HORA VINTE

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Naquela noite, eu não sonhei com nada.

A grande história de romance que criei em minha mente em tão poucas horas sentiu um pequeno "trincadinho" ao ver o nome de outra garota em seu celular. Mesmo sabendo que poderia ser uma amiga ou prima, minha intuição dizia que um cara bonito como ele provavelmente teria alguém com o nome seguido por um coração salvo em sua agenda. Era para ela que ele tinha ido fazer a tal ligação?

E isso significava o que?

O que eu queria dele? Nós mal nos conhecíamos e eu já sentia tantas coisas malucas, até mesmo esse ciúme infundado.

Já era quase oito da manhã e o quarto seguia silencioso. Eu devia ter dormido no máximo cinco horas, pois fiquei inquieta demais sentindo Camilo tão perto de mim. Eu podia dizer: o quarto não era lá o mais arejado do mundo e a chuva - que ainda insistia em cair - deixava o ambiente mais abafado e úmido que o normal. Isso significava que tudo cheirava como Milo lá dentro. Uma mistura deliciosa de cheiro de homem com limão, algo refrescante e limpo. Leve. Exatamente como Camilo estava sempre.

Eu estava tentando muito não parecer sua stalker ou algo assim, por isso decidi dormir virada de costas para o canto que Camilo havia posicionado o fino colchonete. Se minha cama fosse um pouco maior, até ofereceria para dormirmos juntos, mas com o tamanho que apresentava, facilmente eu teria entrelaçado minhas pernas nas dele durante a noite. O que teria acontecido se tivesse feito isso mesmo?

- Mel? - ouvi sua voz em um sussurro - você já acordou?

- Oi - respondi, no mesmo tom - sim, estou acordada sim.

- Eu tenho uma péssima notícia para te dar - ele falou e ouvi sua movimentação enquanto ele virava em minha direção - olha...

Camilo levantou a tela de seu celular até meus olhos e mostrou a mensagem padrão que tinha recebido pelo alerta estadual. Com o excesso de chuvas, a BR-202 estava temporariamente interditada pela forte chuva, que havia desencadeado em um deslizamento muito grande em um dos trechos da via.

- Minha mãe comentou comigo que isso era muito comum - comentei, devolvendo o celular em sua mão - e o que fazemos agora?

- Se você não se importar, podemos ficar mais uma noite aqui - ele falou.

Eu não havia me dado conta que Camilo estava sem camisa, expondo o peito nu e estando coberto até a cintura por um fino lençol. Eu podia ver uma pequena tira do elástico de sua cueca box branca e indo mais além, podia até mesmo ver sua ereção matinal e me perguntava em que momento da noite ele tinha ficado desse jeito. Será que ele tinha visto o que eu estava de olho?

- Por mim, tudo bem - falei, tirando meus olhos dele - eu posso tomar banho primeiro? Prometo ser rápida.

- Você tem todo o tempo do mundo - ele respondeu, soltando um bocejo rápido - se eu voltar a dormir, você pode me chamar?

- Claro... ham... você dormiu bem?

- Na verdade, não muito - ele respondeu, coçando a cabeça e piscando com um só olho - eu "tô" um pouco incomodado com algo. Talvez eu tenha passado uma impressão errada ontem, sabe, naquele momento lá no posto. E agora eu estou aqui, no mesmo quarto que você, e sei lá. Podemos esquecer que isso aconteceu?

- Ah, aquilo do posto? - questionei, controlando minhas emoções logo cedo - não foi nada. É sério. Eu mal percebi você aqui - menti - pode ficar tranquilo. Eu não sou tão bobinha como você pensa.

- Ah é? Então me responde uma coisa - ele falou, me dando um olhar examinador - você já viveu algo assim antes?

- Algo assim? O que você quer dizer?

- Ah Mel, fala sério. Você sai contando tanta coisa sobre si mesma para qualquer um? A gente tá se conhecendo e tá sendo legal. Eu só não quero que você ache que estou... - ele falou, mas interrompi rapidamente.

- Camilo, eu não sou uma menininha de quinze anos e não gostaria que você me desse um fora tão desnecessário assim. Isso foi bem rude. Com licença.

Levantei-me rapidamente da cama, expondo sem sentir vergonha meu lindo pijama de seda modelo americano azul claro. Recolhi alguns itens de higiene pessoal que estavam sob a cômoda, fazendo esforço para continuar de costas para Milo, e entrei no banheiro, sentindo novamente pequenas lágrimas relutarem para sair dos meus olhos.

Eu podia ser uma completa idiota, mas tinha aprendido minha lição.

Não podemos acreditar em caras bonitos com sorriso manso no meio de uma longa viagem para uma vida nova.

Eu não cairia mais nessa história. 

96 HORASWhere stories live. Discover now