CAPÍTULO 01 - A FENDA

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Orocovis, 20 de março de 2020, 01:08 PM.

As sirenes soavam alto, alarmadas com uma explosão no laboratório de Íris, um laboratório fundado por meus antepassados há alguns anos. Residíamos em um local ermo e isolado, em meio à cidade de Orocovis, situada no coração de Porto Rico.

Em total isolamento, a família Kertész guardava zelosamente o mais precioso segredo da humanidade: a primeira máquina quântica, capaz de realizar a tão almejada viagem no tempo. Para nós, era uma inovação de magnitude sem precedentes, e estávamos convictos de que éramos os únicos a levar adiante esse ambicioso projeto.

Durante incontáveis anos, nossa linhagem dedicou-se incansavelmente a essa máquina que se tornou um segredo inestimável da família. Contudo, as consequências que se seguiram foram drásticas, e aprendemos a manter distância de qualquer laço afetivo que pudesse nos impedir de proteger o segredo a todo custo. Meu pai, Ryan, foi quem mais sofreu com essa grande solidão, e encontrou uma fuga para suas angústias em vícios enganosos.

Desde a mais tenra idade, sentia-me fascinada pelas mais complexas teorias quânticas, e a possibilidade de controlar o tempo me arrebatava. Questionava-me incessantemente sobre o futuro da raça humana, até onde poderíamos evoluir e quando finalmente estabeleceríamos contato com seres extraterrestres e exploraríamos novos planetas. No entanto, tais interesses não eram compartilhados por todos os membros da minha família. Minha irmã mais velha, Alana, diferia bastante de mim, dedicando sua atenção à pele cuidadosamente tratada, aos cabelos loiros hidratados e às unhas longas e primorosamente pintadas, atributos que, francamente, não me despertavam o menor interesse. Com seus cabelos loiros e olhos verdes, meu pai Ryan e sua irmã gêmea Sophia se assemelhavam apenas fisicamente, pois eram extremamente distintos em personalidade e ambições. Não fosse pela evidência de seu nascimento, jamais imaginaríamos que partilharam o mesmo espaço na barriga de Íris, minha querida avó. Esta, por sua vez, era o gênio por trás de toda a evolução da máquina quântica, sempre muito inteligente e ousada, destacando-se por suas grandes ideias e experimentos inovadores na física.

Embora tivesse conquistado grande reconhecimento em sua área, Íris nunca se contentou em apenas isso e, incansavelmente, trabalhava dia e noite em seu projeto, sonhando em explorar a máquina que havia criado e, assim, compartilhar seu feito com o mundo. Com o passar dos anos, seus cabelos grisalhos emaranhavam-se cada vez mais, e seu rosto adquiria rugas com uma facilidade cada vez maior.

Com a evolução do projeto, sentíamos que nosso objetivo estava cada vez mais tangível. Em nossos últimos avanços, tínhamos dado um passo de gigante e ansiávamos pela chegada do último componente: a energia negativa, tema que já vinha sendo estudado por diversos cientistas de renome no mundo inteiro. Contudo, para além de nossas próprias pesquisas, contávamos com a ajuda do governo, que tinha interesse em financiar nosso projeto. Todavia, nos dias atuais, a revelação de nosso segredo poderia resultar em graves consequências, uma vez que a Igreja certamente se oporia e tentaria destruir nosso projeto, considerado temerário e potencialmente perigoso. O mundo vivia impregnado de medo, temeroso de qualquer ferramenta desconhecida. Decidimos, então, manter nosso segredo exclusivamente para nós, sendo nós os únicos que desfrutariam dos benefícios de nossa pesquisa.

A cada alvorecer, nossa família se levantava com a determinação de estar um passo à frente de nossos inimigos, cuidadosos para manter nossos segredos longe de suas garras. Vovó Íris era a mestra da cautela, atenta a cada movimento suspeito, enquanto meu pai Ryan, ansioso, esperava que tudo logo se resolvesse. No entanto, a tensão em nosso lar se tornava cada vez mais palpável, refletindo-se no distanciamento que gradualmente nos acometia. Tínhamos superado inúmeras dificuldades até chegar a este ponto, mas a incerteza pairava sobre nossas cabeças como um nevoeiro denso e opressivo. Nasci diagnosticada com câncer e lutei todos os dias por minha vida. O tempo era a peça mais valiosa que tínhamos, mas o desperdiçamos quando dispomos a aceitar nossa graúda ganância para manipula-lo.

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