Capítulo 23

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Sempre atenta aos monitoramentos de sua saúde física, mas sempre visitando o xamã de Talokan, Shuri apenas esperava o dia e o momento em que sua criança viria ao mundo. Agora ela se encontrava deitada em sua cama na caverna, entregue ao cuidado do xamã, que a examinava com uma espécie de detector, como Shuri tinha apelidado secretamente, uma haste comprida que liberava algumas ondas eletromagnéticas produzidas pelo vibranium, que batiam e voltavam ao seu portador. Depois de algum tempo naquela tarefa, o xamã ergueu sua mão e convocou algumas criadas.

-O bebê está prestes a nascer, começaremos seu parto agora - ele avisou mais as criadas do que sua rainha.

Por um breve momento, aquilo a assustou, mas criando coragem, ela decidiu confiar nos membros de seu povo adotado que estavam ali por ela. Ainda assim, solicitou mais alguma ajuda.

-Griot, monitore tudo e me informe do que está acontecendo - ela pediu ao IA - não esconda nada.

-Sim, minha rainha - seu fiel aparelho obedeceu.

As parteiras talokani chegaram, ficando de mãos dadas ao redor dela, girando em procissão enquanto entoavam uma canção, nada hipnótico dessa vez, mas bastante religioso, Shuri reconheceu os pedidos de proteção e ajuda aos deuses, que abençoassem o herdeiro de Talokan.

De repente, a rainha soltou um grito, sendo avisada por Griot que aquela era a primeira contração. Era real, o bebê estava vindo e um longo esforço teria que vir da parte de Shuri. Quando as parteiras terminaram sua cantoria, lhe ofereceram uma bebida, um anestésico que não lhe faria mal, apenas ajudaria no processo. Ela bebeu, segurou a mão das duas parteiras que estavam ao seu lado, depositando sua confiança nelas e deixando que a natureza fizesse o resto.

Era estranho fazer força e empurrar para fora algo que estava dentro dela, não apenas algo, mas alguém que sentia que já conhecia, mesmo antes de ter nascido, uma vida completamente viva e em plena atividade, com tanto para viver e experimentar, para compartilhar com ela, com Namor, com o povo deles, com o mundo...

Com um último empurrão mais forte, ela sentiu o bebê se esgueirar para fora dela de uma vez, com seus gritos finos e fortes de choro invadindo o ambiente. Quando Shuri viu um primeiro vislumbre do bebê, ainda nas mãos da parteira principal, ela liberou lágrimas que nem sabia que estava segurando durante todo esse tempo, seu filho estava bem ali, e ela não podia estar mais feliz.

-Deixa eu ver, por favor - ela pediu em talokani, ignorando seu estado logo depois do parto.

-Meus parabéns, minha rainha, você nos deu um príncipe! - disse a parteira, entregando-lhe a criança nos braços, ainda chorando.

-Está tudo bem, T'hani, eu estou aqui, eu sou a sua mãe, eu vou cuidar pra sempre de você - Shuri murmurou, afagando sua cabeça lentamente, numa tentativa de acalmá-lo que acabou dando certo.

A primeira característica que se destacava era suas orelhas pontudas, exatamente como as de Namor, como as dos talokani, o que com certeza seria visto de forma simpática pelos habitantes do reino. Sua pele era negra, com um nariz parecido com o de Shuri e os olhos... ela conhecia aqueles olhos, os via cheio de amor todos os dias, mais uma semelhança física com Namor. Ela afagou os cabelos ondulados do bebê mais uma vez e beijou a testa dele delicadamente.

-Seu pai vai amar isso - ela riu baixinho, se referindo à essas semelhanças.

Lembrando de Namor mais uma vez, ela apenas desejou que ele estivesse ali para compartilhar o momento.

-Onde está o rei? - ela perguntou para ninguém em particular.

-Ele está a caminho, grande senhora - uma das moças respondeu - ele foi avisado assim que começou a dar a luz.

Shuri assentiu à resposta e a seguir, mesmo um tanto relutante, entregou T'hani às parteiras, tanto ele como ela precisavam se limpar. Tiveram tempo suficiente para isso até que Namor chegasse. Shuri estava repousando outra vez, com T'hani de volta aos seus braços.

Percebendo Namor ali por perto, ergueu a cabeça para encontrá-lo completamente embasbacado, hipnotizado, admirado com o pequeno ser envolto por seus braços.

-Quero que conheça seu filho - ela o convidou a entrar e se aproximar ainda mais.

Antes de se aproximar, Namor se ajoelhou, num ato solene, tradicional, com suas mãos abertas em direção à esposa e ao filho.

-Longa vida a T'hani, príncipe de Talokan - ele murmurou emocionado e só então se levantou, indo ver o filho pela primeira vez.

Com toda delicadeza que poderia usar, o rei de Talokan acariciou o rosto do menino, claramente feliz por ele estar ali, saudável e ter orelhas como as dele.

-Seja bem vindo ao mundo, meu filho - ele disse com todo carinho e emoção - eu lamento, Shuri, mas você vai ter que dividir meu coração com T'hani, a partir de agora, mais que nunca, ele pertence a vocês dois.

-É uma divisão justa, você é um homem com muito amor a oferecer - Shuri beijou a bochecha dele que estava ao seu alcance, mas então seu marido se virou para um beijo mais apropriado nos lábios.

O sentimento tão forte e tão palpável entre os três mostrava exatamente o que Namor e Shuri queriam, serem uma família amorosa, um filho e seus pais, antes do título que suas posições carregavam. Era tudo que precisavam ser naquele momento sublime.

Eventualmente, T'hani adormeceu e seus pais puderam voltar para casa. O que chamavam e consideravam como lar era a cabana adjunta ao laboratório de Shuri, um lugar comum para pais novatos se adaptarem ao seu bebê. 

Ainda assim, como os soberanos que eram, havia uma criada específica para ajudar nos cuidados com T'hani. Shuri tinha se deixado vencer pelas recomendações de repouso e acabou dormindo, enquanto Ku'kul'kan aproveitou os momentos a sós que teve com seu filho. Ainda se ajustando a segurar sua própria criança, depois de segurar inúmeras durante toda sua longa vida, ficou aliviado ao ver que o menino tinha se aconchegado ao seu peito, sem aparentes estranhamentos.

Por um breve momento, Namor pensou que o menino o rejeitaria de alguma forma, que sentiria o sangue das suas mãos em seu passado e não se sentiria seguro com ele. Mas o próprio T'hani tinha lhe provado o contrário disso. Eventualmente, o menino se mexeu, o que espantou um pouco seu pai, mas foi apenas para se ajeitar mais em seu colo. 

-Eu não o mereço, T'hani - seu pai murmurou para ele - eu não mereço a sua mãe, e eu acho que nunca vou poder agradecer aos deuses o suficiente por ter me dado vocês, mas eu prometo a você mais uma vez, meu pequeno, que meu coração é seu, e farei o meu melhor por você.

Curioso com o som de sua voz, T'hani olhou para cima, esboçando o que seu pai considerou claramente um sorriso. Era um bom sinal, assim como quando ele tinha chutado com Namor por perto. Ele mal poderia esperar para contar para Shuri o que tinha presenciado.



Grãos de Areia à Beira MarWhere stories live. Discover now