Capitulo 1 "Voltar para a casa dos meus pais era o que queria dizer. .."

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Lembro-me bastante bem da primeira vez que o vi. Estava sentada na sala, um auditório enorme, as mesas e os bancos corridos. Devia estar sentada na quarta fila com as pernas cruzadas, na esperança de me sentir mais confortável. Estava tremendamente nervosa, não conhecia ninguém e tinha uma bola de ansiedade no estômago. Um rapaz sentou-se á minha frente. Cabelo encaracolado, tinha uma tatuagem por cima da mão. Uma ancora pareceu-me. Senti-me momentaneamente hipnotizada com a tinta preta que se espalhava pela pele como um rio. Ele virou-se de repente e os olhos dele pareciam facas afiadas. Afastei-me o mais que pude contra o banco. Ele sorriu e pediu-me uma caneta. Cedia-a gentilmente. Na minha cabeça aquele rapaz lindo e eu podíamos muito bem vir a constituir uma família. Estávamos os dois ali, a estudar a mesma disciplina de cultura inglesa, ali ficaríamos durante três anos... ia ser amiga dele, depois ia levá-lo a casa pelo dia de ação de graças, estávamos destinados.

Até que na segunda aula ele abriu a boca para descordar de mim numa pergunta sobre o caso Trent, que por sinal tinha muito pouco a ver com o que era o programa. E assim que ele abriu a boca nessa aula comecei a detesta-lo um bocadinho mais a cada dia, até que posso dizer que atingimos o nosso ponto mais baixo quando a meio do segundo ano agarrei num pesa papeis do gabinete do nosso orientador de curso e tentei mandá-lo contra a sua cabeça...essa história fica para outro dia.

Agora aqui estou eu, deitada na cama enquanto o sol brilha com força lá fora. Uma parte de mim quer ficar aqui e sufocar debaixo das mantas até a esperança de não o voltar a ver apareça para me iluminar. Alguém bate na minha porta e por um minuto contemplo acabar com isto de uma vez e mudar de casa...voltar para a casa dos meus pais era o que queria dizer.

A porta do meu apartamento emite um estrondo e resmungo para mim mesma puxando as mantas para cima da cabeça. Estou a começar a detestar a quinta feira e ainda nem sequer sai de casa.

-Julieta senão saíres dentro de vinte minutos chegas atrasada.

Eu não vivo com os meus pais, mas Rose vive no apartamento da frente e desde que me mudei que nos temos dado muito bem. Temos aulas de pilates juntas e gostamos de acordar depois das noves. Contei-lhe sobre o meu emprego e o meu colega indesejado e acho que ela percebeu que fiquei psicologicamente arrasada. Disse-lhe para senão saísse de casa ás sete e meia para apanhar o metro que me batesse á porta, não pensei nunca que ela o fosse fazer.

-Vou já!

Os meus pés deslizam para fora da cama e esfrego a cara. Devo parecer terrível neste preciso momento, com a cara inchada e os lábios duas vezes o seu tamanho normal por insistir em dormir de boca aberta...e ressonar, ás vezes oiço-me a mim mesma.

Deslizo para dentro de umas calças pretas e visto uma camisola interior cheia de bonecos verdes antes de meter uma camisola de lã creme e voltar a ser a Julieta do escritório.

Faço um chá e tiro duas bolachas de um jarro de vidro e quando olho para trás percebo que não fiz a cama. A parte boa de viver numa cidade é ver o mundo acontecer debaixo dos nossos pés, a parte má que com a renda que pago aqui podia ter uma casa com quartos de facto e não uma meia sala/quarto/cozinha. A chaleira começa a ferver e antes de poder fazer a cama tiro-a do lume. Dez minutos depois sou uma camada de casacos, gorro, cachecol e guarda chuva. A minha mala desliza por não saber onde está o meu ombro, mas tento não me irritar.

Desço as escadas a correr e o frio da manhã bate-me com força no pequeno espaço de cara que tenho por cobrir. Corro para o metro e apetece-me bater em mim mesma por deixar isto acontecer.

Quando chego ao edifício 327 mostro o meu cartão ao segurança e passo para dentro das cancelas. Poiso as minhas coisas num sofá e começo a retirar camadas. Sacudo o cabelo e sinto-me grata por ter dormido de tranças. Alguém me abana o ombro e vejo a Megan.

Two ways to lie *Concluida*Where stories live. Discover now