‒ Sei que não gostas, Will, mas tens que tomar os medicamentos. O teu coração ainda está frágil - diz a minha mãe ao mesmo tempo que dispõe os comprimidos na minha mão, logo após a enfermeira os ter trazido num copo. - O médico ainda não sabe quando poderá dar-te alta, mas calculo que não deva faltar muito.
A voz mantém-se de fundo, contudo não consigo prestar-lhe atenção. A imagem dos comprimidos na minha mão causa-me náuseas. Não gosto de ter que os tomar. Mas não por mim. Não fui eu que tive que fazer o esforço toda uma vida, sem qualquer efeito. Recrimino-me novamente, porque desde que vim para o hospital e conheci o Henry, não consigo parar de quebrar a promessa que fiz.
Dou mais uma olhada aos comprimidos e, por fim, obrigo-me a engoli-los. A água ajuda a empurrá-los. Estou quase a sufocar de tanta água quando o Henry espreita pela porta.
‒ Posso?
A minha mãe segue a voz. Arregala os olhos assim que vê a fisionomia do meu amigo. Ou daquele que traio todos os dias.
‒ E quem é este rapaz? - pergunta, com a malícia no timbre. Vejo-lhe no olhar o quão impressionada está.
‒ Sou o Henry. Prazer. - Cumprimentam-se e o meu estômago dá voltas sobre si mesmo.
‒ Prazer, Henry. Eu sou a mãe do Will. - Parece recordar-se de repente do que acaba de dizer e roda sobre si mesma para se certificar que ainda aqui estou. - Bem, acho que vou andando. Toma os comprimidos todos, Will!
‒ Já estão no estômago, mãe - afirmo.
Vejo-a sair e fechar a porta atrás de si, coisa que não é costume fazer quando estou sozinho. Prevejo os cenários que ela começa a formar na sua cabeça e quase nem reparo na proximidade do Henry. Acaricia-me a mão e não sinto de imediato. Como se o meu corpo rejeitasse o toque. Convenço-o que o toque familiar de que julga ter saudades não vai voltar.
‒ A tua mãe parece fixe!
‒ Não digas isso, Henry.
‒ Porque não? Não é suposto?
Suspiro, expulsando o peso extra que o ar me traz.
‒ Ela tenta, mas não entende. Nunca vai entender.
‒ O que é que ela não entende? - insiste o rapaz repleto de sardas à minha frente.
Sorrio para afastar o desconforto.
‒ Não interessa. Como foi a escola?
O Henry percebe a minha vontade de mudar de assunto, e cede. Agradeço-lhe mentalmente.
‒ Estou em risco de reprovar novamente. Mas eu nem quero saber. Não consigo ter vontade de estudar e fingir que a minha vida é a mesma. O único sítio onde me sinto bem é aqui, na verdade. Contigo - murmura a última parte, tão baixo que eu questiono se quer mesmo que eu oiça.
Penso se este não será o momento ideal para ser honesto como devo ser.
‒ Se calhar... há uma razão para isso... - digo, com o coração novo e da sua antiga amada a palpitar-me no peito.
‒ Hum, és um rapaz cheio de razões, ah?
‒ Estou a falar a sério, Henry.
‒ Também eu. A única razão é porque algo nos juntou. - Encurta a distância entre nós. - Ou não acreditas que isto - aponta para os dois - esteja destinado? - Mostra-me um sorriso pequeno e perverso.
Engulo em seco, e faço questões ao meu coração. Porque é que tinhas que passar sentimentos para mim? Porque é que o queres enganar? Tu já não pertences à Abby. Não batas dessa forma!
‒ Pensas muito, não é? - oiço-o perguntar.
‒ Eu...
‒ Deixa-me adivinhar. Tens as tuas razões.
Ele ri, e eu rio com ele, contagiado pela sua expressão. Talvez também pelo calor que a sua mão emana para a minha. As nossas dermes mantêm-se em contacto e, por momentos, eu consigo esquecer.
Que promessa é esta de que fala o Will? Algum palpite?
Helena
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Coração que não sabe ser Coração
Short StoryWill recebeu um novo coração. Não há sentimento melhor que este de saber que há uma chance de sobreviver. Contudo, quando Henry surge na sua vida, as memórias do passado esquecido vêm à tona. E se o novo coração de Will não aguentar?