do que isso, provavelmente passaria fome.

Ambos começaram a comer a carne seca com fervor, enquanto fiquei de pé segurando o cantil, estendi para a menina, que o pegou com um aceno tímido.

— Por que? — Foi a única coisa que perguntei.

Ela passou o cantil para o irmão e se virou olhando meu rosto.

— Estavamos com fome — sussurrou limpando o canto dos lábios.

— Por isso tiveram a brilhante ideia de se aproximar de homens bêbados e loucos? — ergui os braços com raiva.

O garoto olhou para sua irmã, os olhos arregalados em medo.

— Tinhamos tudo sobre controle.

Assenti lentamente enquanto observava, meus olhos atentos como os de um lobo que poderia farejar suas mentiras, mas no momento, eu realmente não percebi nada.

— Qual é o nome de vocês?

— Gregory — o menino foi rápido em responder.

— Sou Greta — a menina disse parecendo não ter opções, ela continuou: — E o seu?

Virei de costas, indo até Deimos sem dar uma única resposta, peguei mais um pouco do que trouxe para minha viagem. Eu sabia que poderia sobreviver há algum tempo com fome, mas essas crianças tolas talvez não. 

— Não importa. — Entreguei para ambos. — Fiquem com isso, espero que seja o suficiente para não se meterem em confusão de novo.

Não os dei nenhuma oportunidade de falar, rapidamente montei nas costas de Deimos para partir, porém, antes de ir, um frio congelante atravessou as frestas da minha capa. Olhando para as crianças, percebi que eles não tinham nada mais do que roupas de inverno, com os lábios franzidos, retirei e entreguei para Greta.

— Se cuidem.

Ela acenou, então eu parti. E esperava realmente não ver mais essas crianças, eu esperava...

A Quarta Archeron | ᵃᶻʳⁱᵉˡWhere stories live. Discover now