capítulo 10

3.7K 342 396
                                    

Naquela noite ventou. Deitado na cama, ouvi o vento levantar a areia e arremessá-la contra o madeirame e as janelas da casa. Era como uma rajada de tiros. Ou de chuva. Fechando os
olhos, eu quase conseguia imaginar que era uma chuva inglesa, tamborilando ao meu redor num dia de verão, encharcando os jardins e os campos, inundando o Tâmisa e os esgotos perto da minha casa.

Eu já tinha me esquecido de como o som da chuva pode ser reconfortante, de como pode nos dar uma sensação de segurança.

Você foi se deitar antes de mim, naquela noite. Estava muito calado, desiludido comigo, eu acho.

Sua aventura não tivera  o resultado que esperava. Será que você estava começando a se arrepender? Estaria achando que tinha escolhido o garoto errado? Ou talvez apenas tenha percebido, pela primeira vez, que eu era um garoto comum, sem nada de especial, um desapontamento tão grande para você quanto para qualquer outra pessoa. Eu me virei e
dei um tapa no travesseiro, aborrecido com esses pensamentos e por ainda estar acordado.

De repente, ouvi você gritar. Foi um som que varou o silêncio e me fez dar um pulo na cama. Um som desesperado, animalesco, que parecia vir do seu íntimo mais profundo. A coisa mais alta que ouvi em muitos dias.

Meu primeiro pensamento foi o de que havia mais alguém na casa. Alguém que tivesse vindo me resgatar e estava primeiro se livrando de você. Mas foi uma ideia idiota. Ninguém resgata ninguém assim, exceto nos filmes. E com certeza não no deserto. No deserto, a equipe de resgate chegaria de avião e cercaria a casa com holofotes e barulho. E nós ouviríamos qualquer um chegar mesmo que estivesse a quilômetros.

Mesmo assim, fiquei atento a ruídos provenientes do lado de fora ou passos na varanda. Mas não ouvi nenhuma batida, nada que sugerisse que havia outra pessoa na área. Somente eu. Somente você. E a única coisa que eu conseguia ouvir eram seus gritos.

Além de gritar, você também dizia alguma coisa, mas não consegui entender o que era. Entre uma coisa e outra, você parecia estar chorando. Eu me levantei da cama. Peguei a faca. Andei até a porta do quarto na ponta dos pés, devagar e em silêncio. Quando você gritou de novo, eu puxei a maçaneta, usando o seu grito para camuflar o rangido. Saí para o corredor.

Não vi nenhum vulto, nenhuma pessoa. Mas seus gritos ficaram mais altos, roucos, e ecoaram por toda a casa. A sua porta estava entreaberta. Encostei o ouvido na fresta e fiquei escutando. Houve alguns segundos de silêncio, talvez até um minuto ou dois.

Então ouvi você chorar baixinho. Mas o choro aumentou rapidamente até se tornar incontrolável e desesperado, do modo como uma criança às vezes chora.

Espiei pela abertura, tentando enxergar na penumbra. Alguma coisa estava se mexendo na sua cama: você. Não havia outro movimento. Abri mais a porta.

— Hazz?

Você continuou a chorar. Dei um passo na sua direção. Uma tênue claridade entrava pela janela e iluminava o seu rosto, revelando suas bochechas molhadas. Você estava de olhos fechados.

Dei mais um passo.

— Harry? Você está acordado?

Com os punhos cerrados, você socava o pulôver enrolado que usava como travesseiro. Seu lençol tinha escorregado, expondo suas costas no colchão descoberto. Esticado como estava, você parecia grande demais para a cama. Suas costas eram longas e retas, longas como um tronco de árvore.

Mas naquele momento você tremia como um arbusto. Abri totalmente a porta e observei o aposento. A janela se encontrava fechada, e não havia nada sugerindo que alguém tivesse
entrado no quarto. Fosse qual fosse o motivo, você estava gritando durante o sono.

Stolen (L.S Version)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora