Capítulo 7

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O Henry come a minha gelatina enquanto eu acabo a água que ainda tenho no copo.

‒ Tens a certeza que não te importas que eu coma a tua gelatina?

‒ Henry, já te disse. Não gosto de gelatina. Faz-me confusão na língua.

‒ Acho que nunca conheci ninguém que não gostasse de gelatina.

‒ Posso-me considerar especial então?

Ele olha-me de uma maneira diferente. Há algo de lascivo no brilho do seu olhar. Sorri ligeiramente e sugerindo qualquer coisa que eu não sei decifrar.

‒ O que é? - pergunto.

‒ Nada.

‒ Henry, estavas a olhar-me de forma esquisita. - Mordo a língua. Porque é que sou tão sincero? Só não digo a verdade quando ela me pode comprometer.

‒ Achaste esquisita? Eu achei bem particular.

‒ O que é suposto isso significar?

A saliva na minha garganta seca assim que ele exibe um novo sorriso.

‒ Nada. Queres ir dar outro passeio ao jardim?

‒ Dizem que hoje vai chover - aviso.

‒ Quem diz? A enfermeira Laura?

Lanço-lhe um olhar reprovador. Na brincadeira, claro. Ele agarra os meus braços e, num instante, puxa-me da cama e, juntos, corremos pelos corredores. Os auxiliares gritam connosco, pedem-nos para não corrermos, mas nem eu nem o Henry prestamos atenção e deixamos que o vento nos leve com ele.

De volta ao jardim, denoto que está praticamente vazio. As nuvens espreitam no céu e ameaçam cumprimentar a terra. Recordo o Evan e o azul cinzento dos seus olhos, mas logo sacudo a lembrança. Prometi a mim mesmo há 4 anos que não voltaria a pensar nele.

‒ Estás bem? - pergunta o Henry.

‒ Sim. E tu?

‒ Acho que sim.

‒ Achas?

Conduzo-o para um banco junto às petúnias. Sentamo-nos ao mesmo tempo e ele solta um ar pesado.

‒ Num momento estou muito bem, sabes. É como se estar contigo fosse... uma outra vida, na qual nunca perdi a Abby. Uma vida à parte da minha. Mas depois, lembro-me que ela morreu mesmo e que não estou a viver uma vida paralela. Esta é mesmo a minha vida.

‒ É normal sentires isso - digo, procurando descansá-lo. - És capaz de sentir isso durante algum tempo na verdade.

O Henry encara-me e eu vejo como contrai os lábios.

‒ Will... tu... tu já perdeste alguém?

Mordo o interior das bochechas, arrependido por ter falado. Num segundo, desvendei-me perante o Henry, e não quero admitir que sei o que ele está a passar.

‒ Não quero falar disso - respondo.

‒ Ok. Desculpa. Não te quero deixar desconfortável.

Seguro-lhe as mãos num momento de coragem que acaba por desvanecer numa questão de segundos, assim que os olhos azuis do Henry colam nos meus. Mas porque é que ele também tem olhos azuis? Só gostava de esquecer.

Tento afastar-nos, mas o Henry não deixa.

‒ Sei que há algo aí dentro, Will. E está tudo bem se não queres falar disso, mas não vou deixar que me afastes.

E, depois, num momento de pura perplexidade para mim, envolve-me num abraço. Todo o meu corpo incendeia com as faíscas que a derme dele me proporcionam. A imagem de um Evan meio transparente surge na minha mente, porém os braços do Henry pressentem o quão trémulo estou e apertam-me mais contra ele.

Sou engolido pela possibilidade de uma nova vida que ainda não tinha considerado.


Será que o Will vai contar a verdade ao Henry?

Helena

Coração que não sabe ser CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora