Lembranças - Parte 1

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  Depois do “incidente” na tentativa de fuga, Diaz fora escoltado novamente para dentro da prisão, abaixo daquele imenso e belo prédio. Curiosamente, assim que desceu as escadas, e aquela porta pela qual saiu carregado foi aberta, Diaz teve uma surpresa ao ver, poucos metros à sua frente, a cela na qual ele havia sido preso da primeira vez.
  _ Nem precisa perguntar. – Fenrir notou a expressão de surpresa em Diaz, e se adiantou para explicar – Não existe muito o que se falar sobre esse corredor, mas, esse é um efeito da benção da Hêstia. Ela concordou em nos ajudar enquanto paga por seus crimes, contanto que ninguém tente a torturar.
  _ Mas, como que isso é possível?
  _ Você vai ter que perguntar para ela! A única coisa que eu sei é que, todo mundo pode entrar, mas, poucos podem sair.
  _ Assustador... – Enquanto caminhava, Diaz teve um leve arrepio, ao sentir que alguém o estava observando – O que você acha do Vênus?
  Os dois entraram sozinhos no corredor da prisão, enquanto os ásters e seus respectivos guardas ficaram no andar de cima, conversando e combinando mais detalhes sobre o plano deles.
  _ Ele é bastante forte, mas, infelizmente, muito irritante.
  _ Você acha que ele iria realmente me matar?
  _ Não sei, mas, ele teria que tirar a minha vida junto.
  _ Pelo olhar que eu tive de encarar, tenho certeza que ele faria isso sem hesitar.
  _ Eu odeio o quanto isso é verdade.
  _ Então por que tentou me ajudar?
_ É complicado... Eu só achei aquilo tudo muito injusto. – Fenrir pareceu desconfortável com o assunto.
  _ O que aconteceu com você, em todos esses anos?
  _ Muitas coisas.
  _ Acho que eu não tenho muito tempo sobrando.
  _ Se você sair vivo do julgamento, eu prometo te contar tudo.
  _ Esse julgamento tem algo de especial?
  _ Só o rei, a rainha, e todas as pessoas mais influente do reino inteiro.
  _ Só...
  _ Mas, fica calmo, que se o rei gostar de você, já é quase certo que você fique vivo.
  _ Se...
  _ Vamos mudar de assunto?
  _ São apenas três dias... Como eu vou ficar mais “forte” em tão pouco tempo?
  _ Felizmente, você está na melhor área de treinamento para “novatos”.
  _ Mas?
  _ Infelizmente, nenhum prisioneiro que tentou fugir sozinho, conseguiu sair vivo daqui. Até hoje, ninguém sequer passou da terceira sala.
  _ Eu sou privilegiado?
  _ Você é sortudo! Por algum motivo, o dono daquela sala não apareceu, como ele sempre costuma fazer.
  _ Acho que ele apareceu, sim.
  _ Como assim?
  _ De alguma forma, eu... Corrigindo, parece que esse Sísifo tomou conta do meu corpo e derrotou a figura que agia como um líder sabe, mas, quando eu voltei, uma outra começou a falar, com uma voz mais confiante e assustadora.
  _ Essa figura era diferente das outras?
  _ Não.
  _ Então não era o dono da sala. Mas, não se preocupa com isso, porque aquela vai ser a última sala que você vai entrar.
  _ Espera um pouco, eu pensei que eu ia treinar naquele lugar!
  _ Você vai, mas, antes de tudo, você tem que usar a escuridão da segunda sala para fazer um acordo com o Sísifo, depois disso, a Hêstia vai te dar uma boa explicação sobre essa sua benção, e, só após isso tudo, você vai entrar na terceira sala, e vai derrotar o chefe de lá.
  _ Confuso, mas, é um bom plano.
  _ Agradece o idiota do Vênus, ele que pensou nesse plano após ficar sabendo sobre o Sísifo.
  _ Ok. Mas, o que exatamente eu devo fazer?
  _ Dentro da cela eu te explico melhor.
  Eles estavam de frente para aquela grande porta de ferro reforçado, que, ao ser aberta, soltou novamente um alto rangido, mostrando que suas dobradiças estavam bastante enferrujadas.
  O interior daquele lugar continuava o mesmo. Ao centro da sala, a cadeira de ferro continuava ali, manchada de sangue seco, mas, com alguns respingos recentes que haviam saído de Diaz alguns minutos atrás. A escuridão da sala até chegava a ser confortável, já que o único cristal que iluminava o local, não chegava a ser forte o suficiente para incomodar os olhos.
  Durante quase cinco minutos, Fenrir explicou tudo o que ele sabia sobre as duas salas, e, deixou claro que não era possível prever o que Hêstia iria fazer quando ele entrasse dentro da sala dela.
  Segundo Fenrir, a terceira sala não possui nenhum outro perigo além daquelas figuras, mas, contanto que não se olhe para trás após entrar nela, elas não tem poder para fazer nenhum mal a ninguém. E, mesmo que alguém não cumpra essa regra, após cinco minutos, todas as figuras perdem novamente o direito de se manifestar, independente da situação em que se encontrarem. Infelizmente, as informações sobre o chefe da sala são muito poucas e rasas, o que acontecia já que ele mal se manifestava na presença dos ásters.
  A segunda sala já era um pouco mais complicada que as outras. Um espírito vingativo habita na escuridão daquele lugar, se apoderando das memórias negativas de qualquer um que esteja sendo dominado por um trauma. Até mesmo os ásters possuíam dificuldades em atravessá-la sem alguma complicação, tendo em vista que eles normalmente guardam um enorme rancor por alguém. A única coisa que se sabe verdadeira sobre a capacidade desse espírito, é que ele não é capaz de matar alguém, mas, ao consumir as memórias de alguém, ele é capaz de gerar novos traumas permanentes que são capazes de construir a ideia de suicídio na mente de cada um.
  A sala de Hêstia não havia nada de especial, com exceção da prisioneira que estava ali dentro. Qualquer anomalia na sala, sendo espacial ou visual, era exclusivamente causada ou criada pela mulher que cumpria uma sentença ali dentro.
  _ E o que eu devo fazer?
  _ Diaz, eu vou te acompanhar até a entrada da segunda sala, vou passar por ela, e o esperarei do outro lado, mas, enquanto você estiver lá dentro, eu não vou poder te ajudar, ok?
  _ Entendi. Mas, como eu vou conversar com Sísifo?
  _ Se você adivinhar corretamente o nome do espírito, ele vai te permitir fazer um pedido especial.
  _ Qual é o nome dele?
  _ Não sei. Não dá pra notar, mas, o espírito que está lá dentro sempre muda de repente. Eu acho que a Hêstia tem alguma coisa a ver com isso.
  _ Ela é tão poderosa assim?
  _ Segundo Júpiter, ela poderia sair daqui de dentro facilmente.
  _ E por que não o faz?
  _ Até onde eu sei, ela fez um acordo com a Júpiter, mas, nem adianta me perguntar o que foi, já que eu não sei dos detalhes.
  _ Interessante...
  _ Você está pronto?
  _ Não, mas, existe outra escolha?
  _ Infelizmente, não. Vamos.
  Eles saíram daquela sala mais uma vez, e, o corredor estava diferente. Uma escuridão quase infinita decorava o local, e, poucos cristais espalhados pelas paredes iluminação o caminho que deveriam seguir.
  Diaz estava calado. Cada passo seu ressoava pelo qual, e, algumas vezes, ele até os confundia com o seu das batidas de seu coração. A ansiedade de ter que atravessar aquelas salas novamente, o torturava infinitamente.
  Mais rápido do que da última vez, eles chegaram até a entrada da terceira sala. E, por um segundo, a respiração de Diaz se descontrolou. Fenrir notou isso, mas, deixou o garoto se acalmasse sozinho.
  _ Podemos, Diaz?
  _ Sim...
  Ao entrarem no lugar, um enorme salão novamente cercou o campo de visão de Diaz, e, mais uma vez, ele ficou encantado com local. Eles caminharam em linha reta até o outro lado do salão, e conseguiram atravessar tranquilamente sem nenhum problema, apesar de que, algumas vezes, Diaz pode ouvir algumas vozes o chamando.
  Ao saírem, Diaz soltou um longo suspiro, mostrando que ele estava realmente tentando se controlar, mas, mais uma vez, Fenrir não fez nenhuma ação para o acalmar ou motivar.
  _ O que acontece se eu errar o nome desse espírito?
  _ No máximo, pode ser que ele tome o seu corpo.
  _ Sério????? – a respiração dele saiu do controle mais uma vez.
  _ Sim, mas, talvez você tenha um pouco de sorte e, novamente, o Sísifo tome o controle antes da bomba explodir!
  _ Eu prefiro não precisar da ajuda dele.
  _ Infelizmente, daqui para frente, você vai precisar bastante da ajuda dele! Chegamos.
  _ Pode fazer as honras!
  Fenrir nem sequer olhou para trás, para ver como o garoto estava, e entrou dentro de uma escuridão visível, que apagou qualquer rastro de sua presença. Diaz ficou apenas observando, por alguns segundos, até que tomou coragem o suficiente para também entrar naquele lugar.
  _ Você decidiu voltar para mim, irmão? – Aquela voz feminina o recebi em tom de alegria quando ele entrou na escuridão, o que fez com que seu coração acelerasse – Se decidiu e resolveu pedir perdão para mim?
  _ Será que nós podemos resolver isso de uma maneira simples? Qual é o seu nome verdadeiro?
  Diaz não estava olhando para aquele ser, pois ele sabia quem estava na sua frente, mas, pode notar que a risada que surgiu a sua volta, não vinha somente daquilo que estava na sua frente.
  _ Irmão. Meu nome é...
  _ Não, não, não. Eu quero saber o seu nome verdadeiro!
  De repente, Diaz sentiu uma mão gelada segurando seu queixo, forçando ele a olhar para frente.
  _ Sinceramente, Diaz, por que você simplesmente não morre?
  _ Vai á merda!
  Na frente dele, estava o rosto moreno de Nickolas, e até mesmo os cachos pareciam o mesmo de seu antigo colega de quarto.
  _ Você já foi mais educado, sabia?
  _ Esse corpo não é seu!
  _ Muitas coisas não me pertencem, mas, isso não me impede de rouba-las!
  _ Seu...
  _ Por exemplo, você lembra daquela música? – O ser soltou ele, e, em um piscar de olhos, sumiu na frente, como se tivesse se camuflado na escuridão. – Aquela que sua mãe cantava para você quando criança?
  _ Meus pais morreram poucos dias após o meu nascimento.
  _ É verdade, mas, nos seis dias que sua mãe esteve ao seu lado, ela não parou de cantar uma música!
  _ Impossível...
  _ O que é impossível? Ela ter cantado uma música para seu filho amado, ou eu saber disso e você não? Sinceramente, não é tão estranho que não saiba, já que você era um recém nascido. Mas, suas memórias estão gravadas em um local especial na sua mente, e, por algum motivo, é tão fácil acessar essas memórias! Se você soubesse o tanto de memória feliz que existe aí dentro, você não ia querer nunca sair daqui de dentro!
  _ Daqui aonde? Você diz essa escuridão? Me desculpa, mas, se for pra morrer, prefiro que seja embaixo do sol!
  _ Mas, quem disse que precisa ser na escuridão? – O som de estalar de dedos pôde ser ouvido, e, em um segundo, todo o ambiente mudou envolta de Diaz – Que tal esse lugar?
  Diaz se viu novamente no porto de Típhia, com várias pessoas ao redor dele, cantando e dançando, e ao fundo disso tudo, Nick o observava sorrindo.
  _ Seu... Por favor, para de mexer com as minhas memórias!
  _ Idiota sem graça! – Acompanhado de outro estalar de dedos, aquela escuridão voltou a reinar no local, e, uma figura avermelhada e sem rosto apareceu na frente do garoto – Por que que sempre aparece alguém idiota como você? Aquele tal de Fenrir nunca me dá bola, mas, não posso mentir que as memórias dele são deliciosas!
  _ Cala a boca! – Movido pela raiva, Diaz tentou dar um soco naquela figura, mas, assim como uma fumaça, sua mão passou direto por ela.
  _ E, Júpiter, aquela musa guerreira! Eu queria tanto ter um corpo humano, para poder sentir ela de verdade!
  _ Eu já mandei você calar a boca!!!
  _ E o que você vai fazer? Me “bater” novamente? Fica sabendo que o Sísifo só vai aparecer se eu te ferir fisicamente, mas, felizmente, apesar de eu conseguir “tocar” quem entra aqui, eu não posso ferir o corpo de ninguém. Felizmente, isso não se aplica a alma!
  Aquele ser se aproximou novamente de Diaz, e, antes que qualquer coisa fosse feita, enfiou sua mão no peito do garoto, arrancando uma pedra brilhante de dentro dele.
  _ Você sabe o que é isso, Diaz?
  _ Seu... O que você fez comigo...
  Diaz não sentia dor e nem sequer estava ferido, mas, um vazio sem fim dominava seu peito, como se o seu próprio coração tivesse sido arrancado.
  _ Isso Diaz, essa pequena pedra, é um dos formatos que a sua alma poderia assumir. Obviamente eu não tirei toda a sua alma já que isso te mataria. Sinceramente, essa pedra não representa nem uma fração da sua alma, mas, a falta dela incomoda bastante né? É difícil de respirar né? A ansiedade aumentando, o medo irracional surgindo, são assustadores, né? Vai, Diaz, fala logo!
  _ Me devolve... Isso...
  _ Sabe o que é mais engraçado? Essa pedrinha é bastante brilhante, mas, por mais sutil que seja, existe uma leve escuridão escondida no meio desse brilho. Eu me pergunto se isso é a presença do idiota do Sísifo, ou, se isso é obra de Thanatos.
  _ Espera... Como você sabe?
  _ Eu tenho acesso a todas as suas memórias. E como aquele idiota está preso dentro de você, eu também tenho acesso as memórias dele. Infelizmente, ele está bloqueando a maior parte delas, mas, ele insiste em me deixar saber que você possui um fragmento da alma do engomadinho. Você sabia que Thanatos era um dos deuses mais vaidosos do Olimpo? Isso causou muitas de suas derrotas!
  _ Ei... Sísifo... Você vai deixar ele falar assim?
  _ Diaz, pobre Diaz... O “caçador” não vai te responder! Eu sei que ele está me ouvindo, e, você acha mesmo que eu insultaria o deus dele, se houvesse uma chance dele reagir? Eu tô morto, mas, ainda amo a minha “vida”!
  _ É uma pena... Pois, eu sei que ele vai vim.
  _ Como você pode ter tanta certeza?
  _ Se o que você diz é verdade... E, Thanatos realmente está dentro de mim... Nem que seja só um pedaço... Então eu tenho certeza... Que o caçador vai ouvir a ordem de seu mestre!
  _ Que mestre? – Com uma agilidade incrível, o ser aproximou de Diaz, e, mais uma vez, arrancou outro pedaço de sua alma, dessa vez, muito maior que o anterior – Você consegue entender a sua posição? Eu, literalmente, possui a sua alma em minhas mãos! Você não vai nem sequer lembrar seu próprio nome de eu arrancar mais pedaços dela, então, me explica mais uma vez, como você tem tanta certeza que ele vai aparecer? – A figura repetiu o movimento mais algumas vezes, tirando mais cinco pedaços da alma de Diaz. – ME REPONDE, DIAZ! COMO VOCÊ TRAZER SÍSIFO ATÉ AQUI, SE A SUA ALMA ESTIVER EM PEDAÇOS?
  _ Quando... Thanatos foi derrotado... Sua alma despedaçou... Mas... O caçador foi em busca... De cada pedaço... Mesmo que seja apenas um grão de areia... Enquanto eu ainda for... Um fragmento da Morte... Então o caçador ainda vai conseguir me encontrar!

Pela primeira vez, desde que você morreu Thanatos... Pela primeira vez, após um milênio inteiro, eu ouvi a sua voz novamente... Obrigado por me chamar, meu deus!

Fragmentos Da MorteTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon