HORA ONZE

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O frentista do posto acertou em cheio quando disse que uma grande chuva se aproximava. Não muito depois do episódio do posto de gasolina, Milo achou que seria mais prudente esperar que a chuva desse uma brecha. A combinação do sol se despedindo e dando espaço à lua com uma pancada de chuva tornava o céu cinzento e amedrontador.

- Nova Alvorada será nosso point de hoje - ele falou, retomando o tom descontraído que tinha sempre e ignorando totalmente o suposto clima que tinha rolado entre nós.

Nova Alvorada ficava na divisa de dois estados e não devia ter mais de dois mil moradores. Milo parou o carro próximo de uma distribuidora de bebidas e descobriu que a cidade possuía um único hotel, chamado Mirage. Ao lado, uma boa pizzaria levava o mesmo nome. Dessa maneira, em poucos minutos já sabíamos nosso paradeiro, como também o local que faríamos nosso jantar.

- Pizza está ok para você ou você abomina o glúten? - ele me perguntou, enquanto se sentava no banco do motorista.

- Eu odeio quem odeia glúten - respondi, sentindo minha barriga contrair só de pensar em comer algo. Eu já estava faminta. E também ansiosa.

O Mirage Hotel não era lá grandes coisas. Parecia uma pousada simples, com uma pequena porta que apresentava uma placa brilhante que afirmava estarem abertos. As letras em branco faziam contraste com os acabamentos amarronzados e verdes da logo do estabelecimento, que parecia ter uma pegada temática da natureza. Lá era sem dúvidas muito arborizado, como qualquer cidade interiorana. Logo na entrada, fomos recebidos por uma senhora grisalha sorridente, daquelas que pareciam compor o elenco do Sítio do Pica Pau Amarelo de tão amável.

- Boa noite - disse a senhora da recepção, esboçando um sorriso gentil - quarto para um casal?

- Olá, tudo bem? Eu me chamo Melina - exclamei, tomando a iniciativa - na realidade, não. Preciso de dois quartos, por gentileza. Vocês passam cartão?

- Melina, ein... Nós não trabalhamos com cartão... Só dinheiro ou Pix. Caso você precise sacar, ali próximo à farmácia há um caixa eletrônico 24h - as últimas palavras soaram com um toque de requinte, como se um caixa eletrônico naquele local representasse o ápice tecnológico local.

- Eu tenho dinheiro em espécie aqui - interrompeu Milo, que abriu uma pequena carteira em couro claro - fique tranquila quanto a isso. Eu não previ essa possibilidade quando negociei com sua mãe e nada mais justo que eu acerte tudo aqui. Ok?

- Na verdade, não. Eu tenho dinheiro comigo para justamente eu conseguir pagar algo em uma emergência - retruquei, um pouco envergonhada em vê-lo tirando várias notas da carteira. Será que Milo era rico?

- Deixa ele pagar, dona - falou a senhora da recepção, me dando um olhar amoroso - é raro nos dias de hoje.

- Eu insisto - respondi, cortando-a - não é o caso, realmente.

Em dias habituais, eu me considerava uma grande ranzinza por natureza. Em situações atípicas como todas que eu estava vivendo, era inevitável que eu me sentisse mais ranzinza ainda. Nada estava sob meu controle e absolutamente tudo me submetia emoções e situações novas. Eu estava indo para um lugar que mal conhecia, com um cara que mal conhecia e sentindo coisas que também não eram conhecidas por mim. Eu sentia um constrangimento envolto em desejo que me deixava envergonhada como nunca.

Peguei as chaves do meu simples quarto e sai batendo os pés, já me sentindo envergonhada em tempo real pela forma idiota que lidava com tudo que me confrontava. Fazia tempo que eu não ficava com ninguém e fazia mais tempo ainda - diga-se de passagem a minha vida inteira - que um cara como Camilo flertava comigo. Flerte que, claramente, era só mais um passatempo até retornar para sua área e sua vida normal.

96 HORASWhere stories live. Discover now