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Eu morava bem longe da cidade. Do outro lado da rua havia um outdoor bem grande, estampado pelo anúncio do concurso com as letras coloridas que me chamou a atenção: Concurso para novos Estilistas – WE - Paris. Eu estava dentro do táxi enquanto percorremos a rodovia principal, eu podia admirar o brilho dos prédios refletindo no vidro do carro. Em minha mente passaram-se tantas perguntas. Nesse momento lembrei-me que eu quase não conhecia ninguém da cidade, a não ser é claro alguns clientes mais simpáticos, aqueles que não tentavam sair comigo. Eu reconhecia meu lugar diante daquela cidade tão pequena e ao mesmo tempo tão grande. Nasci e cresci longe dela, mas é dela que eu sempre me lembro. Quando abri a porta de casa tudo estava silencioso.

- Oi...

Ninguém. Troquei de roupa, pendure o casaco que ainda tinha o cheiro dele e testei meu telefone só para ter a certeza de que estava funcionando. Vejo a gaveta aberta. Retiro a pasta e embaixo ainda guardo a foto de Henry, pensei por um momento que devia ter aceitado a proposta de casamento, ou até ter dito a John, que esperaria por ele, ou que iria com ele para qualquer lugar. Como sou burra! Mas ainda tinha minha mãe. Perdida em pensamentos meus olhos encheram-se de lágrimas. O que eu tinha mesmo que fazer era esquecer o passado e pensar como eu sobreviveria quando o homem misterioso fosse embora. Por mais que eu não quisesse admitir, aquilo de fato estava me tirando o sossego. O turbilhão de perguntas surgiam e eu não sabia responder nenhuma delas. Só sabia que com ele eu não podia ficar, pois ele iria embora e Henry, ah eu não pensava mais nele como antes. No entanto, eu não estava procurando um novo namorado, não... Não mesmo! Afinal eu tinha tantas outras coisas para fazer.

Saio de casa para ir até a farmácia comprar xampus, antes atravesso a esquina e entrou na padaria para tomar um café, servem um cappuccino delicioso e vêm àqueles biscoitinhos de polvilho de acompanhamento que derretem na boca. Neste momento penso em vovó e sinto saudades dela.

Na farmácia, percorri por todo corredor até achar o que eu nem sabia que procurava, peguei muitos vidros de xampus até pegar um e levar, a contragosto. Na verdade eu não queria estar ali, mas tinha que fazer alguma coisa para desviar meus pensamentos. Mas minha cabeça não estava me ajudando. Era o pedido de John, a discussão com o papai. Tudo girava, "sua irmã teria feito contabilidade" mordo os lábios de tanta raiva, pensando a respeito do assunto. Ele nem imaginava que os planos dela não eram os mesmo que os dele, e pareciam estar bem longe de ser o que ele queria. É claro que ele não sabia e nunca saberá. No fundo da minha memória vinham as lembranças de Shelen sorrindo, cantarolando pela casa, falando em ser aeromoça só para viajar pelo mundo. Estava tudo ali tão vivo dentro de mim.

Eu tinha que admitir que papai sempre foi um homem em tanto. Honesto; companheiro; trabalhador; ótimo marido, talvez o melhor pai do mundo. Mesmo que tenha se mostrado um cara grosseiro nos últimos anos. Eu não poderia deixar de admirá-lo por tudo que ele representava.

Ainda não consegui entender por que Deus havia permitido isso. Por que a levou assim de mim? Podia ter deixado ela e me levado em seu lugar. Nunca irei esquecer os dias tristes e difíceis que passei ao seu lado, minha irmã. Quanto sofrimento eu presenciei, quantos dias eu quis tirar a sua dor... Como queria que ela estivesse aqui. Tudo seria diferente. Eu sei que seria. Seria melhor. Eu não precisaria escolher nada. A vida seguiria seu curso normal.

Minha irmã faleceu vítima de leucemia, tinha apenas dezesseis anos. Naquela noite nada pode ser feito para salvá-la, a doença havia avançado e parecia ter lhe tirado anos de vida. Veio como uma avalanche, derrubando tudo pelo caminho. Nossa família ficou devastada. Foi depois de sua morte que papai tornou-se esse homem amargo, duro, e, eu, o que eu fiz? Bem, eu tentei ser um pouco da Shelen para mamãe. De repente parei de viver a minha vida. Muitas garotas saem para curtir e eu passava a maior parte do meu tempo em casa, vivendo a vida dela. Claro, que foi de livre e espontânea vontade, ela nunca me pediu nada disso, só que eu sabia o quanto ela precisava de mim, acho que fiz tudo que podia para tentar ajudá-la a recuperar sua alegria. Como se tudo isso não bastasse. Surge ele, John, o homem dos meus sonhos. Há algo gritando dentro do meu peito cheio de cicatrizes.

Como não te AmarOnde histórias criam vida. Descubra agora