O Henry come a minha gelatina enquanto eu acabo a água que ainda tenho no copo.
‒ Tens a certeza que não te importas que eu coma a tua gelatina?
‒ Henry, já te disse. Não gosto de gelatina. Faz-me confusão na língua.
‒ Acho que nunca conheci ninguém que não gostasse de gelatina.
‒ Posso-me considerar especial então?
Ele olha-me de uma maneira diferente. Há algo de lascivo no brilho do seu olhar. Sorri ligeiramente e sugerindo qualquer coisa que eu não sei decifrar.
‒ O que é? - pergunto.
‒ Nada.
‒ Henry, estavas a olhar-me de forma esquisita. - Mordo a língua. Porque é que sou tão sincero? Só não digo a verdade quando ela me pode comprometer.
‒ Achaste esquisita? Eu achei bem particular.
‒ O que é suposto isso significar?
A saliva na minha garganta seca assim que ele exibe um novo sorriso.
‒ Nada. Queres ir dar outro passeio ao jardim?
‒ Dizem que hoje vai chover - aviso.
‒ Quem diz? A enfermeira Laura?
Lanço-lhe um olhar reprovador. Na brincadeira, claro. Ele agarra os meus braços e, num instante, puxa-me da cama e, juntos, corremos pelos corredores. Os auxiliares gritam connosco, pedem-nos para não corrermos, mas nem eu nem o Henry prestamos atenção e deixamos que o vento nos leve com ele.
De volta ao jardim, denoto que está praticamente vazio. As nuvens espreitam no céu e ameaçam cumprimentar a terra. Recordo o Evan e o azul cinzento dos seus olhos, mas logo sacudo a lembrança. Prometi a mim mesmo há 4 anos que não voltaria a pensar nele.
‒ Estás bem? - pergunta o Henry.
‒ Sim. E tu?
‒ Acho que sim.
‒ Achas?
Conduzo-o para um banco junto às petúnias. Sentamo-nos ao mesmo tempo e ele solta um ar pesado.
‒ Num momento estou muito bem, sabes. É como se estar contigo fosse... uma outra vida, na qual nunca perdi a Abby. Uma vida à parte da minha. Mas depois, lembro-me que ela morreu mesmo e que não estou a viver uma vida paralela. Esta é mesmo a minha vida.
‒ É normal sentires isso - digo, procurando descansá-lo. - És capaz de sentir isso durante algum tempo na verdade.
O Henry encara-me e eu vejo como contrai os lábios.
‒ Will... tu... tu já perdeste alguém?
Mordo o interior das bochechas, arrependido por ter falado. Num segundo, desvendei-me perante o Henry, e não quero admitir que sei o que ele está a passar.
‒ Não quero falar disso - respondo.
‒ Ok. Desculpa. Não te quero deixar desconfortável.
Seguro-lhe as mãos num momento de coragem que acaba por desvanecer numa questão de segundos, assim que os olhos azuis do Henry colam nos meus. Mas porque é que ele também tem olhos azuis? Só gostava de esquecer.
Tento afastar-nos, mas o Henry não deixa.
‒ Sei que há algo aí dentro, Will. E está tudo bem se não queres falar disso, mas não vou deixar que me afastes.
E, depois, num momento de pura perplexidade para mim, envolve-me num abraço. Todo o meu corpo incendeia com as faíscas que a derme dele me proporcionam. A imagem de um Evan meio transparente surge na minha mente, porém os braços do Henry pressentem o quão trémulo estou e apertam-me mais contra ele.
Sou engolido pela possibilidade de uma nova vida que ainda não tinha considerado.
Será que o Will vai contar a verdade ao Henry?
Helena
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Coração que não sabe ser Coração
Short StoryWill recebeu um novo coração. Não há sentimento melhor que este de saber que há uma chance de sobreviver. Contudo, quando Henry surge na sua vida, as memórias do passado esquecido vêm à tona. E se o novo coração de Will não aguentar?