Capítulo 9

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‒ Sei que não gostas, Will, mas tens que tomar os medicamentos. O teu coração ainda está frágil - diz a minha mãe ao mesmo tempo que dispõe os comprimidos na minha mão, logo após a enfermeira os ter trazido num copo. - O médico ainda não sabe quando poderá dar-te alta, mas calculo que não deva faltar muito.

A voz mantém-se de fundo, contudo não consigo prestar-lhe atenção. A imagem dos comprimidos na minha mão causa-me náuseas. Não gosto de ter que os tomar. Mas não por mim. Não fui eu que tive que fazer o esforço toda uma vida, sem qualquer efeito. Recrimino-me novamente, porque desde que vim para o hospital e conheci o Henry, não consigo parar de quebrar a promessa que fiz.

Dou mais uma olhada aos comprimidos e, por fim, obrigo-me a engoli-los. A água ajuda a empurrá-los. Estou quase a sufocar de tanta água quando o Henry espreita pela porta.

‒ Posso?

A minha mãe segue a voz. Arregala os olhos assim que vê a fisionomia do meu amigo. Ou daquele que traio todos os dias.

‒ E quem é este rapaz? - pergunta, com a malícia no timbre. Vejo-lhe no olhar o quão impressionada está.

‒ Sou o Henry. Prazer. - Cumprimentam-se e o meu estômago dá voltas sobre si mesmo.

‒ Prazer, Henry. Eu sou a mãe do Will. - Parece recordar-se de repente do que acaba de dizer e roda sobre si mesma para se certificar que ainda aqui estou. - Bem, acho que vou andando. Toma os comprimidos todos, Will!

‒ Já estão no estômago, mãe - afirmo.

Vejo-a sair e fechar a porta atrás de si, coisa que não é costume fazer quando estou sozinho. Prevejo os cenários que ela começa a formar na sua cabeça e quase nem reparo na proximidade do Henry. Acaricia-me a mão e não sinto de imediato. Como se o meu corpo rejeitasse o toque. Convenço-o que o toque familiar de que julga ter saudades não vai voltar.

‒ A tua mãe parece fixe!

‒ Não digas isso, Henry.

‒ Porque não? Não é suposto?

Suspiro, expulsando o peso extra que o ar me traz.

‒ Ela tenta, mas não entende. Nunca vai entender.

‒ O que é que ela não entende? - insiste o rapaz repleto de sardas à minha frente.

Sorrio para afastar o desconforto.

‒ Não interessa. Como foi a escola?

O Henry percebe a minha vontade de mudar de assunto, e cede. Agradeço-lhe mentalmente.

‒ Estou em risco de reprovar novamente. Mas eu nem quero saber. Não consigo ter vontade de estudar e fingir que a minha vida é a mesma. O único sítio onde me sinto bem é aqui, na verdade. Contigo - murmura a última parte, tão baixo que eu questiono se quer mesmo que eu oiça.

Penso se este não será o momento ideal para ser honesto como devo ser.

‒ Se calhar... há uma razão para isso... - digo, com o coração novo e da sua antiga amada a palpitar-me no peito.

‒ Hum, és um rapaz cheio de razões, ah?

‒ Estou a falar a sério, Henry.

‒ Também eu. A única razão é porque algo nos juntou. - Encurta a distância entre nós. - Ou não acreditas que isto - aponta para os dois - esteja destinado? - Mostra-me um sorriso pequeno e perverso.

Engulo em seco, e faço questões ao meu coração. Porque é que tinhas que passar sentimentos para mim? Porque é que o queres enganar? Tu já não pertences à Abby. Não batas dessa forma!

‒ Pensas muito, não é? - oiço-o perguntar.

‒ Eu...

‒ Deixa-me adivinhar. Tens as tuas razões.

Ele ri, e eu rio com ele, contagiado pela sua expressão. Talvez também pelo calor que a sua mão emana para a minha. As nossas dermes mantêm-se em contacto e, por momentos, eu consigo esquecer.


Que promessa é esta de que fala o Will? Algum palpite?

Helena

Coração que não sabe ser CoraçãoWhere stories live. Discover now