HORA VINTE E SEIS

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Ficar no mesmo quarto que Camilo era sim, sufocante. Ainda mais depois da conversa horrorosa que tínhamos tido. Eu me sentia tão ridícula e humilhada, enquanto ao mesmo tempo sentia raiva dele. Ele era um paquerador barato, que me ludibriou sim com seus sorrisos bonitos e de repente, voltou atrás. Como um passe de mágica.

Isso não poderia dar certo, de nenhuma maneira. Eu devia viver coisas novas? Claro. Mas não podia perder o foco. Eu não perderia o foco em meu novo começo, e isso significava não cair na tentação de me apaixonar em menos de vinte e quatro horas.

Me acomodei em uma mesa coberta com um grande ombrelone perto da mesma piscina redonda azul da noite anterior, me protegendo dos raios solares daquele dia cinza e monótono. Para minha felicidade, encontrei um bom livro no Kindle e lia freneticamente a obra "A Empregada", me sentindo presa no suspense que se desenrolava entre a protagonista e seus patrões. Menos romance e mais suspense, era isso que minha mente precisava.

Era incrível como toda vez que eu saia um centímetro da linha, eu acabava dessa maneira: confusa e sozinha. E dessa vez, sozinha mesmo, longe da minha mãe e longe de Ingrid.

Ingrid.

Eu precisava ouvir sua voz.

Apanhei rapidamente meu celular e liguei para ela.

- Oi? - falei, percebendo um longo silêncio do outro lado da linha - Ingrid?

- Mel, oi, ei. Eu tô... meio ocupada agora - ela respondeu, em um tom abafado - você está com algum problema?

- Você tá o que, transando? - indaguei, ouvindo gemidos abafados do outro lado - você é inacreditável....

- Eu te ligo depois - ela respondeu, tão rápido quanto desligou o telefone em minha cara.

Decidi caminhar um pouco pela região, pois sabia que ali próximo havia um grande mirante (não é a toa que o nome do hotel era Mirage). Talvez eu poderia fazer uma caminhada para espairecer e ainda por cima, aproveitar um pouco de turismo comigo mesma.

- Com licença - falei, aproximando-me da recepção - você poderia me ajudar?

- Oi - respondeu um rapaz, até mais jovem que eu - eu me chamo Bruno. Como posso ajudá-la?

- Bruno, eu gostaria de conhecer o mirante - falei, apontando para o grande poster que ficava ao lado da porta de entrada, mostrando um grande mirante pintado de branco e vermelho - é aqui perto?

- Mais ou menos vinte minutos de caminhada, senhora. Esse horário é um pouco movimentado, então acho que não é perigoso você ir assim desacompanhada - ele completou - só não volte muito tarde, certo? A cidade está lotada de forasteiros que estão esperando a liberação da rodovia.

- Ah, certo, claro. Muito obrigada!

- Aqui - ele falou, entregando um pequeno folheto com um mapa - estamos aqui nesse ponto marcado com um alfinete.

Agradeci mais uma vez e tomei meu caminho, apressando o passo para movimentar o meu corpo e por meus pensamentos no devido lugar.

Não era só Camilo que me incomodava. Ou o fora que ele tinha me dado. Eu estava pensando demais no que minha mãe havia falado no telefone. A verdade é que eu não sabia de nem metade da história sobre o que tangia ela e meu pai, eles como um casal. Sua frieza e corte rápido na ligação me fazia questionar se tinha algo de importante que estava sendo escondido, mas me sentia paranoica demais por pensar algo assim da minha mãe. O que faria minha mãe mentir? Ela não era assim. Nossa relação sempre estava pautada na amizade e na verdade. Certo?

Apesar do seu cinza, a paisagem era linda. Bem lá no fundo já era possível ver a costa. Até mesmo conseguia ver uma parte da rodovia que precisávamos pegar para tomar o caminho até Itajaú. Quando mais caminhava, maior altitude atingia e a vista ficava cada vez mais limpa.

O caminho estava mesmo lotado por alguns casais e pessoas sozinhas como eu, que caminhavam com seus fones de ouvido até o mirante, seguindo um trajeto em espiral.

Quando atingi os primeiros degraus do mirante, fui percebendo que, já me sentia melhor comigo mesma depois daquele tempo que tirei para pensar.

Eu precisava me manter assim: sincera e transparente comigo mesma. Eu estava sim pensando no meu pai. Eu sentia sim saudade dele. Saudade do que poderíamos ter sido e do que poderíamos ter vivido. Eu sentia também raiva. Raiva de Camilo. Raiva por me deixar tão indisponível emocionalmente que, ao me sujeitar ao mínimo de contato com um cara bonito, me deixei cair em emoções por ele.

Tudo que ele tinha dito poderia ser mentira, mas nós tínhamos sim estabelecido uma relação. Eu não deveria estar tão brava com alguém que mal conheço.

- Mel? - ouvi uma voz familiar - você é maluca mesmo.

Parei de subir os degraus e olhei para trás. Encontrei Camilo apoiado no corrimão, me olhando com os braços cruzados sob o peito.

- Você não pode simplesmente sumir assim - ele continuou, subindo mais alguns degraus e ficando da mesma altura que eu - Bruno me falou que estaria aqui e quis garantir que voltaria em segurança.

Soltei um longo suspiro.

Ele estava de brincadeira com a minha cara.

- Camilo, vá embora - eu falei, dando de costas e subindo o próximo degrau - agradeço sua preocupação, mas eu realmente quero ficar sozinha agora.

- Não - ele falou, envolvendo um dos meus braços e puxando-me com delicadeza - a gente tem que conversar.

- Na verdade, não temos - falei, me desvencilhando do seu toque - se você quiser me esperar para irmos embora juntos, tudo bem. Só me deixe ver a paisagem, ok?

- Eu vou com você então.

Subimos em silêncio um atrás do outro, chegando ao fim da longa subida. Próximo de nós, outros subiam e desciam o mesmo caminho que tínhamos feito, e para evitar o seu olhar, me prendia na vida do outro para me distrair.

Um idoso com sua esposa velhinha no canto esquerdo do grande mirante, abraçando-se de lado enquanto uma terceira pessoa tirava uma fotografia com uma câmera analógica, uma criança usando um chapeuzinho vermelho pedindo colo para sua mãe; um casal dando um longo beijo encostado no mirante - tinha gente de tudo que era jeito lá. E tinha eu e Milo.

- Eu errei em te dizer aquilo, Mel - ele confessou, quebrando o silêncio entre nós.

A paisagem dali de cima era mesmo linda. O mar parecia estar aos nossos pés, e olhando para baixo, era possível ver as ondas batendo com força na estrutura metálica da base. O som da água no metal era familiar e relaxante, como aqueles áudios feitos para auxiliar na higiene do sono.

- Você pode olhar para mim, pelo menos? - ele pediu.

Camilo estava cabisbaixo. Ele usava uma camiseta com o esqueleto de um tubarão desenhado logo no centro da peça, acompanhado por calças de tecido e um tênis Vans preto.

- Eu sei que a gente não se conhece há tanto tempo, mas eu te contei sobre tanta coisa que acabei ficando confuso. Mas tem algo que não te contei sobre mim - ele falou, aproximando-se lentamente - eu não sou de deixar ninguém cruzar a linha, sabe? Chegar perto demais. Tem sido seguro ter apenas relações superficiais e casinhos de uma noite só, mas, Mel, eu te contei sobre meus pais, sabe? Eu sei sua cor favorita, descobri que você não gosta muito de suco de goiaba e te fiz ficar viciada em Fini Beijos. Eu viajei muitas horas do seu lado e não senti um minuto só de tédio. Você é completamente cativante e linda.

- Camilo...

Antes que eu pudesse completar qualquer frase boba que minha mente tentava formular, senti seus lábios quentes dominarem minha boca.

Camilo aproximou seu corpo do meu, colando-se sob mim enquanto repousava as mãos na barra metálica do parapeito do mirante. Enquanto sentia-me dominar, levei desesperadamente minhas mãos até o topo da sua nuca, curiosa para sentir sua temperatura. Camilo me beijava com força, como se estivesse ansiando por mim pelo mesmo tempo que eu o desejava.

- Mel, promete que vai me deixar fazer isso de novo - ele sussurrou, aproximando sua boca do lóbulo da minha orelha - promete que você vai deixar eu te fazer minha.

- Sim, Milo, eu prometo - respondi em um soluço, sentindo seus braços envolver minha cintura, mantendo-me junto ao seu corpo quanto eu continuava pendurada em seu pescoço.

E foi assim que sim, eu me vi completamente apaixonada por Camilo Zatz.  

96 HORASWhere stories live. Discover now