capítulo 2

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De repente as coisas mudaram.

Comecei a me sentir mais lento, enquanto tudo ao redor ficava mais rápido. É realmente impressionante o que um pouco de pó pode fazer.

— Como está se sentindo? — você perguntou.

Você estava me olhando de olhos arregalados. Abri a boca para lhe dizer que estava bem, mas não entendi o que falei. Só saiu uma mixórdia de sons; minha língua estava grossa e pesada demais para formar palavras.

Lembro que as luzes se tornaram manchas incandescentes. Lembro que o ar-condicionado começou a enregelar meus braços. O aroma do café se misturou ao de eucalipto. Sua mão agarrou a minha com força e você me raptou.

Devo ter derrubado sua xícara de café quando me levantei cambaleando. Encontrei uma marca de queimadura na perna mais tarde, uma mancha cor-de-rosa sobre o meu joelho esquerdo. Ainda a tenho. Ficou um pouco enrugada como a pele de um elefante. Você me fez andar depressa. Pensei que você estava me levando para meu voo, para onde meus pais estavam me aguardando.

Era um caminho longo, muito mais longo do que eu me lembrava. Quando você me arrastou pelas esteiras rolantes, tive a impressão de que estávamos voando. Você conversou com pessoas de uniforme e me abraçou como se eu fosse seu namorado. Eu acenei com a cabeça para eles e sorri. Você me conduziu por algumas escadas. Meus joelhos não queriam dobrar, no início, o que me fez dar risinhos.

De repente, minhas rótulas ficaram moles como marshmallows. O ar fresco bateu no meu rosto, cheirando a flores, cigarros e cerveja. Havia outras pessoas em volta, falando baixinho, mas guinchando como macacos quando riam. Você me puxou até algumas moitas e contornou um prédio. Um galho se prendeu nos meus cabelos. Nós estávamos perto dos latões de lixo.

Senti cheiro de frutas podres. Você me abraçou novamente, inclinou meu rosto para você e me disse alguma coisa. Tudo em você estava fora de foco, flutuando nos vapores das lixeiras. Sua linda boca se movia como uma lagarta.

Estendi a mão e tentei tocá-la. Você envolveu meus dedos com os seus. O calor que você emanava subiu pelo meu braço. Você falou outra coisa. Eu assenti com a cabeça. Alguma parte de mim entendeu. Comecei a me despir. Me apoiei em você para tirar meu short. Você me deu roupas novas. Uma calça e um sapato. Depois se virou de costas. Acho que vesti as roupas. Não sei como. Então você tirou a camisa. Antes que vestisse a outra, estendi a mão e apalpei suas costas. Mornas e firmes, marrons como casca de árvore. Não sei o
que eu estava pensando, ou mesmo se estava pensando, mas me lembro de que precisava tocar na sua pele. E da sensação que tive.

É estranho me lembrar mais do toque do que dos pensamentos. Mas a lembrança ainda fazia meus dedos formigarem.

Você também fez outras coisas: pôs um boné sobre a minha cabeça e algo escuro sobre os meus olhos. Eu me movia devagar. Meu cérebro não conseguia acompanhar meus movimentos. Ouvi um barulho surdo de algo caindo numa lata de lixo. Senti uma coisa pegajosa nos lábios.  Você me deu um chocolate. Saboroso. Escuro. Macio. Líquido por dentro.

As coisas ficaram ainda mais confusas. Quando olhei para baixo, não consegui enxergar meus pés. Quando começamos a andar, senti como se estivesse caminhando sobre cotocos de pernas. Comecei a entrar em pânico, mas você colocou o braço em volta de mim.

Morno e sólido... tranquilizador. Fechei os olhos e tentei pensar. Não conseguia lembrar onde tinha deixado a bolsa. Não conseguia me lembrar de nada.

Havia pessoas em torno de nós. Você me empurrou até uma multidão de rostos e matizes indistintos. Você deve ter pensado em tudo: uma passagem, um novo passaporte, uma rota, como passar pela segurança.

Stolen (L.S Version)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora