A LENDA DA NICÁCIA

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A medonha velha tinha uma enorme corcunda

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A medonha velha tinha uma enorme corcunda.
rio Corrente, o lento fragoroso e irrequieto da lenda, interrompe opensamento com sua música de cachoeira e mistérios.

O vago e o terror se apoderam da alma do caboclo que lhe pisa a ribanceira, quando as trevas transformam a mata em fantasmas e o som das águas estrondej antes se quebra nas paredes formadas pela serrania a prumo. Ora é o bufo da Piratinga monstruosa, que traz o calafrio de medo; às vezes, em surdina, ouve-se, à borda, o coro de almas penadas, enquanto pouco distante reboa, impertinente e agudo o riso do sujo, fazendo esfriar a carne nos ossos.

E o rio Corrente vai correndo, vai correndo sempre, misterioso e indómito, com seus monstros que surgem à flor d’água, imitando casas de agreste, com seus "negros d’água", habitadores das lapas profundas e espantalho dos pescadores destemidos.

Entretanto, há muitos anos, o sítio das Limeiras, à margem do Corrente, teve uma horrenda moradora, a feiticeira Nicácia, a amiga do Pé-de-pato, a sétima irmã de um casal e que virava bruxa na Quaresma, sugando então o sangue morno das crianças menores de sete dias. A medonha velha tinha uma enorme corcunda, fazia responsos e, à noite, conversava com os monstros do rio, que lhe obedeciam todos: tinham sido amansados pela feiticeira, com a oração de "São Marcos Bravo", escrita com sangue e rezada detrás para diante. Em cima da cumieira da choupana da Bruxa, morava um corujão espantoso, com cabeça humana e corpo de ave, cujo pio roufenho gelava o sangue nas veias e repercutia muito longe.

Para dominar todos os segredos do Corrente, a velha Nicácia enchia o colo da saia de capulhos de algodão e lançava-os à corrente agitada, que os levava para longe, enquanto a feiticeira rezava o "Salve Noventa".

Certos dias a mandraqueiradesaparecia da cabana, o corujão piava no mato e os capulhos de algodão não rodavam vertiginosamente nos remoinhos do Corrente: era que a Nicácia, segundo dizia o povo, estava confabulando com o. Coisa-Ruim ou então visitava as serpentes do rio.

Depois um fio negro de fumaça saía do agreste da cabana, subindo sempre, subindo sempre e desenhando figuras monstruosas: era a feiticeira que estava de volta das terras do inferno.

Sua predição era terrível e fora feita no meio de trovões e ventania:

O rio Corrente há de crescer tanto um dia, que afogará todos os viventes, voltando ao seu antigo leito na serra da Lontra.

Era o terror que a feiticeira lançava no tímido espírito dos habitantes da região, levando-os a preces continuadas para o afastamento da terrível predição que pesava na cabeça de seus filhos.

Um dia, caiu sobre o Corrente uma tremenda tempestade: as árvores tombadas pelo fogo do céu, o rebojo das águas enfesadas, o grito horripilante do Pé-de-pato tudo trouxe em confusão, durante uma noite inteira, o povo da região.

Ao alvorecer, a calma envolvia a natureza, mas nem da cabana, nem da bruxa feiticeira restava o menor vestígio: a Bruxa fora arrebatada por um coro de moleques,estabelecendo residência no mais escuro poço do Corrente, transformada em horrendo animal.

Seus cabelos cresceram tanto que chegaram aos pés, seu corpo cobriu-se de pêlo denso e grosso, as unhas ficaram enormes e aguçadas, os dentes se alongaram como presas de porco, os pés e as mãos criaram barbatanas.

Foi vista várias vezes aquecendo-se aos raios do sol da manhã, aguçando as presas…

Até hoje aparece à beira do Corrente, amedrontando as lavadeiras e soltando roncos de monstros.

HISTÓRIAS DE TERRORWhere stories live. Discover now