Prólogo - (Atualizado)

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   Na grande e escura floresta, no ápice da noite e abaixo da luz emitida pela lua, galhos são amassados e alguns animais fogem assustados, com o barulho que o garoto fazia ao correr. Talvez os deuses até desejassem que ele estivesse correndo por diversão, ou apenas por causa de uma caça esportiva, mas nem mesmo seus piores sonhos se encaixariam com aquela situação.

  O garoto, que já estava cheio de arranhões e cortes pelo corpo causados por plantas espinhosas que atravessou no desespero, estava sendo perseguido por algo do qual não conseguia escapar, não importava o quanto suas pernas se esforçassem.

  Apesar de estar sendo caçado, o garoto não podia sequer imaginar qual seria o motivo daquilo tudo, e mesmo que desejasse um descanso ou apenas um minuto de paz, os sons pesados que o acompanhavam mata adentro, estavam se aproximando rapidamente, junto do fim de seus dias vivos.

  “Por quê? Por que isso está acontecendo comigo?”

  O medo que sentia se misturou com o desespero inquietante de sua mente, e fez surgir lágrimas em seus olhos que embaçaram a visão já turva pela falta de fôlego de tanto correr.

  Talvez por causa do cansaço extremo que sentia, ou até mesmo por causa das lágrimas que atrapalhavam a vista, o pé direito do garoto enganchou embaixo uma raiz rígida, o que fez com que perdesse seu equilíbrio e caísse apoiado no tronco de uma árvore velha e seca.

  A força do impacto fez com que perdesse os sentidos por alguns segundos, e ele voltou a si quando gritos de kouks (corujas) começaram a surgir, inundando toda a floresta com aquele som infernal.

  — Parem...

  Se levantando da queda, o garoto começou a implorar para os animais, mas até o ar parecia ignorá-lo o deixando com dificuldade para respirar.

  — Por favor... Parem... Façam silêncio...

  Sua súplica só tornou os barulhos ainda mais altos, e a floresta escura se transformou em um lugar sombrio quando as nuvens cobriram a lua prateada no céu.

  — ME DEIXEM EM PAZ!

  Desesperado, o garoto usou suas últimas forças para gritar em direção a todos aqueles sons e, como se pela primeira vez algum deus o estivesse ajudando, toda a floresta se calou, deixando apenas um silêncio aterrador para trás.

  Aliviado com o primeiro sucesso naquela noite, o garoto permitiu que seu corpo cansado desabasse, sentando-se em uma das raízes expostas daquela velha árvore, ao mesmo tempo que se esquecia da ameaça que o atormentava.

  — Então no fim, retornamos de volta para esse mesmo lugar?!

  Uma voz grossa que se tornava assustadora graças ao eco no silêncio, surgiu à frente do garoto, o relembrando da real situação em que se encontrava.

  — Mas mesmo que esse lugar seja importante, você não se lembra, não é mesmo Thanatos?

  — Esse não é meu nome!

  O garoto respondeu para voz, esperançoso que tudo aquilo não passasse de um triste engano.

  — Oh, me desculpe, eu acabei por esquecer desse pequeno detalhe! Nessa vida você não atende por esse nome, me perdoe!

  A voz parecia levemente triste, e mesmo que o tom não mudasse nem um pouco, o garoto podia perceber o sentimento.

  — Como assim? Tem certeza de que não está me confundindo com outra pessoa?

  O garoto olhava em volta enquanto forçava sua visão, tentando enxergar a figura que estava conversando com ele.

  — Como eu poderia me enganar, Thanatos? Não importa qual seja seu nome ou sua aparência e até em uma época diferente, eu sempre me lembrarei desse seu olhar desesperado!

  Acompanhando a voz misteriosa, dois brilhos avermelhados surgiram em meio a escuridão da noite, mostrando para o garoto que algo sombrio o encarava fixamente.

  — Quem... quem é você?

  O garoto estava desesperado, e mal conseguia fazer sua voz soar alta enquanto tentava se levantar, sem tirar o olho daquele vermelho brilhante.

  — Por que, Thanatos? Por que todas as vezes você se esquece de mim? Venha, dessa vez eu vou te ajudar a se lembrar!

  A voz lamentou pelo fato que segundo ela, sempre se repetia, ao mesmo tempo que uma mão bastante humana saiu da escuridão, deixando a impressão de que o garoto devia pegá-la.

  — Não! Por favor, só me deixe em paz!

  O garoto deixou algumas lágrimas escorrerem de seus olhos enquanto as palavras saíam de sua boca, e à medida que finalmente se colocou de pé, começou a correr novamente.

  — Por quê? – a mão retornou para a escuridão, deixando apenas os brilhos vermelhos visíveis – POR QUE VOCÊ SEMPRE DEIXA TUDO MAIS COMPLICADO?

  Dessa vez a voz gritou tão alto, que o silêncio da floresta foi quebrado pelos ecos assustadores daquela frase.

  Enquanto corria com um pouco de dificuldade, o garoto podia sentir um enorme tremor, como se um animal enorme estivesse correndo atrás dele, e quando virou-se para procurar o que estava causando aquilo, a única coisa que pôde ver foram os brilhos vermelhos parados no mesmo no lugar, que ainda o encaravam.

  Ele então voltou a prestar atenção ao caminho cheio de obstáculos pelo qual corria, mas antes que pudesse dar mais que três passos, um calor enorme atravessou pela sua perna direita, fazendo com que desabasse novamente.

  Uma flecha com o corpo de madeira escura e uma ponta de pedra bem afiada, perfurou a carne do garoto, transformando o chão abaixo dele em uma pequena poça escarlate.

  — Oh, Thanatos, me perdoe! Por favor, me perdoe!

  A voz suplicava em um tom desesperado, e à medida que as palavras surgiam do mais profundo nada, a escuridão em que os dois brilhos estavam se aproximou ainda mais do garoto, assim como se uma parede estivesse sendo movida por alguém.

  — Me perdoe, mas você não me deixou escolhas, Thanatos!

  Além da dor absurda, o ferimento deixou uma sensação de ardência como se cada pedaço da carne cortada estivesse sendo queimado com brasas acesas. A ardência passou rápido, mas logo em seguida a perna do garoto ficou dormente, sendo o efeito de um veneno que foi preparado antecipadamente sob a ponta da flecha.

  — Por que eu tenho que passar por isso?

  Enquanto tentava arrancar a flecha de sua perna, frases sussurradas cheias de desespero saíram da boca do garoto, juntamente de mais lágrimas que escorriam por seu rosto.

  — Isso é mesmo culpa minha? Se eles não tivessem me jogado aqui, talvez tudo fosse diferente! Que merda, por que tinha que ser logo eu?

  — Pequeno Thanatos, eu tenho tanta pena de você! – a voz possuía um tom amigável. - Você tem raiva do mundo lá fora, certo? Foi ele que te trouxe até aqui, esse mundo infectado por um vírus que consome tudo e todos! Se você quiser, eu posso te ajudar!

  Aquela mão humana voltou a sair da sombra, se estendendo para o garoto caído no chão.

  — Por favor, venha comigo, e me ajude a consertar esse mundo, para que nós dois possamos descansar sem medo!

  — Então, você não vai me matar?

  — Eu não quero matá-lo!

  — Quem você quer matar?

  — Eu preciso matar apenas os que são incompletos!

  — Quantos?

  — Todos que existirem!

  — Tudo bem, eu vou com você.

  O garoto esticou o braço agarrando assim aquela mão que, para sua surpresa, era muito mais forte do que parecia e o levantou com facilidade.

  — Mas, antes, por que você me escolheu?

  — Eu não te escolhi, Thanatos! Foi você quem me escolheu a muito tempo atrás!

  — Isso deve ser muito difícil pra você, então me perdoe por isso!

  Enquanto era levantado por aquela mão, o garoto arrancou a flecha de sua perna com a outra mão, e usando de toda a sua força disponível por causa do cansaço, cravou ela em um dos brilhos que o encarava.

  A flecha logo começou a respingar um líquido grosso de cor vermelho-alaranjado que lembrava muito ferrugem. Apesar do ferimento, aquela mão não soltou o garoto. Muito pelo contrário do que se esperava, outra mão surgiu, dessa vez ainda mais monstruosa que a outra e com uma força esmagadora, agarrou o pescoço do garoto, o sufocando pouco a pouco.

  — Eu tentei, Thanatos, eu juro que tentei, mas, por quê? Por que você também foi corrompido?

  A voz que antes era amigável, começou a crescer em um alto eco, como se estivesse vindo do fundo de uma caverna, logo substituindo todo ruído da floresta por apenas as suas palavras aterradoras.

  — Eu não queria que fosse assim, mas novamente você se perdeu! Eu já cansei, Thanatos! Por que você não me deixa descansar?

  — Eu... nem sei... quem você é! – suas palavras saíam com grande dificuldade, esgotando mais rápido seu fôlego.

  — Não se preocupe! Houve uma época em que você sabia, e haverá um dia em que saberá novamente! Só espero que na próxima vida você não esteja corrompido, Thanatos!

  Conforme a pressão no pescoço do garoto aumentava, a mão humana voltou para a sombra, tirando um machado feito com a mesma madeira da flecha e uma lâmina prateada como uma névoa da madrugada.

  Com a intenção de precisar utilizar apenas um único golpe, a lâmina do machado entrou para dentro da escuridão, deixando somente uma parte do cabo aparente como se estivesse pegando impulso, e acompanhando seu movimento a voz começou a recitar frases em uma versão mais antiga da língua que o garoto conhecia.

  — Aftó Pou Zei Proérchetai, Apó Aftó Pou Péthane!
( Tudo aquilo que vive, provém daquilo que morreu. )

  O garoto foi solto, caindo ajoelhado no chão, e antes de dar seu suspiro, pôde ouvir aquela voz novamente, acompanhada do som do machado decepando sua cabeça.

  — Até breve, Thanatos! Nos encontraremos na próxima vida!

Fragmentos Da MorteWhere stories live. Discover now