CAPÍTULO 06 - Lista Negra

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Nunca Houvera alguém que tenha ficado para semente, além de Cristo, nenhum ser humano rompeu o fio da vida para à eternidade, ao menos ninguém que tenhamos alguma notícia.

A porta abriu-se devagar, os olhos de Lenna buscaram os de Débora. Ali não havia mais a May forte e que superara tantas adversidades. Naquele leito de hospital Débora era a pequena Deby, envolvida nos braços magros da mãe, lágrimas se misturavam. Naquele abraço, longo e demorado, debilitada estava o único elo que existia na vida de Débora.

— Oi mãe. — Diz baixinho nos ouvidos da mãe, sem solta-la do abraço.

Lenna está muito magra, seus olhos fundos e o cabelo preso por um laço. Nunca cuidou do vírus HIV que contraiu em Londres, na década de 80 ainda era considerada uma doença que assolava somente gays, tida como Peste-Gay. Os primeiros sintomas que surgem após ser contaminado com a doença maldita, incluem mal-estar geral, febre e dor de garganta, confundindo-se quase sempre com um resfriado. Como poderia saber que quando foi violentada nos becos escuros de Farringdon havia sido contaminada? Claro que essa possibilidade existia, mas a vergonha, o desespero de se passar por uma situação destas a deixara atordoada, além disso ficara grávida de Débora e ao retornar ao Brasil descobriu que estava contaminada durante o pré-natal.

Lenna estava grávida de primeira viagem e contaminada com o HIV!

— Olá, filha — murmura quase que inaudível. — Precisamos conversar, tenho algumas coisas para lhe dizer antes... — interrompe a frase numa tosse.

— Tome. — Débora aproxima um copo de água aos lábios da mãe. — Não diga isso mãe, não teremos "antes de", irá ficar tudo bem, iremos juntas para casa.

— Não se engane Debby — sentencia Lenna — meus dias estão findando, não tenho muito tempo — os olhos buscando os de Débora compadecidos — sabemos que não temos mais tempo, preciso que me escute apenas — voltando a tossir e quase a perder o fôlego, novamente é amparada pela filha e por uma enfermeira que acabara de adentrar o quarto.

— Senhora Lenna, não pode se esforçar assim – diz a mulher de estatura mediana que coloca dois comprimidos de cor avermelhada na boca de Lenna e em seguida lhe aproxima o copo com água em seus lábios.

Débora observa a tudo com um semblante de tristeza, a mãe despedia-se, ela sabia disso, convivendo com o vírus HIV há mais de 20 anos, estar ainda viva era um milagre, a maioria dos soropositivos não resistiam aos primeiros anos, o AZT, droga criada em 1986, era uma luz no fim do túnel, mas os seus efeitos sempre foram danosos ao organismo, chegando a ser afirmado que não se morria de AIDS e sim de tanto medicamento.

— Mais tarde passo aqui ates do fim do meu turno Senhora Lenna — diz a enfermeira e olhando para Débora num sorriso sem expressão, talvez pela situação e o estado da paciente. Débora retribui num meneio de cabeça.

— Não adianta, Magda, sabemos que meu tempo está acabando — declara e novamente se perde entre tosse e soluços.

— Não diga isso, mãe, tudo ficará bem, verá.

— Você não acredita mesmo nisso, não é — diz — olhe para mim, sou um farrapo humano, não aguento mais essa vida, este sofrimento — coloca-se com o corpo mais próximo da filha e lhe toca com carinho os braços — não fique triste, você é a melhor coisa que me aconteceu. A melhor coisa! — Os olhares se cruzam e uma lágrima rola pela face negra de Débora.

Quando Lenna retornou de Londres ao Brasil possuía uma quantia considerável em dinheiro, foi suficiente para mudar-se de Maceió para Porto das Pedras com o então companheiro que ficara no país. A vida de Lenna não foi fácil, o companheiro soube da contaminação e da gravidez e a violência e humilhações eram constantes. Débora nasceu sem o vírus no sangue, o que foi um verdadeiro milagre para aqueles anos em que se nada sabia da epidemia que se alastrava e vitimava tantas pessoas. Debby era o anjo que viera para alegrar a vida de Lenna e a prova de uma traição que se consumou por meio de uma violência, algo sem precedentes e que definira sua vida para sempre.

— Debby, a casa de Porto das Pedras está vendida, cuidei para que nenhum centavo fosse utilizado pelo seu pai — interrompe a fala num breve silêncio — e durante estes anos que esteve fora desfiz-me da herança de seus avós, de modo que estará amparada depois da minha partida. — Débora direciona um olhar triste para os cateteres que alimentam as veias aparentes da mãe.

— Mãe, iremos sair juntas daqui — diz entremeio a soluços que embargam sua voz. Debby sabe que isso não será possível, o estado de sua mãe não é dos melhores e que aquele momento era é uma despedida.

— Na bolsa, próxima à janela — diz fitando em direção — está um cartão e uma senha, peque-os e tenha uma vida muito feliz minha querida filha — Débora busca a bolsa e pega o que a mãe lhe informara, juntamente aos objetos um livro de capa preta. — Este é um diário — interrompe Lenna antes que a filha lhe questionasse do que se tratava o livro preto em capa dura e com aparência desgastada pelo tempo.

— O que é isso, mãe — indaga, abrindo as primeiras páginas e as lê em voz branda;

Farrigdon – Londres

Fui com alguns amigos a nova danceteria que inaugurara a pouco mais de um mês. Fabric, esse era o nome, me diverti muito, conheci um homem chamado Antony, lindos olhos azuis, eu não queria, mas depois de alguns drinks e incentivos de minhas amigas acabei por ceder aqueles belos par de olhos. O toque dos lábios era suave, as mãos encostavam nas minhas, tudo era como se eu estivesse em um sonho. Dançamos por toda a noite, conversamos animadamente e...

— É um diário mãe — declara fitando a mãe com os olhos semicerrados com uma aparência ainda mais pálida.

— É mais que um diário, é o relato de uma vida — perdesse entremeio as tosses sendo novamente amparada por Débora, os braços com manchas vermelhas e tão magros quanto os de uma criança pequena — abra-o na última página, agora leia para mim.

Lista Negra

Antony Hanssys - Inglaterra

Martin Dupont - França

Rodrigo Ferreira - Portugal

Ruan Lopez - Argentina

Enrico Giuseppe - Itália

Thomas Smith - Canadá

Kevin Cooper – Estados Unidos

Débora não entende em primeiro momento do que se trata, mas logo localiza ao fim da página os dizeres Farrigndon Police Station, City Of Sanderland e conclui que ali estão, de alguma forma, os estupradores de sua mãe.

— São eles mãe? Foram eles? — interroga. — Lenna meneia afirmativamente com a cabeça e uma nova crise de tosse a interrompe seguida de sons emitidos pelos monitores cardíacos, não conseguindo mais respirar e em desespero Débora grita pelas enfermeiras.

— Debby, escute-me filha — sussurra entre palavras descompassadas e dificultadas pela falta de ar nos pulmões — eu te amo, seja feliz, seja feliz... os aparelhos cardíacos emitem nesse momento apenas um alarme contínuo e uma linha se apresenta no monitor, Lenna fecha os olhos lentamente, enquanto Débora desesperada grita pelos corredores. 

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OLÁ, ESPERO QUE TENHAM GOSTADO DA PERSONAGEM, a partir desse capítulo, que será postado integralmente dia 4 de julho, a história será sempre postada as quartas de toda semana e os capítulos serão mais longos, pois a história começará de fato a se desenrolar, nesse capítulo Lista Negra serão apresentados os 7 responsáveis pela desgraça na vida de Lenna e Débora. Espero que gostem, tudo está sendo bem pesquisado para que não existam furos.



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