Cap • 19

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"O amor está no começo de todas as coisas"

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"O amor está no começo de todas as coisas"

Encarei essa frase durante um tempo, ela estava marcada a lápis e era a única marcação do livro que Kim carregava quase sempre, mas o que mais me chamou atenção foi a dedicatória no final.

Para um filho magnífico - Korn Theerapanyakul 

Deduzi ser uma dedicatória do seu pai, diferente de Macau percebi que Kim não falava muito abertamente sobre seus pais, era como se o assunto causasse um grande desconforto nele.

Olhei para o seu rosto deitado sobre a pilha de travesseiros, e me perguntei o que se passava em sua mente quando lia essa dedicatória, se a dor de perder os pais deixava de ser angustiante com o passar dos anos, queria poder fazer essas perguntas mas não queria cutucar a ferida, afastei o braço de Macau que também dormia do meu lado e me vesti para dar uma volta, em dois dias estaríamos retornando para Paris.

Sentei em um dos bancos da praça que ficava de frente pro hotel, não sou o tipo de cara que gosta de fumar mas confesso que o frio estava tanto que qualquer fonte de calor entre os dedos seria bem vinda, fiquei alguns minutos contemplando a paisagem até sentir alguém sentando ao meu lado, era Kim. 

- Por que acordou tão cedo? - perguntou.

- Cedo? São dez horas da manhã.

- Mas nós não dormimos ontem a noite - disse com seu tom malicioso.

- Acordei inquieto, parei aqui pra refletir mas agora quero aproveitar pra conhecer mais alguns lugares hoje, o Macau já acordou?

- Dormindo feito uma pedra.

Sorri com seu comentário, mas Kim pareceu sério de repente. 

- Tem algo que queira falar? Se veio aqui pra pensar é porque alguma coisa está te perturbando.

- Talvez eu tenha me deparado com uma curiosidade que não sei se devo perguntar.

- Sobre?

- Vocês.

- Então deve perguntar - suspirei com medo de falar aquilo pra ele, mas Kim me passava confiança sempre.

- Por que não se dava bem com seu pai? lembro que quando nos conhecemos você disse que ele era inútil pra maioria das coisas.

- Brigávamos muito, discordavamos em vários assuntos, ele era do tipo que queria estar certo só porque era mais velho, mas tivemos nossos bons momentos, ele que me introduziu na leitura, é por causa dele que Macau gosta de história da arte, a mãe dele era como uma mãe pra mim também, não éramos a família perfeita mas também não éramos infelizes.

- Seus pais sabiam? Do relacionamento de vocês? - ele parecia ter sido pego de surpresa com aquela pergunta.

- Eu acho que sim, quer dizer, eu suponho, no dia…antes do acidente deles - começou vacilando um pouco nas palavras, dava pra ver seu enorme esforço pra falar daquilo, mas ao mesmo tempo eu sentia que ele queria colocar aquilo pra fora - No mesmo dia em que tudo aconteceu, eu e Macau estávamos deitados, achamos que a casa estaria vazia até o dia seguinte porque eles tinham viajado, então você sabe como é…queríamos aproveitar que estávamos sozinhos, então depois que a gente transou tiramos um cochilo, naquele estado mesmo, pelados e tudo mais, eu não sei ao certo se foi um sonho mas eu lembro de ouvir a voz do meu pai no quarto, como se ele estivesse furioso mas ainda assim não estava gritando com a gente, só parecia decepcionado e até enojado. Ele não notou que eu estava parcialmente acordado, lembro de uma parte do que ele disse "como puderam fazer isso?".

Ele suspirou fundo, não tentei intervir porque percebi que ele não tinha acabado a história, só parecia precisar respirar fundo antes de terminar. 

- Depois disso acordamos e não havia ninguém na casa, fui até o quarto deles e não encontrei quase nada, as roupas tinham todas desaparecido, no fundo eu sabia o que tinha acontecido mas queria poupar Macau de um segundo abandono, não queria que ele sofresse novamente pensando que os nossos pais tinham algum sentimento ruim em relação a nós, então fiquei quieto até que a notícia do acidente chegou e mudou tudo, nunca contei a Macau que talvez nossos pais tenham nos visto na cama naquele dia, é melhor que ele pense que foi uma fatalidade o que aconteceu a eles, quero que ele preserve apenas os bons momentos que já não eram muitos, e os olhares de admiração que meu pai dava toda vez que via o quanto Macau gostava das mesmas coisas que ele e mesmo assim conseguia ser mais inteligente, não quero que ele passe a vida inteira como eu, que penso que eles capotaram o carro naquela estrada de propósito, de tanto desgosto que sentiram.

Kim encerrou com os olhos molhados e o rosto vermelho, apesar disso ele parecia aliviado por ter falado algo que esteve preso em sua mente durante tanto tempo. 

- Não conheci seu pai mas posso ter a certeza de que ele amava você.

- Por que?

- Porque é impossível não amar você.

- Então por qual motivo ele fugiu de casa sem ao menos me dar a chance de ter uma conversa? Eu preferiria mil vezes que ele acordasse a gente aos gritos e me xingasse de todos os nomes possíveis, mas ao menos me desse a oportunidade de explicar - disse magoado.

- Talvez ele estivesse confuso, e precisasse de um tempo, não sei, mas eu não consigo imaginar seus pais abandonando vocês, quando se apaixonou pelo Macau você precisou de um tempo pra assimilar tudo o que estava sentindo, certo?

- Passei uns dois meses me sentindo confuso, éramos muito jovens e meus pais nos tratavam como irmãos, foi um misto de sentimentos.

- Então, se você precisou desse tempo, é provável que seus pais também precisassem do tempo deles pra entender tudo isso, talvez ele não tenha gritado e xingado você porque te respeitava muito e acima de tudo amava vocês.

- Sua versão do que poderia ter acontecido é bem mais reconfortante.

- Você deveria se apegar a ela então e não sofrer pelo que nem sabe.

- Tem razão - selou meus lábios demoradamente, ver que ele estava sorrindo e com uma expressão de alívio me deixou extremamente feliz, parecia que um peso havia saído das suas costas - Obrigado por isso, eu te amo tanto.

Algum tempo depois Macau desceu e se juntou a nós, me pergunto se ele desconfia nem que seja um por cento do quanto Kim precisou carregar o fardo de esconder sobre aquele dia apenas para não machucá-lo, mas vendo ele sorrir de maneira tão leve e inocente me faz pensar que no lugar do Kim…eu teria feito o mesmo.

Panopticum • PORCHAY/KIM/MACAUDonde viven las historias. Descúbrelo ahora