9: Cicatrizes

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No sábado pela manhã, Miyeon ocupava o banco do passageiro na picape enquanto o pai dirigia pela estradinha de terra que levava a fazenda de Wootak. O silêncio pesava no carro; uma fera  adormecida esperando um passo em falso para atacar. Nunca sabia ao certo o que conversar com o pai; a natureza desconfiada do prefeito tornava difícil tocar em alguns assuntos sem que esses virassem um interrogatório. Em algumas ocasiões ele só respondia o que foi perguntado sem dar continuidade ao assunto, o que fazia Miyeon se sentir como uma entrevistadora ansiosa. 

 Ela mexia as mãos sobre o colo, brincando com a textura do vestido macio e torcendo para que chegassem logo ao destino. Não sabia dizer quando foi que a figura do pai passou a lhe causar apreensão, em algum momento entre a inocência da infância e a tomada de consciência, o amor foi sendo reprimido pelo medo de desapontar o pai. Constantemente ponderava o que poderia falar na frente dele e temia cometer algum deslize.

Sabia que o pai a amava; ele sempre a levava para vários lugares e comprava tudo que Miyeon gostava de comer. O armário nunca ficava sem seus biscoitos preferidos e os dois iam ao cinema várias vezes ao ano, mesmo tendo que dirigir uma hora para chegar lá. No entanto, nunca tiveram conversas profundas, duvidava que o pai soubesse qual o filme favorito dela ou qual sua matéria preferida na escola.

Em alguns momentos sentia-se ingrata, como podia reclamar quando outros tinham pais muito piores? Miyeon amava o pai mas, também tinha medo dele. Temia a reação que ele teria caso a visse com algum garoto, caso sequer pensasse que ela estava se envolvendo com algum. E o pior é que era incapaz de explicar o quê exatamente a amedrontava, já que a última vez que apanhou do pai foi aos 8 anos e não passou de um tapa que sequer gerou uma marca física.

  Saiu de seus pensamentos quando o pai parou o carro em frente a cancela de madeira, Wootak já o esperava do outro lado, usando uma blusa branca com algumas manchas de terra e jeans surrados. O local cheirava a grama recém aparada e esterco de porco.

— Você é um sortudo, Seongsu — Wootak deu um tapinha no ombro do prefeito. — A Miyeon herdou toda a beleza da mãe.

 Miyeon apenas sorriu e acenou em agradecimento.

— Por isso que o meu facão fica bem amolado lá em casa. 

Ela engoliu em seco enquanto os seguia, às vezes acreditava que o pai teria mesmo coragem de machucar quem mexesse com ela. Pedir para Jungkook ir ao festival foi um delírio, um erro. Dançar com ele não valeria a ansiedade de ter o olhar inquisidor do pai sobre os dois.

***

 Os porcos guincharam nas baias enquanto a ração era derramada, por sorte o incêndio não atingiu o galpão onde eles ficavam. Embora quase todos fossem acabar virando jantar, morrer queimado seria uma morte muito mais cruel. Miyeon torceu o nariz e ignorou o cheiro forte enquanto se inclinava sobre uma das muretas para olhar melhor uma leitoa cheia de filhotinhos. Alguns corriam agitados pelo espaço enquanto outros mamavam, eram menores que uma régua e totalmente rosados.

— Quer pegar um? — Wootak ofereceu sorrindo.

 Miyeon assentiu analisando o rosto dele. Nada nele lembrava Jungkook, o nariz de Wootak era menor e apesar da idade o maxilar se mantinha muito mais quadrado do que o de seu suposto filho. Tendo olhado as fotos, ficava claro que Jungkook se parecia muito com a mãe mas seria possível não herdar nada do pai?

  

 Mas o que Hayun fazia ali então se não namorava Wootak em segredo?

 Ele estendeu um porquinho para Miyeon que segurou o animal como se fosse um bebê. A pele era macia e ele guinchou de medo ao ser separado da mãe.

Sublime 《 Jungkook 》Donde viven las historias. Descúbrelo ahora