Dois

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- O melhor filme que eu já assisti na minha vida! Valeu tão a pena... Superou todas as minhas expectativas. – eu declarei e vi meu irmão do meio revirar os olhos.

- É bonzinho.

- BONZINHO? É UMA OBRA PRIMA! – eu esbravejava em pleno shopping e Tomás escondia o rosto de vergonha.

Procurando Dory era simplesmente genial e ninguém podia negar isso. Obviamente, jamais seria como o primeiro ou como Divertida Mente, minha animação preferida do universo da Pixar, mas valeu cada um dos dias de ansiedade pela estreia.

Alicia não se convenceu com a minha promessa de companhia para assistir à sua série médica favorita e recusou prontamente meu convite para assistir ao filme, o que me fez ficar brava por cerca de cinco minutos, como sempre acontecia. Por sorte, um dos meus irmãos gêmeos do meio resolveu fazer uma visita a Madrid - surpresa pra mim, diga-se de passagem – para conhecer as faculdades da capital espanhola e concordou na mesma hora em me acompanhar na sessão.

Eu vinha de uma grande família de sete membros. Meus pais, dona Madalena e senhor Jaime, eram casados há quase 30 anos e meu maior exemplo de relacionamentos. Se apaixonaram à primeira vista na primeira festa da faculdade: ela estudava Comunicação e ele Medicina. Se casaram quando ele se formou e logo decidiram começar uma família.

Eu era a primogênita e única menina, e amava ser essas duas coisas.

Em seguida, meus pais me presentearam com um par de gêmeos, Tomás e Enrique, que não podiam ser mais diferentes: Tomás era estudioso, sempre gostou de ler e aos poucos tomava gosto pela escrita. Enquanto isso, Enrique se aventurava pelos campinhos de futebol por Palma, muitas vezes acompanhado de Marco, que mesmo sendo quatro anos mais velho, era muito parceiro do gêmeo.

Quatro anos mais tarde, nasceu Antonio, que em breve completaria doze anos e parecia crescer cada vez mais rápido. Viciado em videogames, meu terceiro irmão do meio vez ou outra arrumava problemas na escola por causa dos fones de ouvido, ou pela falta de alguma atividade ou nota baixa. Nada que uma conversa séria de dona Madalena não colocasse tudo nos eixos novamente, pelo menos por alguns dias.

Pegando a família totalmente de surpresa, Daniel nasceu nove anos depois, trazendo novamente todo o clima infantil a uma casa com adolescentes e pré adolescentes. Recebendo toda a atenção da casa, dos pais e irmãos, Dani tinha de tudo pra se tornar uma criança mimada. Contrariou as expectativas ao se mostrar a criança mais carinhosa e doce que eu conhecia. Muito apegado a mim e ao Tomás, o caçula agora começava a pré escola, e queria exibir todas as suas pequenas conquistas pra família toda.

- É só bonzinho, Flora.

- Você ao menos se lembra do primeiro?

- Não.

- ENTÃO TÁ EXPLICADO! – eu quase gritei enquanto descíamos pela escada rolante. – Você tem que ver o primeiro pra esse poder fazer sentido!

- Se eu disser que concordo você para com esse escândalo?

- Que vergonha de mim, garoto! Você já foi mais legal.

- Você também já foi menos escandalosa.

Eu mostrei a língua e Tomás riu da minha atitude infantil. Continuamos caminhando em direção à Praça de alimentação do shopping, ambos morrendo de fome.

- De quais faculdades você gostou até agora?

- Para minha felicidade ou sua infelicidade, a UCM está na disputa. Gostei de algumas em Barcelona também. E definitivamente gosto de Salamanca. É a faculdade que Hernán Cortez estudou, você tem noção disso, Flora? Mas preciso saber onde vou ser aceito. Tia Inês sugeriu que eu me inscrevesse em algumas fora do país. Sorbonne, por exemplo. – ele disse com a maior naturalidade do mundo, e pra ele era, enquanto nos sentávamos em uma mesa livre.

LuckyWhere stories live. Discover now