Despeço-me dos meus pais e dou uma trinca na maçã que trouxeram para o lanche. Absorvo o sabor e cerro os olhos para o aproveitar. Que bem sabe a vida!
Batem à porta e abrem-na de imediato sem esperar uma resposta. É o Henry. Tusso instantaneamente e a maçã salta-me da boca, acertando no tabuleiro à minha frente. Agradeço mentalmente por não ter corrido pior.
‒ Estás aqui?! - digo, com um tom inquiridor e afirmante ao mesmo tempo. Talvez esteja apenas surpreendido por ele ter levado o que prometeu avante.
‒ Claro! Eu disse-te que viria. Como estás? - questiona enquanto avança na minha direção. Senta-se no fundo da cama e eu encolho as pernas, com receio que com apenas um toque ele perceba tudo o que ando a esconder-lhe.
‒ Eu?
‒ Sim, tu, Will! - diz, com um sorriso.
‒ Eu estou bem. Então, e tu?
‒ Estou bem. - Evita um sorriso, mas também não mostra a dor.
‒ Se me queres visitar, vais ter que ser sincero. - Recrimino-me logo de seguida. Quem sou eu para pedir uma coisa destas? Sou o pior mentiroso que há.
‒ Tens razão! Não estou muito bem. Hoje tive aulas e... não sabes o que me custou não a ter lá comigo. E toda a gente vinha dizer que lamentava, mas eu não quero os seus lamentos. - Olha-me nos olhos e eu estremeço. - Quero-a a ela!
Engulo em seco, e penso se não será boa ideia partilhar um pouco da minha experiência. Já que sou o causador do seu sofrimento.
‒ Sabes, quando me detectaram o problema no coração e me informaram que o meu estado era tão frágil que eu podia morrer a qualquer altura, as pessoas na escola fizeram o mesmo. Acho que elas não têm noção do pouco que ajuda ouvir constantemente o quanto lamentam a nossa situação.
‒ Foste operado ao coração?
As minhas entranhas congelam e questiono se não terei ido longe demais.
‒ Transplante - respondo, com um nó na garganta.
‒ Isso é meio poético. - Ri.
‒ Achas? - pergunto, ainda perplexo.
‒ Claro. Então, tinhas um coração fraco, mas agora substituíste-o. Já para não falar que o coração é o centro do amor.
‒ Hum, não sei se há grande amor no meu coração - admito.
‒ Como não? Isso não faz sentido, Will!
‒ Não viveste as coisas que eu vivi, Henry.
‒ Talvez esteja a vivê-las agora.
Olho-o nos olhos e, no seu reflexo, denoto uma figura. Quiçá seja apenas eu. Mas também pode ser ela. O amor que ele acaba de perder. E, se procurar bem, também consigo ver o amor que eu próprio perdi.
‒ Nunca vivi dor maior e começo a duvidar se há como sair dela.
Não penso, nem tento entender as mensagens codificadas que o meu cérebro me envia. Agarro-lhe a mão e mantêmo-las unidas durante uns segundos, antes de um choque nos atingir aos dois. O Henry afasta a mão com rapidez e eu fito-o com o lábio inferior a tremer.
‒ Sentiste isto? Uau! - oiço-o dizer. - Lamento informar, Will, mas acho que os céus queriam mesmo que nos conhecêssemos. Parece que vais ter que me aturar durante mais tempo.
Franzo o sobrolho e inclino o tronco na sua direção.
‒ O que é que estás para aí a dizer?
Ele alcança a minha mão e segura-a, inclinando-se também. De repente, estamos frente a frente, com poucos centímetros entre nós e o ar intensifica-se.
‒ Não estás à espera que eu ignore um sinal destes, pois não? - Sorri e eu arrepio-me dos pés à cabeça.
Já não publicava há algum tempo, mas realmente não faz sentido deixar esta história a meio.
Helena
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Coração que não sabe ser Coração
Short StoryWill recebeu um novo coração. Não há sentimento melhor que este de saber que há uma chance de sobreviver. Contudo, quando Henry surge na sua vida, as memórias do passado esquecido vêm à tona. E se o novo coração de Will não aguentar?