Lembranças - Parte 2

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E você... Ainda está confiante?
  A voz de Sísifo ecoava em meio a escuridão da segunda sala, como se vindo de todos os lados, mas, não havia qualquer outro sinal de sua presença.
  _ Caçador... – A figura avermelhada começou a rir em tom sádico, e, começou a se aproximar mais de Diaz – É muito bom ter a sua presença! Por que você não aparece para gente conversar melhor?
  _ O que você vai fazer agora? – Diaz estava sério, apesar de ainda existir um resquício de medo em sua voz.
  _ Eu? Sinceramente, não esperava que você fosse capaz de chamá-lo, mas, ele não apareceu ainda, então você não vai sair inteiro daqui!
  A figura chegou bem próxima de Diaz, e, apesar de não possuir rosto, o garoto pode sentir um bafo quente vindo daquele ser. Mais uma vez, aquela mão, que parecia ser feita de sangue, entrou no peito de Diaz, e segurou mais um pedaço de sua alma.
  _ Então, Diaz... O que você vai fazer?
  Lutar...
  Antes que a figura pudesse retirar a mão, Diaz agarrou aquele braço avermelhado com bastante força, usando de sua mão direita. Normalmente, ele não deveria ser capaz de tocá-lo, mas, o corpo de Diaz já se encontrava coberto de névoa, retirando aquela injusta desvantagem.
  _ Sísifo... Seu caçador intrometido... Por que você não deixa a gente se resolver sozinhos?
  Já passou da época de você voltar para Hades, espírito!
  _ E você deveria morrer, soldadinho da Morte.
  Você está certo, mas, creio que você vai ter que preparar o meu lugar antes que eu chegue.
  Em um movimento rápido, o braço esquerdo de Diaz se ergueu, e, como uma lâmina afiada, desceu contra a figura, arrancando o seu braço avermelhado, que escorreu um líquido rubro.
  _ Isso deveria doer, mas, eu já estou morto! – Aquele ser ficou olhando seu braço decepado e a outra parte que estava na mão do garoto, até que a parte cortada se desfez em um líquido vermelho, enquanto seu braço era completamente regenerado. – Você queria me ferir?
  _ Mas, que merda está acontecendo aqui? – A seriedade de Diaz, deu lugar para uma leve confusão em sua mente.
  Vou resumir a sua situação, garoto. Como você tem algo que me é importante, eu não vou deixar que morra, e, por isso, eu tomei o controle do seu corpo algumas vezes, mas, como esse espírito despedaçou a tua alma, é muito arriscado para mim forçar um domínio completo, então, eu assumi um controle parcial das suas ações, entendeu?
  _ Como assim?
  Espero que você não seja tão burro assim! Resumindo mais ainda... Se eu assumir o controle do seu corpo agora, você não vai voltar a ter domínio sobre si mesmo, “sacou”?
  _ Você dois, poderiam parar de papo? Pode até não parecer, mas, eu não tenho tempo de sobra!
  _ O que você tem de importante pra fazer? Não é como se você tivesse a vida toda pela frente.
  Agora você falou um pouco mais bonito.
  _ Quer saber... Eu só preciso de mais alguns pedaços da sua alma, e, eu sei que o caçador não vai se intrometer de verdade, então, não vou ficar perdendo o meu tempo.
  Assim que o braço da figura foi reconstruído, ela tornou a avançar no garoto, dessa vez com mais velocidade, e tentou alcançar a sua alma com a mão. Movido por um instinto diferente, Diaz deu alguns passos para trás, evitando que aquele ser o alcançasse.
  _ Por favor, fica parado! -  Frustrado, a figura estalou os dedos da mão direita, criando, instantaneamente, um cubículo de paredes escuras em torno deles. As paredes eram tão sombrias, que pareciam apenas a escuridão da sala se solidificando.
  _ E você poderia lutar de forma justa!
  _ Estão dois contra um, e você ainda que falar sobre justiça?
  _ Eu mal consigo tocar em você!
  _ Essa névoa sinistra me diz o contrário.
  Diaz... Só se protege... Deixa que eu ataco quando for necessário...
  _ Não sei como fazer isso, mas, eu vou te obedecer!
  Diaz correu em volta da sala, sempre no limite do que podia andar, enquanto a figura tentava alcança-lo de toda forma possível.
  _ Você vai continuar fugindo até quando?
  _ Até você me deixar passar...
  _ Pensei que você queria saber meu nome!
  _ Fica a vontade para me contar.
  _ Eu adoraria, mas, preciso que fique parado por um minuto!
  _ Nem morto!
  _ Caçador, por que você não força ele a lutar?
  Caçar, significa saber o momento e lugar certo para atacar.
  _ Vocês dois já estão acabando com a minha paciência! – A figura parou de perseguir o garoto, e, estando em pé no centro do cubículo,  estendeu sua mão para os pedaços da alma de Diaz, que voaram instantaneamente em sua direção. – Já passou da hora de equilibrar esse jogo.
  Como uma boneca fantoche se montando, cada pedaço de alma começou a assumir o formato de um membro humano, e, após alguns segundos, um pequeno boneco branco e cintilante se formou nas mãos da figura.
  _ Vocês sabem por que eu amo roubar memórias? – Enquanto suas palavras saíam, a cor avermelhada de seu corpo, manchava o brilho do boneco em sua mão, transformando o belo branco, em um vermelho ferrugem, que parecia se mover como água – Algumas memórias nunca morrem, principalmente quando existe bastante ódio enraizado nelas!
  _ Espera... Por que eu estou com uma sensação estranha? – Diaz parou de correr, e, parado em um dos cantos do cubículo, ficou encarando o pequeno boneco ganhando a cor de sangue. – Esse sentimento parece familiar!
  Seu idiota... Não para de se mexer!
  _ Diaz, você não vai conseguir se lembrar, mas, aquele dia foi traumatizante, não foi?
  _ Qual dia? Do que você está falando? – Os olhos de Diaz cravaram no boneco, e, enquanto falava, deu um passo para mais perto da figura.
  Qual é o seu problema? Diaz, não dê mais nenhum passo!
  Estranhamente, o corpo de Diaz deu alguns espasmos, como se alguém estivesse o puxando para trás, mas, a corda imaginária que o puxava para frente é muito mais forte.
  _ Diaz, você quer saber do que estou falando? – A figura ergueu o boneco, deixando-o sentado em sua mão, direcionado para Diaz.
  _ Eu acho que sim... – Mais um passo.
  Diaz... Ele roubou uma memória sua, mas, eu te garanto que vai ser muito pior se você se lembrar dela agora!
  _ Por favor, Caçador, não se intrometa! Você é cheio de segredinhos! Por que esse garoto não pode saber sobre a sua própria vida?
  Você vai matá-lo!
  _ Pode fazer as honras, Diaz?
  _ O Fenrir disse que ele não pode me matar, Caçador! – Mais um passo.
  Diaz...
  O garoto já estava a dois passos da figura, e, caso ele se esticasse, já era capaz de tocar no boneco de sangue na mão do ser. Diaz parecia imerso em um transe, como se sua mente só conseguisse pensar em ter aquela peça que faltava.
  _ Por que eu não posso me lembrar, Caçador? – Diaz deu mais um passo e ergueu as suas mãos, buscando segurar aquele sombrio boneco.
  _ Isso, Diaz, por que só você não pode lembrar?
  Diaz... Se afaste... Agora!
  _ Eu não te conheço, Caçador!
  Por que, Thanatos? Por que a história tem sempre que se repetir?
  Sem pensar em mais nada, Diaz agarrou o boneco em suas mãos, que, no momento seguinte, começou a se contorcer desordenadamente, cravando os dedos na pele de Diaz e manchando a carne dele com o sangue do qual era formado.
  Um grito agoniante saiu da boca de Diaz, como se algo estivesse sendo arrancado de dentro de seu peito. A névoa que o cercava começou a se dissipar, e, tomado por uma súbita fraqueza, ele caiu no chão ajoelhado, mas, ainda segurando o boneco de sangue com muita força.
  Thanatos... Me perdoa... Mais uma vez, eu falhei... Me perdoa...
  Os gritos de Diaz se tornavam cada vez mais altos, enquanto a figura parecia se divertir com a situação, rindo quase na mesma altura dos gritos.
  _ Pobre Caçador, o que você tinha dito? “Caçar é saber o momento certo e blá, blá, blá”! Você é tão patético quanto esse garoto!
  Thanatos... Eu não queria ter que fazer isso... Thanatos, por minha culpa... Vai demorar mais alguns anos até que você volte!
  _ Caçador... Eu sinto pena de você! Um mero prisioneiro, condenado ao sofrimento eterno, sendo obrigado a empurrar aquela rocha eternamente... Por que Hades te escolheu?
  Não fale essas coisas, como se me conhecesse espírito imundo!
  _ Por que você não me responde, Sísifo? Você nunca foi forte. Nunca foi rápido. Nunca foi famoso. Você era rico e um pouco esperto. Mas, você só enganou a Morte, porque ele era muito ingênuo!
  É melhor você não falar sobre ele!
  _ Por que não? O deus da Morte foi morto! Isso não é hilário?
  Cala a boca...
  _ E, pra piorar, quem o matou foi uma deusa menor, que também o enganou! Acho que Thanatos deveria ter tido algumas aulas antes de virar um deus!
  Como uma resposta ao insulto, um grande barulho de algo se quebrando ressoou pelo cubículo. Ao olhar para baixo, a figura notou, com bastante espanto, que o boneco de sangue havia sido esmagado e estilhaçado pelas mãos de Diaz, que agora também estava calado.
  _ Espera... Como você escapou do sonho?
  _ Você disse que queria saber por que eu fui escolhido, certo? – Enquanto o sangue escorria por suas mãos, Diaz começou a se erguer, ainda olhando para o chão.
  _ Espera... Espera um pouco! Pensei que você tinha dito que não poderia assumir o controle!
  _ Sabe... Foi por isso que Hades me escolheu... – Diaz ficou totalmente de pé, e, enquanto a névoa retornava, mas, muito mais densa que antes, ele olhou para a figura.
  _ Esses olhos... Por que você possui esses olhos? Não pode ser... Não pode ser... COMO VOCÊ CONSEGUIU ELES?
  _ Hades me escolheu, por que eu mataria até o próprio Zeus, para cumprir a minha missão! – Sísifo deu um passo para frente, ficando cara a cara com a figura, que também reagiu dando um passo para trás – E, respondendo a sua pergunta, como eu poderia trabalhar para a Morte, se eu não enxergasse como ela?
 

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