HORA UM

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- Magina, Dona Angela, não está me atrapalhando de modo algum – disse Camilo, com um sorriso doce em seus lábios rosados, completamente perfeitos – talvez eu precise deixar minha prancha aqui para conseguir levar tudo, mas é por uma boa causa, né?

Tanto minha mãe quanto Ingrid sorriram educadamente, enquanto eu estava lidando com um conflito de emoções. Ao mesmo tempo que Camilo agia como um grande petulante e um tanto quanto exibido, ele tinha uma leveza diferente. Sobrenatural.

- São só 7 caixas, a gente consegue amarrar sua prancha – respondi, de forma áspera, sem entender o motivo de estar tratando-o assim.

- A Wave não pode ser levada de qualquer jeito – disse ele, com mais uma piadinha. Talvez a forma dele se expressar se resumia em piadas.

Basicamente, em troca da carona, minha mãe combinou com Camilo de pagar toda a gasolina de aproximadamente 1.870 km, em um Jeep 2014, justamente para eu conseguir levar de uma vez só minhas coisas sem envolver desconhecidos ou um caminhão de mudança (o que sairia uma fortuna).

Fizemos uma breve despedida – na verdade, já estávamos nos despedindo há dias, então para evitar maiores constrangimentos, demos um breve adeus.

- Eu te amo mais que tudo – disse minha mãe, como se nunca mais fosse me ver – por favor, se comporte!

- Tia Angela, a Melina é uma mulher formada, confia! – disse Ingrid, iniciando um abraço entre nós três.

Como tirar um curativo do machucado, me enfiei no Jeep 2014 branco da avó de Camilo e me posicionei 100% para frente, da forma mais robótica que consegui.

- Então somos eu e você, agora – falou ele, com o torso virado totalmente para mim, enquanto usava uma das mãos para passar o cinto de segurança – você gostaria de ouvir algo em específico?

- Não, muito obrigada – respondi, observando-o tomar o caminho para a nossa longa viagem.

Foi inevitável. Em menos de 10 quilômetros, as lagrimas de tudo que estava engasgado me sufocaram e por mais que eu tenha tentado suprimi-las, inevitavelmente elas começaram a jorrar como em uma descoberta de petróleo.

- Ei, calma, ok? – disse Camilo, abaixando o som do carro, enquanto tocava Stay – Rihanna em baixo tom – sua mãe mesmo disse que irá visitá-la assim que você ajeitar suas coisas por lá. Você vai viver coisas maravilhosas, acredite em mim. Itajaú é praticamente uma ilha universitária.

- Eu nem sei o motivo exato das minhas lágrimas, Camilo – disse, com muito custo, em meio a muitos soluços – é como se toda a pressão desses últimos anos estivesse caindo sob minhas costas, não sei...

- Vamos mudar o foco, que tal? – propôs Camilo – e a propósito, me chame de Milo, pode ser? Camilo me atribui mais uns 50 anos, no mínimo. Era o nome do meu avô. Tenho duas coisas que vão melhorar 70% do que você está sentindo. Na verdade, três coisas.

- Qual sua técnica mirabolante? - falei, fungando longamente.

Milo abriu o porta luvas sem tirar os olhos da direção e me deu um rolo de papel higiênico.

- Primeiro, você precisa urgente limpar o seu nariz – ele falou, um pouco sem graça, enquanto dava uma risadinha travessa – isso aí já vai te ajudar a recuperar sua dignidade.

Senti minhas bochechas salpicarem de vergonha. Eu era um desastre total.

- Segundo, acho que você precisa provar esse Fini aqui – Milo retirou da porta lateral um saco de Fini em uma embalagem rosa – esse sabor chama-se Beijos. Tem como ser melhor?

96 HORASOnde histórias criam vida. Descubra agora