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Yasmin: quinta feira, dia trinta de novembro de dois mil e vinte e três; por volta de meio dia.

Eu estava atrasada, tinha tido uma manhã de muito trabalho na defensoria e quando cheguei em casa pra trocar de roupa pro almoço com o meu pai (que estranho dizer isso) eu ainda passei uma hora sem saber que roupa vestir. Um dos terninhos do escritório e ele ia achar que eu pensei que era uma reunião, uma roupa despojada e ele ia achar que eu sou uma criança, uma roupa jeans curta e ele pode ter impressões idiotas. Será que ele é machista?

Várias vezes eu senti que Gabriel queria me dizer que eu devia não me preocupar com isso, que se fosse pra ele me amar ele não ia me amar pela minha roupa, mas ele estava sendo respeitoso demais pra fazer qualquer comentário. Depois, mais uma hora pra decidir se eu devia levar a Sarah ou não. Cheguei a pensar: e se ele não gostar de criança? Mas foi aí que veio o meu maior foda-se da história, porque essa é a minha tão amada filha e se ele não gostar dela o azar é totalmente dele.

"Oi, boa tarde. Desculpa o atraso." - Eu disse, me aproximando da mesa dele com um sorriso. O Ricardo, ou o meu pai, sei lá, ficou em pé com um sorriso fraco enquanto dizia que não tinha problema. - "Moço, trás uma cadeirinha de criança por favor?" - Pedi pro garçom, e me sentei com Sarah no colo enquanto a cadeira não chegava.

"Então... Yasmin. Como você está?" - Iniciou.

"Muito bem." - Respondi, honesta. Muito bem mesmo, não tinha uma época na minha vida em que eu estivesse estado tão bem quanto atualmente.

"Que bom, fico feliz." - Assentiu e olhou de leve pra Sarah, que eu estava colocando na cadeira que chegou. Perguntei como ele estava também e ele disse: - "Também estou bem."

"Então, você disse que queria conversar comigo..." - Dei a deixa, eu estava me roendo de curiosidade e ansiedade, tinha passado várias vezes na minha vida imaginando esse momento.

"Sim. Sim." - Ele disse, assentindo, mas não começou o assunto. Chamou o garçom com a mão, e pediu os cardápios. - "Você quer beber o quê?" - Fiquei passando os olhos na seção de bebidas.

Gabriel: no mesmo dia horas mais tarde

"Isso no és almoço não. Eres xanta, lanche, café da maniã, mas não és almoço." - Arrasca reclamou, enumerando as refeições nos dedos, e me arrancando uma risada fraca. Já se passaram das quatro da tarde e a Yasmin não chegou ainda.

"Ô tia, eu duvido você mostrar uma foto do seu namorado pro Arrasca." - Eu zoei, pra quebrar o clima. Tia Nice ficou da cor de um tomate e o Arrasca foi fechando a cara.

"No tiene novio coisa nenhuma, tia. Nada. No no no." - Ele negou com a cabeça, olhando pra ela, que cruzou os braços.

"Agora pronto, Arraxca. Você passa o rodo no Rio de Janeiro e eu não posso viver a minha vida?!"

"Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa." - Eu me meti, rindo, e tia jogou uma almofada em mim.

"Tu eres como mi mamá, no aceito." - Arrasca continuou dizendo, mas dessa vez tia Nice deu um sorriso só porque ele comparou ela com a mãe dele.

"Ih, tá conquistando a veia." - Eu disse, indo abrir a porta pela milésima vez pra ver se Yasmin já tá vindo do elevador. Dito e certo, lá vinha ela com a Sarah correndo na sua frente.

"Papaiiii!!!" - Deu um gritinho e eu fui encontrar a minha pequena, pegando ela no colo e dando um beijo nessa bochecha gorduxa. - "Amor." - Abri um sorriso. Esses dias ela adicionou mais essa palavra ao vocabulário...

"Oi paixão do papai! Amor da minha vida. Você gostou do passeio?" - Perguntei e ela fez que não com a cabeça, aí eu dei uma gargalhada.

"Essa fase do não não passa mais." - Yasmin reclamou, se aproximando. Se inclinou pra me dar um selinho e disse: - "Oi, meu amor."

"Talvez não seja a fase do não, talvez ela não tenha gostado mesmo." - Eu disse rindo e Yasmin fechou a cara, me retratei na mesma hora. - "Brincadeira. E aí, como foi lá?" - Ela não me respondeu, foi entrando pro apartamento e tirando os saltos.

"Palhaçada, viu? Eu sou a sua filha de sangue e o filho favorito é o Arrascaeta." - Ela disse, vendo tia Nice abraçar Arrasca.

"E aí, como foi?" - Foi o uruguaio que perguntou. Yasmin fez com a cabeça que depois contava, provavelmente por causa da minha sogra. Tive que esperar longos minutos, brincar muito com a Sarah até a Yasmin vir me contar.

"Amor, vim te contar como foi." - Ela disse entrando no quarto da Sarah, onde eu tô terminando de vestir o pijama dela depois de dar banho. Dei um sorriso e fiz que sim com a cabeça, fazendo sinal pra ela contar. - "Primeiro foi meio estranho, mas depois a gente conversou e tal. Ele contou que tem um escritório de contabilidade na zona sul, eu contei que me formei e passei num concurso de primeira, que trabalho na Defensoria Pública. Aí eu disse que tive a Sarah ano passado, e ele me contou que tem dois filhos mais novos que eu que moram com ele." - Eu desviei o olhar da fralda da Sarah, erguendo os olhos pra Yasmin. Ele tinha tido a petulância de falar que cria irmãos dela pra ela se não criou ela ou eu tô vendo problemas demais?

"Ah sim. Mas... E o resto, como foi?" - Perguntei baixo e devagar, concentrado em ser calmo e tentando ao mesmo tempo fazer a Sarah parar quieta pra eu poder passar perfume nela.

"Foi até que bem, sabe? Ele no começo tava bem na dele, mas depois me pediu um abraço e tudo. Perguntou de você, sabia?" - Contou, abrindo um sorriso de orelha a orelha, mas eu só dei um sorrisinho fraco em resposta. Yasmin me deu um selinho, beijou o rosto de Sarah e saiu do quarto.

Yasmin: dias depois; sábado: dois de dezembro de dois mil e vinte e três; meio da tarde.

"Oi!" - Eu disse, animada, assim que coloquei meus olhos no Ricardo. Ele tinha me ligado e eu estava super feliz, de repente meu pai tinha me chamado pra vir ao cinema! Fui direto abraçar ele, que não respondeu de imediato mas me abraçou.

Talvez, assim como eu, só esteja se adaptando a isso.

"Oi, Yasmin." - Ele disse, e depois começou a olhar pra atrás de mim. Eu pensei que ele ia perguntar sobre a Sarah, mas na verdade perguntou: - "E o Gabriel, tá aonde?"

Dei de ombros, entrando na fila pra comprar ingressos. - "Ah, essa reta final do Brasileirão tá uma loucura né?! Se o Palmeiras não perder nada, vamos ter mais um vice pra conta e se o Galo ganhar alguma coisa a gente perde até o vice." - Eu contei meio rindo de nervoso, o clima estava tenso no Flamengo. - "Aí ele tá se dedicando demais, sabe? Botando debaixo do braço mesmo pra dar essa título aí pra nação."

Meu pai assentiu e disse: - "Ele tem uma boa influência no clube, né?" - Eu respondi dando de ombros.

"Você prefere sentar lá em cima ou aqui pro meio?" - Perguntei mostrando o plano de assentos que passava na TV. Meu pai olhou pra cima e coçou a nuca impaciente, depois pegou o celular e disse:

"Eita, minha filha, desculpa mas eu vou ter que furar com você. Desculpa mesmo, eu esqueci total que eu tinha um compromisso." - Se explicou e eu comecei a juntar as sobrancelhas, mas aí ele me abraçou apertado, deu um beijo na testa que eu nunca tinha ganhado e foi embora.

"Boa tarde! Quantos ingressos pra que filme?" - A moça perguntou e eu ainda estava atordoada.

"An..." - Olhei pra direção por onde ele saiu e batuquei meus dedos na bancada. - "Nenhum." - Suspirei pesado.

Procuro Alguém - GabigolOnde as histórias ganham vida. Descobre agora