Novo lar

460 125 359
                                    

Quando entrei pela porta com minhas muletas, automaticamente todos os olhos se viraram para mim. Eu sentia que alguns deles cochichavam e outros apenas olhavam sem acreditar, pareciam até que nunca haviam visto ninguém sem uma perna.

— Venha comigo. — disse Ana, abaixei minha cabeça e a segui, assim eu evitava troca de olhares com os que estavam ao meu redor.

— Você deve ser a Nicole, não é? — tinha uma mulher nos esperando em uma sala, era mais pra um escritório, na verdade. Tinha umas estantes com livros que me chamara bastante atenção e tinha aquelas cadeiras fofonas de rodinhas que giram, seria muito legal ficar girando e brincando com aquilo.

— Sim. — decidi ser uma pessoa de poucas palavras, depois do que aconteceu, parecia que qualquer conexão que eu criasse com alguém, acabaria.

— Eu sinto muito pelo que aconteceu aos seus pais, me chamo Maria e você pode falar comigo se precisar de qualquer coisa. — apenas concordei e voltei a me encolher novamente.
Esse orfanato nunca tinha recebido alguém com a mesma situação que a minha antes, então ficava meio difícil subir as enormes escadarias e ir pro andar de cima.

"Iremos resolver isso o mais rápido possível", eles disseram e arrumaram um quarto pra mim no primeiro andar, junto com umas meninas que aparentavam ser mais velhas. Elas riam de mim.

— Ei, novata, já te disseram que está te faltando uma perna? Esqueceu na metade do caminho, foi? — esse com certeza era o pior quarto em que eu poderia ficar.

O pior era saber que eu estava sempre dependendo de alguém pra fazer alguma coisa, como por exemplo: tomar banho. Algo que eu aprendi a fazer sozinha aos 5 anos com mamãe me olhando, agora eu não consigo mais por causa da falta de estrutura desse lugar.

Maria pareceu ser gente boa, até vinha aqui no quarto tentar falar comigo às vezes, eu é que não dava muito assunto.

Acho que meu tempo aqui vai ser longo, já que eu não quero outros pais, pois tive os meus, porém desejo muito poder sair daqui.

— É essa que eu vou usar a partir de agora? — perguntei animada

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

— É essa que eu vou usar a partir de agora? — perguntei animada.

— Sim, essa mesmo. É sua agora. — minha prótese estava finalmente pronta, Ana e Maria conseguiram me ajudar arrumando doações e essas coisas, eu estava finalmente pronta pra andar de novo sem aquelas muletas idiotas ou cadeiras de rodas.

Foi duro conseguir me acostumar, mas com paciência e mais testes pelas vindas constantes ao médico, eu finalmente consegui e voltaria para o orfanato andando.

— Olha lá, Gio, a perneta agora tem uma perna falsa

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

— Olha lá, Gio, a perneta agora tem uma perna falsa. — elas riram, pude ouvir os sussurros, que não foram nada sutis, das minhas ainda colegas de quarto, não é possível que um ano se passou e ninguém quis adotar essas chatas.

Passei um tempinho deitada na cama, até Mary vir me chamar.

— Ei Nick, vai vir um casal hoje conhecer as crianças e principalmente, conhecer você. — ela sorriu — Eu falei muito de ti e eles parecem curiosos e dispostos a te adotar.

— Jura? — meus olhos se encheram de esperanças, pois tudo que eu queria, era sair dali. Não aguentava mais as meninas que dividiam o quarto comigo, algumas brincadeiras idiotas de outras crianças e essas coisas.

— Juro, se apronte. Coloque sua melhor roupa e me encontre na minha sala. — ela disse e saiu toda animada.

Confesso que fiquei um pouco feliz com a notícia também, pois depois desse tempo aqui, percebi que não seria tão ruim ser adotada assim como desistir da vida seria errado.

Pelo visto o casal acabou chegando mais cedo do que o esperado, pois quando eu cheguei perto, pude perceber que já estavam conversando há um tempo, ao me aproximar ainda mais da porta, percebi que falavam de mim e pelo visto Mary ainda não tinha f...

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Pelo visto o casal acabou chegando mais cedo do que o esperado, pois quando eu cheguei perto, pude perceber que já estavam conversando há um tempo, ao me aproximar ainda mais da porta, percebi que falavam de mim e pelo visto Mary ainda não tinha falado tudo pra eles.

— Você está me dizendo que ela só tem uma perna? — o homem parecia furioso ao perguntar isso. — Nós queremos adotar uma filha saudável.

— Mas ela é saudável — Maria insistiu. — e linda. Caridosa, bondosa e merece pais que a aceite e ame como ela é.

— Aposto que os antigos a deixaram por causa disso, pelo trabalho que daria criar uma criança deficiente. — como um casal se pode parecer tanto? A mulher que parecia ser mais amorosa e compreensiva, acabou virando uma bruxa com essas palavras.

— Eles não a deixaram, — ela parou e respirou fundo, aposto que a mão dela já estava coçando pra dar uns tapas neles. — morreram em um acidente que aconteceu no dia do aniversário de seis anos dela, Nicole foi a única sobrevivente dos dois carros que colidiram, mas infelizmente, além de custar sua família, custou sua perna também. — Mary explicou tentando manter a calma.

— História comovente, mas eu não vou amar uma perneta como filha, esta é minha palavra final. — com tudo isso acabei bambeando fazendo eles perceberem que a porta estava entreaberta e eu estava lá, escutando tudo que haviam dito.

Sinto que o casal engoliu a seco tudo que disse ao me ver ali com lágrimas escorrendo pelo meu rosto.

— Oh, meu Deus... Nicole... — Mary tentou vir em minha direção, mas antes que ela pudesse chegar até mim e provavelmente me abraçar, sai andando o mais rápido que podia deixando-os completamente pra trás, mas enquanto eu saía dali ainda deu pra ouvir um pouco do final do assunto já que por minha culpa todos acabaram alterando seu tom de voz.

— Ninguém a ensinou que é feio ouvir a conversa dos outros? — perguntou a mulher querendo tirar vantagem e ter pelo menos um pingo de razão.

— Vou pedir que se retirem do meu orfanato.

— O quê? Por quê? — perguntaram juntos.

— Porque vocês são prepotentes e ignorantes. Não servem pra serem pais da Nicole e muito menos de qualquer outra criança aqui, não quero que elas aprendam a ser como vocês, chega de gente assim no mundo. Vocês têm cinco minutos pra saírem. — e pelo visto Maria deixou o casal falando sozinho e também se retirou, depois eu pergunto a ela o que "prepotente" significa, pois eu nunca ouvi essa palavra na vida.

Andei  o mais rápido que podia e vim para o jardim, sentei na fonte e comecei a chorar novamente.

"Perneta" eu não aguenta mais ouvir tanta gente me chamando assim e não consigo acreditar que adultos poderiam agir como crianças.

Já estava de noite então eu sabia que ninguém iria me incomodar ou pelo menos esperava isso.

— Ei, o que faz perdida por aqui? — era a voz de um menino, ele se aproximou de mim e sentou do meu lado. — Nossa! — ele disse como se fosse a coisa mais legal do mundo — Você é um robô? — eu o encarei e logo seu rosto mudou de expressão. — Você está chorando? Meu Deus, não chore! Venha cá. — ele me abraçou sem que eu pudesse evitar.

— O que pensa que está fazendo?

— Minha mãe disse que quando as pessoas estão tristes, o melhor a se fazer, é abraçá-las. — ele sorriu. — E aliás, me chamo Bryan e você?

— Nicole. — respondi e seguimos quietos por um tempinho.

Ligados pelo destinoWhere stories live. Discover now