capítulo 3

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No final, acabei cedendo. Mas não porque quisesse fazer a sua vontade. Resolvi ir porque não estava acreditando que não existisse nada lá fora. Tinha que haver alguma coisa; uma cidade ao longe, uma estrada ou mesmo cabos de eletricidade.

Nenhum lugar é totalmente um deserto. Você desamarrou meus pés, retirou as ataduras enroladas neles e os apalpou. Não doeu como eu pensei que doeria. Você também examinou meu pulso. O corte estava vermelho-acastanhado e coberto de crostas, mas não havia sangue fresco.

Você tentou me levantar da cama, mas eu empurrei você. Esta simples ação foi o suficiente para que eu começasse a tremer. Mesmo assim, rolei na cama e desci pelo outro lado.

-Posso fazer isso sozinho.

-Claro, eu esqueci - você disse. - Eu ainda não cortei fora as suas pernas.

Você riu da própria piada. Ignorei você.

Minhas pernas tremiam tanto que me foi difícil levantar. Tentei dar um passo. Meu pé se contraiu de dor. Engoli em seco. Mas sabia que não poderia permanecer naquele quarto para sempre. Você se virou de costas enquanto eu vestia a calça, que fora lavada e secada; as marcas de terra haviam sumido. Eu me sentia extremamente fraco quando saí do quarto, prestes a desmaiar. Lamentei não ter aceitado mais comida quando você me ofereceu.

Caminhei pelo corredor e você me seguiu. Você não fazia barulho ao caminhar, nem mesmo um rangido no piso. Eu me dirigi à cozinha, mas você segurou meu braço. Seu toque me fez tremer mais. Não consegui olhar para você.

-Por aqui - você disse.

Eu me desvencilhei dos seus dedos e me mantive a alguns passos de distância. Você atravessou a sala, onde as cortinas ainda estavam abaixadas. Tive que piscar muito para enxergar alguma coisa. De repente, algo perfurou meu pé. Uma dor subiu pela minha perna. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu as enxuguei antes que você percebesse.

Levantei o pé e puxei um pequeno prego dourado, do tipo usado para pendurar quadros. Perguntei a mim mesmo o que aquilo estaria fazendo ali, se não havia quadros em lugar nenhum. Atravessamos uma espécie de vestíbulo que levava ao outro lado da residência.

Você abriu uma porta. Tive que apertar os olhos por causa da claridade. Estávamos diante de uma varanda, que ocupava toda a largura da casa. Capenguei até um sofá de vime e me arriei nele. Depois levantei o pé, para massagear a marca vermelha deixada pelo prego.

Quando levantei os olhos, avistei os rochedos. Eram enormes, lisos e arredondados. Estavam talvez a cinquenta metros da casa e tinham duas vezes o comprimento dela. Era como se fossem um punhado de bolas de gude deixadas lá por algum gigante. Os dois maiores tinham grandes fissuras na superfície e se erguiam bem em frente à casa, ladeados por cinco rochedos menores. Árvores pontiagudas as circundavam e também brotavam em meio a elas.

Aquelas pedras avermelhadas, que se erguiam do chão como polegares. Eram muito diferentes do restante da paisagem. Após alguns momentos percebi que sua tonalidade rubi era um efeito do sol poente, que incidia sobre a superfície arenosa.

-Os Separados - você disse. - É assim que chamo esses rochedos. Eles são diferentes... como se estivessem... separados de tudo. Quer dizer, de tudo que existe por aqui. Estão sozinhos, mas pelo menos nisso estão juntos.

Você se postou ao lado do sofá. Eu me afastei para o outro lado. Você pegou uma tira de vime e puxou até soltá-la.

-Por que eu não vi essas pedras antes? - perguntei. - Quando eu corri?

-Você não estava olhando. -Você largou a tira de vime e olhou para mim. Evitei olhar para você. Você se encostou num dos pilares da varanda.

-Naquela hora você estava nervoso demais para ver muita coisa.

Stolen (L.S Version)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora