Capítulo 3

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"O pecado é tão prazeroso; por isso ele é proibido?" - Autora.

Melina

   Minha mãe morreu no dia do meu nascimento, este sempre foi uma culpa que carreguei. Em minhas orações aos Deuses, sempre pedi perdão por isso. Sentir falta de quem nunca conhecemos pode doer muito mais do que imaginamos, principalmente quando se era uma criança, mas aprendi a viver dor e culpa.

  Aquele homem magnífico, que ainda não sei o nome, disse-me que não tenho pecados. Mas isso não é verdade, todos temos pecados. Todos somos imperfeitos.

  Se estou aqui pelo julgamento dos Deuses, então fico satisfeita e aceito meu destino de condenações neste mundo. O inferno. Nunca fui soberba o bastante para acreditar que escaparia dele; desejava ser digna do paraíso, porém, conheço minhas falhas. Peço perdão novamente aos Deuses. Meus joelhos chegam a doer, pelas longas horas em que e estou ajoelhada no cato da cama desde que sai do banho.

   Mesmo aqui, não quero deixar de ser devota. Sou pecadora, mas nada me impede de tentar me redimir pelos meus erros. Sempre pedi perdão por tudo de errado que fiz.

   Não me lembro de ter cometido muitos sacrilégios contra os mandamentos divinos. Mas se estou aqui, acredito sim, que mereço a agonia eterna.

     — Sempre me agradou ver mulheres de joelhos. — A voz impactante adentra nos meus ouvidos, fazendo-me tremer. Reconheci ser do homem que me deixou aqui há horas atrás. É difícil não se sentir intimidada, principalmente, por ter quase certeza de que ele é, todo majestoso e monumental, o rei de todo este lugar. O rei do submundo. — Tenho que te informar que seus tão idolatrados Deuses, não escutaram suas preces. Inclusive, interessante escolha para roupas.

   Coro.

   Quando sai do banheiro, e abri o armário, as únicas peças de roupas que encontrei lá foram trages indecentes. Coloquei o que mais parecia cobrir meu corpo, que consistia em um vestido azul claro que vai até os joelhos, com duas fendas que mostravam as minhas coxas.

    Continuei parada, apertando ainda mais os olhos e rezando para que ele não me machuque.

   Escuto seus passos pelo quarto, e logo sinto sua presença atrás de mim. O momento tem uma energia pesada, como se a presença dele fosse tudo de mais grandioso e feroz que já senti.

   — Mas eu estou aqui, e adoraria vê-la implorar. — Ele murmura próximo até demais. Prendo a respiração e me levanto com cuidado, ainda sentindo algumas partes do meu corpo latejar. — Você foi envida ao inferno, garota tola, como pode estar tão devota?

   — Nunca é tarde para me arrepender pelos meus pecados. — Sussurro. Ele fica mais próximo até que sinto sua respiração no meu ouvido.

   — Você não tem pecados. — Os pelos do meu corpo se arrepiam do que presumo ser medo.

   — Não sou uma santa, senhor.

   — Se não tens falhas ou motivos para estar aqui, então suponho que sim, você é uma santa. — Ela se afasta, e então sinto que posso respirar melhor.  — Mas não pretendo mantê-la assim por muito tempo. — Sua fala me assusta. — Siga-me, Melina, creio que esteja com fome.

   E eu estava, mas, por um momento, questiono internamente o porquê. Se estou morta, não deveria sentir fome.

   Caminhamos por longos corredores muito bem decorados de forma sombria. O que mais me chama atenção são várias portas que passamos, algumas delas muito decoradas, outras nem tanto, mas a maioria, ouvi barulhos vindo de dentro.

   Gritos, principalmente.

   — Qual o seu nome? — Atrevo-me a perguntar, mas me arrependo assim que as palavras passam pela minha boca.

   Ele nem sequer me olha e continua andando com se fosse a única coisa existente neste ambiente. Tão onipotente.

  Tudo aqui cheira a perversão, sacrilégio e pecado. Principalmente ele. Mas eu sabia, ele é o rei do pecado. Provavelmente o mais depravado de todos os de alma arruinada.

   Entramos em uma sala muito grande com uma mesa maior ainda. Muitos alimentos são distribuídos por toda parte, e algumas pessoas comem desesperadamente com se sua vida dependesse disso.

   Ele senta, e sem pensar direito, tomo liberdade para sentar ao seu lado.

   — Coma o quanto quiser. — Ele fala, começando a preencher o próprio prato. Preencho o meu com pouca comida e começo a comer devagar. Ele me encara como se minha atitude fosse intrigante, mas depois revira os olhos de forma entediada e volta a comer. — Amon. — Depois de bastante tempo calados, ele diz. Olho-o sem entender. — Meu nome é Amon. Embora muitos me chamem de majestade, ou senhor dos pecadores. - Estava certa sobre quem ele era.

   Ele ainda não me olha, então, sem responde-lo, volto minha atenção as pessoas ali sentadas.

    Algumas tem mais modos ao se alimentar, já outras comem de uma forma tão brutal que chegou a me impressionar.

   — Gula. - Amon fala ao meu lado. —Um pecado bastante popular, Alteza. - Tento não ficar impressionada por ele saber do meu título. — Todos estes estão aqui porque seu principal pecado, enquanto estavam na terra, foi a gula.

  — Por que eles permanecem no pecado?
  
   — Aqui não punimos pecadores. No entanto, fazemos eles viverem no próprio pecado. — O olho surpresa. — Por isso você não tem lugar aqui. Se você  não tem pecado, não há onde eu possa colocá-la.

   — Mesmo assim fui enviada pelos
Deuses.

   — Eles logo se daram conta do erro que cometeram. — Ele coloca uma uva na boca e mastiga vagarosamente.

  Depois de estarmos satisfeitos, Amon me leva de volta para o quanto onde eu estava anteriormente e se vira para sair.

    — Se eu morri, por que sinto fome e dores no corpo? — Pergunto curiosa.

   — Isto aqui é vida após a morte, como um outro mundo depois do que você já viveu. — Explica. — E quanto as suas dores, durma, creio que logo passará. Sua queda aqui não foi das mais sutis.

  Então ele sai, deixando-me sozinha naquele enorme quarto. Acomodo-me na cama e obrigo meus olhos a ficarem fechados até ser tomada pelo sono.

[...]

   Acordo com batidas estrondosas na porta. Movo-me até estar sentada na cama e encaro uma bela mulher entrar no quarto. Ela tem cabelos curtos e loiros; a pele clara do seu corpo é coberta por um longo, e transparente, vestido vermelho.

    — O rei mandou que lhe entregue isto. — Ela coloca um vestido encima da cama, na parte mais longe de mim. — Vista-se com ele. — Então ela sai.

   Olho ainda sonolenta o chão do quarto, perguntando-me o que iria acontecer comigo. Amon deixou claro que não tenho um lugar aqui, e isso, de certa forma, deixou-me aliviada.

    Levanto-me e caminho ao outro lado da cama, parando em frente a peça de roupa que a garota colocou aqui. É um belo vestido de baile cor prata, com mangas transparentes, mas bem composto.

  Visto-me com ele e prendo meus cabelos em uma trança lateral logo depois de escova-lo com os dedos. Olho-me no espelho enorme que fica me frente a cama.

   Minha aparência é frágil, mas sempre fui assim; com cabelos longos e castanhos claros que destacam minha boca levemente rosada.

  Vou até uma janela que tem no quarto, em busca de um pouco mais de luz, além das lamparinas que iluminam o lugar. Porém, quando as abro, noto a escuridão total.

  Entediada, sento na cama e fico observando minhas mãos. Um curto tempo depois, a porta do quarto é novamente aberta e, desta vez, Amon passa por ela.
  

Inocente PecadoWhere stories live. Discover now