Capítulo 6 - Ponte.

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Minha mão esquerda se fechou involuntariamente em um punho cravando minhas unhas em sua palma, senti quando meu rosto se fechou, meu corpo formigou e meu coração disparou.

"Eu vou matar alguém, desgraçados tinha que ser hoje! Há coisas que não podemos evitar, aparentemente a língua das pessoas é uma dessas."

A mesma mão se abriu e em um movimento rápido cheguei no cabo da faca, mas parei ali mesmo, não porque fiquei com medo, mas sim por Helena que se pôs na frente, enquanto ainda segurava Sara em seus braços.

- Acho que deveriam se acalmar, aqui é minha casa, e não dou espaço para desrespeito. - Parecia que a mulher apenas estava fingindo ser gentil no começo, mas sabia que sua personalidade era essa mesmo, ela apenas a mostrava quando alguém a fazia mal.

- Para começo desta conversa sem Ava, nem mesmo estaria aqui, ela já me salvou tantas vezes da morte enquanto estávamos no início da academia que não pensaria duas vezes em mandá-los embora. - James continuou, jamais os faria escolher entre mim e seus amigos, aquilo me pegou completamente de surpresa, mesmo sabendo que realmente já vivenciamos juntos casos de vida e morte, ainda não seria um motivo para isso.

Respirei o mais fundo possível e antes de um dos homens presentes falar a campainha tocou, outros convidados chegaram, James e Helena não se moveram até a mesma ser tocada por uma segunda vez, o anfitrião bufou e saiu para atender a porta enquanto o rosto dos que estavam presentes mudaram num passe de mágica, Helena se virou me olhando procurando qualquer reação minha antes de pedir desculpas silenciosamente.

- Pode levar a Sara para o quarto, vou atendê-los. - Apenas concordei pegando a menina de seus braços, alcancei a embalagem do presente que havia comprado e o levei comigo até o andar de cima, entrando no corredor à esquerda o quarto principal e na direita o da criança na cor rosa-claro e branco, cheio de bichinhos de pelúcia e derivados de brinquedos.

Andei até a cama e coloquei a menina que havia dormido no colo da mãe, assim que consegui retirar meu braço de baixo de sua cabeça, ela abriu os olhinhos totalmente sonolenta.

"Mas que merda como podem estragar a festa de uma criança! Não conseguia entender como pessoas adultas conseguem fazer isso, parece que a consideração das pessoas praticamente nem existe."

- Tia Aba purque a tia Jenifi gitou? - Como poderia responder para uma criança de forma gentil que a ruiva, idiota, era apenas retardada?

- Há, a tia viu um rato, agora vai dormir que vou deixar seu presente aqui do lado. - Peguei um coelho branco que a mesma gostava muito, na qual foi rapidamente recebido com um abraço, a mesma ainda me olhava, logo fiz um gesto que sempre fazia com minha irmã quando a mesma era, mas nova, e apenas comecei a repeti-lo com Sara sempre que tinha a chance de colocá-la para dormir na qual passava a ponta dos dedos suavemente por cima de seus olhos, e depositava um beijo em sua testa e ponta do nariz, pode parecer bobo ou infantil, mas aquele era o único gesto que poderia fazer com todo o meu coração, aquilo era a única coisa que ainda estava intocado dentro de mim, as memórias de carinho que podia mostrar-lhe mesmo que silenciosamente.

Assim que terminei de colocá-la para dormir desci as escadas ouvi as vozes no andar de baixo e sem querer voltar para perto daquelas pessoas, peguei a porta dos fundos que ficava embaixo da escada o céu já estava completamente escuro e com poucas estrelas era normal já que havia chegado bem na parte do final da tarde, dei a volta na casa e caminhei em direção a rua, já fiz o que tinha que ser feito agora minha paciência havia se esgotado, se houvesse outra gracinha alguém sairia machucado e para não ser motivo de desonra para James e Helena prefiro me afastar. Enquanto caminhava pude sentir a paz que aquela área residencial me dava, a rua ali quase não tinha nenhuma movimentação, o que era ótimo já que poucas áreas eram assim.

- Que droga de gente chata, acabou de estragar meu humor, acho que vou tomar alguma coisa. - Caminhei de volta para a área de comércio e peguei o ônibus até o centro da cidade com a intenção de parar em alguma boate menos movimentada, mesmo que fosse quase impossível.

Dentro do ônibus estava um tanto quanto solitário, me sentei atrás do motorista onde era um banco único, coloquei meus fones já que a viagem seria um pouco longa, resolvi aproveitar a vista dos prédios deixados para trás.

"Se a verdade tivesse sido revelada, seria diferente? Seria tratada da mesma forma? As vidas que salvei de assaltos, tentativas de assassinatos, vítimas de agressão, crianças abandonadas nas ruas, já fiz tanto do começo da minha carreira até aqui e é isso que recebo? Isso é algum tipo de punição? Mereço ser tratada assim? Por que, quem deveria estar preso está vivendo confortavelmente em uma casa luxuosa enquanto estou aqui? A vida era uma droga. Minha mente se torturava toda vez que algo assim acontecia, já faz um ano que estou aguentando isso, no começo foi pior, quando saí daquele tribunal todas aquelas câmeras apontadas para mim e perguntas de como pude ter sido negligente e como explicaria para a família, só que ninguém sabia que elas eram a minha família."

Em algum momento aquele ônibus se tornou claustrofóbico, e num impulso levantei do banco, apertei a campainha de parada do mesmo, o motorista parou relutante já que não era uma parada de ônibus, mas como havia apenas nós dois ali o mesmo pareceu relevar a situação, consegui descer, minha visão havia começado a embaçar e minha garganta estava se fechando como se estivesse evitando algo de sair, em meu bolso o celular tocava alguma música alta que só podia ser entendida como sendo algum tipo de batida eletrônica, incentivando meu cérebro a loucura frenética, cambaleava por algum lugar onde não estava passando tantos carros, senti o cheiro da água, talvez estivesse sob a ponte que ligava o sul com o centro da cidade, andei a passos trôpegos até a mureta e projetei meu corpo para frente na qual um berro estridente saiu de minha garganta.

- AAAAARGGH! - Não me importei se alguém ouviria, já estava cansada, cansada de tudo que aquilo representava, estava exausta do quanto aquele mundo era injusto.

- AAAAARGH - Apenas no segundo grito que pareceu que minha sanidade mental havia voltado aos trilhos, minha visão agora voltava ao normal e naquele momento pude ter certeza que estava na ponte, era larga e se estendia a vários metros de altura, o lago era extenso e profundo negro como o vasto céu sob minha cabeça, ninguém me encontraria ali.

- Vou... Vou poder ter paz... S-se puder acabar com isso? Acredito que sim. - Tudo isso iria findar, poderia finalmente descansar, esse era o ponto, queria ter paz, queria finalmente estar em paz.

Subi na mureta sentindo o vento brincar com meus cabelos enquanto chicoteava o mesmo em meu rosto, tinha um cheiro refrescante, mas junto a isso vinha um gosto salgado, talvez fosse as lágrimas que caiam teimosamente e banhavam meu rosto.

- P-peço desculpa, meninas, não... vou conseguir me vingar por vocês... Não aguento mais, já estou no meu limite. - As palavras eram sussurradas e se perdiam em meio ao vento e aquela vastidão à minha frente.

Ava - VIVER OU MORRERWhere stories live. Discover now