capítulo 6

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Eu não conseguia mais dormir. Sentia dor na bexiga, e uma rigidez no corpo todo. Mas queria me mexer. Cuidadosamente, dobrei os joelhos. Apertei os dedos dos pés e passei a língua nos lábios ressecados. Ao me arrastar para fora do colchão senti os braços enfraquecidos. Minhas pernas tremeram quando tentei me pôr de pé.

Vesti roupas novas, que retirei da gaveta. O short estava largo demais na cintura e nos quadris. Provavelmente essas roupas eram suas.

Fui até o banheiro e urinei no buraco. Depois abri a torneira, que vomitou jatos de água quente com partículas marrons. Lavei o rosto. Depois enfiei a cabeça embaixo da torneira e bebi água. No minúsculo espelho rachado, observei a água cair sobre mim. Meus olhos estavam ligeiramente inchados e o pouco sol que eu tinha apanhado fizera meu nariz descascar.

Eu parecia mais velho.

Você estava na cozinha, sentado à mesa de cabeça baixa, lendo palavras manuscritas e pedaços de papel. Você olhou para mim e voltou ao que estava fazendo. Pequenos recipientes de vidro estavam espalhados ao seu redor; alguns deles continham líquidos, alguns estavam vazios. Você pegou um e franziu os olhos para ler rótulo. Mantendo o recipiente à luz da janela, escreveu alguma coisa num papel. A gaveta que ficava trancada estava aberta, mas eu não consegui ver o que estava lá dentro.

Em cima de um banco, havia uma coisa que parecia uma agulha. Meu estômago meio que se revolveu. Tudo à sua volta apontava para uma coisa: drogas. Talvez as drogas que você tinha usado em mim, talvez outras que você ainda pretendia usar.

Dei um passo para trás. Você não levantou os olhos. Pela primeira vez você mais estava entretido com outra coisa do que comigo.

Atravessei o pequeno vestíbulo, passando pelas baterias e prateleiras, e cheguei à varanda. Fiquei olhando para o chão até meus olhos se acostumarem com a claridade. Quando consegui enxergar sem apertar muito os olhos, me encostei na balaustrada e olhei para os Separados. A cerca que você tinha construído ainda estava de pé. Os rochedos continuavam como sempre.

De onde eu me encontrava, ninguém jamais adivinharia quanta vida e quanta vegetação aquelas rochas abrigavam, ninguém acreditaria que passarinhos cantavam lá dentro. Aquelas pedras eram misteriosas e estranhas. Como você.

Olhei para o céu azul e sem nuvens. Não vi aviões, nem helicópteros. Nenhuma missão de resgate.

Deitado na cama, eu tivera a ideia de escrever "socorro" na areia, mas logo percebei que era uma ideia muito boba, já que ninguém sobrevoava aquele lugar. Eu me virei para olhar o resto da paisagem: horizonte, horizonte, Separados, horizonte, horizonte... não havia para onde fugir.

Ouvi seus passos e o barulho da porta antes de ver você na varanda.

— Você se levantou — disse. — Fico contente.

Eu me encaminhei para o sofá de vime.

— Por que hoje? — você perguntou.

Parecia curioso de verdade.

Mas eu estava dominado pela tristeza. Sabia que se abrisse a boca, botaria tudo para fora. E não queria que você conseguisse nada de mim, nem mesmo isso. Mas você continuou tentando.

— Bonito dia — você disse —, quente e calmo.

Eu me apoiei no braço do sofá, fazendo o vime estalar.

— Você quer comer?

Olhei direto para a frente e me concentrei nos buracos dos rochedos.

— Sente aí — você disse.

Stolen (L.S Version)Where stories live. Discover now