Capítulo 4

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Despeço-me dos meus pais e dou uma trinca na maçã que trouxeram para o lanche. Absorvo o sabor e cerro os olhos para o aproveitar. Que bem sabe a vida!

Batem à porta e abrem-na de imediato sem esperar uma resposta. É o Henry. Tusso instantaneamente e a maçã salta-me da boca, acertando no tabuleiro à minha frente. Agradeço mentalmente por não ter corrido pior.

‒ Estás aqui?! - digo, com um tom inquiridor e afirmante ao mesmo tempo. Talvez esteja apenas surpreendido por ele ter levado o que prometeu avante.

‒ Claro! Eu disse-te que viria. Como estás? - questiona enquanto avança na minha direção. Senta-se no fundo da cama e eu encolho as pernas, com receio que com apenas um toque ele perceba tudo o que ando a esconder-lhe.

‒ Eu?

‒ Sim, tu, Will! - diz, com um sorriso.

‒ Eu estou bem. Então, e tu?

‒ Estou bem. - Evita um sorriso, mas também não mostra a dor.

‒ Se me queres visitar, vais ter que ser sincero. - Recrimino-me logo de seguida. Quem sou eu para pedir uma coisa destas? Sou o pior mentiroso que há.

‒ Tens razão! Não estou muito bem. Hoje tive aulas e... não sabes o que me custou não a ter lá comigo. E toda a gente vinha dizer que lamentava, mas eu não quero os seus lamentos. - Olha-me nos olhos e eu estremeço. - Quero-a a ela!

Engulo em seco, e penso se não será boa ideia partilhar um pouco da minha experiência. Já que sou o causador do seu sofrimento.

‒ Sabes, quando me detectaram o problema no coração e me informaram que o meu estado era tão frágil que eu podia morrer a qualquer altura, as pessoas na escola fizeram o mesmo. Acho que elas não têm noção do pouco que ajuda ouvir constantemente o quanto lamentam a nossa situação.

‒ Foste operado ao coração?

As minhas entranhas congelam e questiono se não terei ido longe demais.

‒ Transplante - respondo, com um nó na garganta.

‒ Isso é meio poético. - Ri.

‒ Achas? - pergunto, ainda perplexo.

‒ Claro. Então, tinhas um coração fraco, mas agora substituíste-o. Já para não falar que o coração é o centro do amor.

‒ Hum, não sei se há grande amor no meu coração - admito.

‒ Como não? Isso não faz sentido, Will!

‒ Não viveste as coisas que eu vivi, Henry.

‒ Talvez esteja a vivê-las agora.

Olho-o nos olhos e, no seu reflexo, denoto uma figura. Quiçá seja apenas eu. Mas também pode ser ela. O amor que ele acaba de perder. E, se procurar bem, também consigo ver o amor que eu próprio perdi.

‒ Nunca vivi dor maior e começo a duvidar se há como sair dela.

Não penso, nem tento entender as mensagens codificadas que o meu cérebro me envia. Agarro-lhe a mão e mantêmo-las unidas durante uns segundos, antes de um choque nos atingir aos dois. O Henry afasta a mão com rapidez e eu fito-o com o lábio inferior a tremer.

‒ Sentiste isto? Uau! - oiço-o dizer. - Lamento informar, Will, mas acho que os céus queriam mesmo que nos conhecêssemos. Parece que vais ter que me aturar durante mais tempo.

Franzo o sobrolho e inclino o tronco na sua direção.

‒ O que é que estás para aí a dizer?

Ele alcança a minha mão e segura-a, inclinando-se também. De repente, estamos frente a frente, com poucos centímetros entre nós e o ar intensifica-se.

‒ Não estás à espera que eu ignore um sinal destes, pois não? - Sorri e eu arrepio-me dos pés à cabeça.


Já não publicava há algum tempo, mas realmente não faz sentido deixar esta história a meio. 

Helena 

Coração que não sabe ser CoraçãoWhere stories live. Discover now