HORA QUATRO

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Passamos por todos da família. Milo me contou desde a mudança do primeiro Zatz para nossa cidade natal até o fim de sua linhagem, que a que tudo indica, acabará em seus filhos, por não existir mais nenhum descendente direto que leva o nome da família. Conversamos sobre o que nossas famílias deixavam em nós, não só de dinheiro como herança, mas também crenças e opiniões incrustradas em nós, que muitas vezes demorávamos para entender que aquilo não nos pertencia. Talvez fosse uma boa explicação para minha tendência em fugir de relacionamentos.

Milo era desafiador. Intrigante. Petulante e envolvente. Eu poderia dizer que viajaria 10.000 km ao seu lado e em nenhum momento ficaria chato. O que era um grande problema, por que além do seu sorriso lindo e excelente humor, era nítido que Milo era um cara badalado. Em todas as cidades que passamos, pude ver suas redes sociais bombarem de mensagens com o mínimo de sinal, mesmo ele não respondendo ninguém. Na realidade, enquanto Milo estava ali comigo, sentia que não existia mais ninguém tão importante e essa sensação era bastante viciante. Em um certo momento, tentei espiar quando pude e consegui ver, pelo menos, três usuárias com nomes femininos. Isso só estampava mais ainda "problema" em sua testa, mas minha mente não estava respondendo tão bem para entender enquanto ainda havia tempo.

- Você tem namorada? - perguntei, um pouco sem jeito, tentando achar o tom correto para parecer curiosa sem parecer interessada - não, não estou interessada. É só uma pergunta.

Nos aproximávamos de um sinal vermelho, dando brecha para uma certa pausa dramática para Milo colocar o carro no ponto morto e me dar total atenção, me olhando com aqueles olhos lindos e levemente esverdeados. Ou castanhos. Ou os dois.

Eu consegui sentir um olhar derivado do raio-x, penetrando meus órgãos e ossos, farejando algo que eu não sabia exatamente o que era. Talvez minhas intenções.

- Eu tive uma namorada - ele respondeu, com calma - nós ficamos juntos por 5 anos. Terminamos há pouco tempo, aliás. Motivo: não temos futuro algum.

- Uau. E é por isso que sua DM está lotada desse jeito? Está tentando recuperar o tempo perdido? - questionei, sabendo que eu estava ultrapassando a regra que eu mesma criei.

- Mel, você é maravilhosa. Está me surpreendendo muito - ele falou, retomando a direção enquanto esboçava um sorriso malicioso - eu acabei de voltar de uma competição, então é normal que algumas marias parafinas me procurem pelas redes sociais.

- Maria Parafina? Meu Deus - falei, revirando os olhos - você se acha mesmo! Esse termo é ridículo!

- Elas me procuram, o que posso fazer? Eu tenho certeza de que se você me visse saindo do mar após tomar o maior caldo do mundo também se sentiria interessada. Seja interessada em me cuidar ou me usar. Eu saio acabado no final do dia - ele falou, ainda mantendo o clima leve, mas um picante - você já teve algum namorado?

Sua pergunta tão simples me paralisou por inteira. Era óbvio que ele perguntaria isso, eu estava totalmente metida em sua vida romântica, é o mínimo que ele também teria curiosidade sobre isso.

- Não - respondi, sendo sincera e da mesma proporção, me sentindo envergonhada - nada sério, na verdade.

- Não é possível. Mel, nós precisamos resolver várias questões da sua vida imediatamente em Itajaú - ele respondeu, esbanjando um tom brincalhão - realmente não se fazem mais homens hoje em dia.

Passamos por um breve silencio constrangedor, enquanto por alguns milissegundos eu me imaginei sendo algo dele. Milo tinha mãos lindas, limpas e masculinas, e logo de cara eu o via apertando o volante do automóvel. Elas pareciam macias, talvez pelo excesso de contato com a água salgada. Lá no fundo, eu me perguntava como seria sentir o toque sutil de um cara como ele. Eu realmente precisava disso ou iria explodir.

- Vamos fazer um lanche? Eu preciso esticar um pouco - disse ele, me trazendo de volta para a terra.

- Claro - respondi, um pouco sufocada pelo constrangimento dos meus pensamentos.

Eu sabia, não faltava muito para eu começar a imaginá-lo pelado. Ingrid sentiria orgulho dos meus pensamentos de mulher adulta, visto que ela era uma das pessoas que mais me empurrava para a "vida". Ela achava um grande absurdo eu ter ficado apenas com um cara até hoje - principalmente por ter acontecido em uma festa, de forma rápida e talvez meio sem grandes emoções.

A verdade era que o amor era algo supervalorizado. Ainda mais o sexo. Pessoas aspiravam a sexo 24h por dia e por isso vacilavam em seus trabalhos, perdiam prazos e chegavam atrasados depois de uma noitada. Eu não queria ser assim. Sentia-me satisfeita comigo mesma - graças aos vibradores, claro - e dessa maneira, tinha a mente mais limpa para me relacionar apenas com quem valesse a pena. Agora, a pergunta que não queria calar é: o efeito de Milo sobre mim, a confusão em meus pensamentos e meus tremores físicos, não seriam provas do que eu justamente mais abomino? 

96 HORASWhere stories live. Discover now