Capítulo 54 "...duas maneiras de mentir"

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             Ultimo capítulo

O som da bateria que sai pelos meus fones de ouvido deixa-me meio mole e um toque no meu braço desperta-me. Harry está ao meu lado, cabelos castanhos encaracolados e olhos verdes cansados. O seu nariz esfrega a minha bochecha e eu bocejo em conforto.

-Quanta vezes é que já ouviste essa música desde que entraste no avião?- A sua voz parece mel, doce primeiro e de seguida tão doce que se torna áspero.

-Muitas, a repetição faz-me dormir.

-Como é que não ficas maluca com isso?

-Tu és demasiado intenso para perceber a beleza de ouvir cem vezes a mesma musica e ainda assim encontrar alguma coisa que te sossega e acalma.

-São três minutos da mesma pessoa a dizer a mesma coisa. Repetidamente.

-Agora estou a prestar atenção à bateria, da próxima vez vou ouvir a guitarra.

O silencio que se segue faz-me fechar os olhos e enroscar a cabeça ao seu braço. Detesto andar de avião, no entanto quando fecho os olhos parece que não sai de casa, música baixinha, e o braço dele como almofada. É como estar na cama a um domingo de manhã.

-Estás bem?

Abro um olho e abano a cabeça. O quê exatamente está ele a perguntar?

-Não vais arrepender-te de vir comigo?- O lábio dele fica preso entro os seus dedos e quero dizer-lhe que isso é algo realmente nojento para se fazer tendo em conta que estamos num avião cheio de germes. No entanto em vez disso endireito-me e tiro os fones dos ouvidos.

-Agora sou eu por ti, e daqui a algum tempo és tu por mim, e há de chegar o dia em que não é ninguém por ninguém porque felizmente este tipo de coisas não está sempre a acontecer.

Quero mesmo que ele saiba isto. Eu amo-o. E passei demasiado tempo sem ele, demasiado tempo a fechar-me numa caixa para que ele não em encontrasse novamente. Ele encontrou, pediu perdão e foi a minha escolha aceitá-lo. Eu quero ficar com ele e se para isso preciso de ceder em alguma coisa então vou fazê-lo.

Imagino-me, há cinco anos atrás, na sala comum a olhar para ele por cima de um livro, na esperança de que ele nunca olhasse para mim, para que eu pudesse continuar o escrutínio. Eventualmente ele subia um canto do lábio e depois piscava-me o olho. Eu enlouquecia. Ele sempre teve alguma coisa...qualquer coisa que me deixava pronta para subir paredes. Foi assim quando eu tinha dezoito anos e é assim agora, sentada ao lado dele num avião para os Estados Unidos.

Há uma parte de cada um de nós negra, escura, que dificilmente aceitamos, achamos que estamos sujos, que estas sensações nos são estranhas, não nos pertencem. É algo animalesco escondido camada abaixo de camada por milhares de anos de autocontrole, e por vezes acontece que conhecemos alguém que nos fala a um nível tão profundo que faz todo o nosso amago estremecer. Esse é o Harry. Ele fala comigo sem usar palavras, e toca-me sem os dedos. Ele faz magia comigo, daquela que eu pensava ter perdido depois de entrar na adolescência. A minha imaginação ganha braços que se emaranham por quilómetros e quilómetros.

-Eu amo-te.- Os lábios dele mexem-se sem som e eu aperto-o mais contra mim.

O Harry anda com as caixas das mudanças para cima e para baixo no pequeno estúdio que alugámos e parece que de todas as vezes que vai até ao carro das mudanças fica mais frustrado.

-Incrível como um tipo todo suado e musculoso pode parecer tão engraçado a descarregar caixas.- Digo sentada das escadas que dão para o quarto.

-Podias ajudar-me...

-Eu? A pessoa que descarregou metade do carro durante o dia? Não meu querido, agora é a tua vez.

Two ways to lie *Concluida*Where stories live. Discover now