O14. insônia e compainha

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    Através do vidro transparente da janela do meu quarto eu podia ver as primeiras luzes do amanhecer se desdobrarem como pinceladas suaves de rosa pálido e dourado, que gradualmente se transformavam em tons mais profundos de laranja e violeta próximo ao horizonte. As nuvens pareciam rendas delicadas, tingidas pelos raios de sol que ainda não alcançavam o céu em sua plenitude. Cada nuvem desenhava contornos suaves, como se um artista tivesse traçado aquarelas no firmamento.

Suspirei admirada, desviando minha atenção daquele lindo céu para a rua. As árvores, enfeitadas com folhagens que variavam do amarelo dourado ao vermelho intenso, balançavam suavemente ao sabor da brisa matinal. Algumas folhas, recém-caídas, criavam um tapete macio e crocante que contrastava com o concreto cinza da rua. Os primeiros raios de sol filtravam-se entre os galhos, criando padrões de sombra e luz que dançavam na rua deserta.

As casas começavam a ganhar vida, com as primeiras luzes internas brilhando através das janelas. No entanto, por agora, tudo estava envolto em uma tranquilidade quase onírica.

Refletir sobre como minha mente estava agitada horas antes me faz apreciar a serenidade que gradualmente se instalou. A tranquilidade que permeia o ambiente parece ter um efeito positivo em minha própria calma.

É estranho encontrar-me mais uma vez testemunhando o amanhecer sem ter sequer cochilado por alguns minutos. É como se estivesse retrocedendo, embora minhas previsões se mostrassem verdadeiras: a limpeza minuciosa do meu quarto desencadeou um reencontro com coisas que evocaram lembranças agradáveis dos tempos com meu ex-namorado. Isso, por sua vez, me afetou de uma maneira que eu não pude evitar.

Curioso pensar que são as memórias mais felizes que frequentemente causam as dores mais profundas.

Me senti frágil quando me peguei chorando enquanto examinava todas aquelas recordações. Perguntas sobre onde errei e o que faltou para que ele me visse como suficiente inundaram minha mente quando joguei tudo fora. É angustiante reviver esses pensamentos, pois compreendo que as ações dele dizem mais sobre seu caráter do que sobre minha própria pessoa.

Nunca entenderei por que nos culpamos tanto em situações como essa, por que indivíduos como nós, que se entregaram de coração, amaram, respeitaram e fizeram tudo pelo bem do outro, carregam essa culpa que não lhes pertence.

Isso realmente me intriga. Se ele foi quem errou, por que eu sinto essa culpabilidade?

Acreditava estar superando, seguindo em frente, mas parece que simplesmente ignorei a dor. Ela voltou com mais força nesse momento de recaída. Fiquei acordada a noite toda, batalhando contra as memórias.

O inferno que ele plantou em mim ainda queima com chamas intensas, cada uma infligindo dor sem piedade.

Meus olhos se fixaram na cerca abaixo. Às vezes, quando me sento no banco de janela como agora, sou invadida por lembranças dos momentos em que o via chegar e corria ao encontro dele. Essas memórias são torturantes, pois parecem irreais.

Se ao menos eu pudesse apagar tudo da minha mente.

Estava absorta, minha atenção focalizada na cerca, quando um movimento inesperado me fez voltar a atenção para um jovem na calçada. Ele permanecia imóvel, olhando para a minha janela. Levou alguns segundos para perceber que era Joseph. Ele acenou para mim, enquanto eu tentava entender o que ele estava fazendo aqui a essa hora.

Joseph ergueu o celular sobre a cabeça, um gesto que interpretei como um sinal de que ele estava prestes a me enviar uma mensagem. Prontamente, alcancei o meu próprio aparelho que estava no parapeito.

Minhas suposições logo se confirmaram. Sua mensagem estava na barra de notificações. Toquei na mensagem, abrindo a conversa dele no Instagram.

"Acordada a essa hora? Caiu da cama, Janelinha?"

Algumas infinidadesWhere stories live. Discover now