Uma luz e uma sombra

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  _ Será que alguém ainda pode me ouvir? Honestamente, nem sei porque eu tô me preocupando com isso! Quando eu estiver no fundo desse abismo, ninguém vai conseguir me escutar mesmo!

  Na beira de um penhasco, sentado por sobre a última pedra que podia ser alcançada naquele desfiladeiro, um garoto ansiava por descobrir o que encontraria no fundo escuro que observava.

  Esse garoto que possuí uma aparência comum e nome comum, foi “abençoado” com uma vida que não se igualava as suas características. Por mais que ainda não tivesse completado a sua maioridade, já havia presenciado cenas que o faziam vomitar só de pensar.

  _ Mãe... Me desculpe, mas, minhas forças acabaram... já faz algum tempo...

  Enquanto fitava o azul limpo do céu, o garoto lembrou do sorriso de sua mãe. Aquele sorriso que sempre o alegrava quando estava triste. Se lembrou do abraço caloroso que só ela possuía, e que o levava para um mundo no qual estava sempre protegido. Se lembrou do cafuné que sempre recebia ao deitar em seu colo, mesmo quando o fazia apenas para chorar.

  O garoto sorriu com as lembranças felizes que passavam em sua mente, mas, chorou mais uma vez, quando estas foram sobrepostas por pesadelos aos quais ele viveu pessoalmente.

  Sua mãe, que sempre sorria e cantava, agora aparecia em suas memórias como um cadáver frio e silencioso, jogado no chão de sua casa, após ter sido abusada e morta em sua frente.

  _ Mãe... porque... por que eu tive que te perder?

  Na época, ele mal tinha 13 primaveras de vida, mas ainda se lembrava dos gritos de dor dela e das risadas do homem que havia feito aquilo tudo, enquanto ele estava amarrado  em uma cadeira. O garoto também gritou, pedindo para que o homem parasse, mas este não o escutava. Gritou pedindo ajuda aos vizinhos, mas estes não estavam em casa. Gritou pedindo ajuda aos deuses, mas estes não sabiam de sua miserável existência. Sua voz era insuficiente e suas opções, limitadas.

  _ Pai... por quê?

  O homem que havia causado toda aquela dor, infelizmente, também era aquele que o garoto chamava de pai. Seu pai, bêbado e mergulhado em alucinógenos, havia forçado a sua mãe a fazer sexo em frente ao seu pequeno filho, e a matou, após ela continuar se recusando a satisfazê-lo. O garoto, ao ver o corpo pesado de sua mãe cair no chão, ensanguentado e sem vida, entrou em estado de choque, aonde sua mente estava vazia e seus pensamentos incoerentes. Talvez esse estado tenha sido algo bom, já que graças a isso, o garoto mal sentiu a dor do punho pesado de seu pai, acertado sem rosto várias vezes seguidas.

  _ Não foi minha culpa... não foi minha culpa... não foi minha culpa...

  A morte de sua mãe foi descoberta rápida, mas, o homem que havia tirado sua vida, saiu totalmente impune, já que a casa do garoto havia sido invadida dias antes, ocasião que o pai dele usou como álibi para si mesmo.

  O garoto quis contar a verdade, mas seu pai o impediu, usando de violência e ameaças, para que ele se mantivesse em silêncio. E assim o tempo se passou, e por mais um ano, o garoto foi espancado todos os dias, sem ao menos poder se defender da maneira correta.

  _ Ela... apenas ela me ajudou... então por que ela também se foi?

  No dia de seu aniversário, no qual completara 14 anos, uma amiga próxima, a única que de verdade gostava dele, o forçou a explicar o motivo de todos aqueles machucados, aos quais ele sempre dava uma desculpa não muito convincente. O garoto resistiu, mas acabou cedendo aos apelos da garota e contou tudo o que havia acontecido no último ano, desde a morte de sua mãe.

  Ela queria ajudá-lo, e ele tentou a impedir.

  Ela queria denunciar o verdadeiro criminoso, e ele queria viver mais alguns anos.

Fragmentos Da MorteWhere stories live. Discover now