Paz e Caos

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O universo pode ser definido de várias formas e ter muitas aparências, aqui existem duas figuras, com tamanho poder e igualmente parecidos em grandiosidade. Alguns os chamam de Deus, outros de algo maior, os mais antigos, Paz e Caos, um casal de irmãos.

Ela é a própria Paz, sua essência se baseia em simplesmente não sentir, a ausência de tudo que for humano traz a paz. Os sentidos, sentimentos e os prazeres causados por eles simplesmente não existem, "nada" é sua definição, pois só estaremos em completa paz, quando estivermos completamente desprovidos do sentir. Mesmo sendo alguém de tamanho poder, Paz está eternamente aprisionada à uma maldição, sempre habitará o corpo que mais sente, para sempre ela será uma criança que não é capaz de sentir nada. O desejo de corresponder a sua forma corpórea faz com que ela caminhe por uma estrada tênue em busca do sentir, sendo capaz de fazer qualquer coisa, apenas para sentir algo por suas ações.

Em algum lugar na amplidão de tudo, Paz e Caos observam o mundo humano através de um pequeno riacho, tudo é tão belo que parece uma pintura, a areia do chão é tão macia que sentir os pés tocando-a é maravilhoso, o riacho é tão límpido que parece um cristal, dia e noite são coisas inexistentes nesse ambiente, mas de vez em quando uma brisa quente sopra, essa brisa tem hora e data marcada, sempre que chega eles sabem o que vai acontecer.

Há muito tempo atrás, mais tempo que os dois são capazes de lembrar foi dito que a cada quinhentos anos, um ser nascido em meio a guerra, filho ou filha de guerreiros, teria uma alma tão pura, que transcenderia a humanidade, este ser teria um aspecto próprio, um aspecto que todos temos, mas que nele seria único, isso o daria dons, forças inimagináveis, a partir daí ele não poderia ser chamado de humano. Por isso eles nomearam seres assim de deuses.

Caos sentiu uma brisa quente que a muito não sentia, já havia exatos quinhentos anos desde a última vez que ele visitara a terra, a ansiedade de fazer a viagem logo o corroía por dentro.

Ele era tudo e todos, sentir era seu maior dom e sua maior maldição. Ele sentia tudo com uma intensidade indescritível, amava como o melhor dos amantes, sorria com a mais pura felicidade, tinha compaixão até por uma pedra, mas a balança sempre precisa estar equilibrada, ele o próprio Caos, sente tudo e todos, sente toda a tristeza existente no mundo, toda mágoa, dor, raiva, ódio, o ser que mais amava era também o que mais odiava, muitas vezes seus sentimentos entravam em conflito em situações delicadas, e ele, um dos mais poderosos seres, parecia um pequeno bebê, indefeso, perdido, precisando de um guia para ajudá-lo.

— Precisamos nos apressar — diz Caos com empolgação — Ainda hoje partiremos!

Paz não partilha do mesmo entusiasmo que Caos, e definitivamente não gostaria de apressar as coisas.

— Não deveríamos nos aproximar até que o nome seja declarado — diz Paz calmamente.

— Bobagem, sempre esperamos tempo demais, e quando chegamos outros deuses já estão lá para o reconhecimento! — exalta Caos — Estou cansado de ser o último a chegar, quero sentir essa sensação gostosa, nós não sentimos isso a séculos!

Paz ponderou por um tempo, mas por fim aceitou o pedido do irmão.

— Tudo bem, talvez algo seja diferente dessa vez, — Paz explica calmamente à Caos — você deve sempre se lembrar de...

— Nunca me intrometer no livre arbítrio de um humano ou futuro deus. Sempre perguntar para você se devo ou não fazer algo.

— Ainda bem que você lembra de tudo, quando chegarmos lá, não seja apressado, elas são diferentes dos anteriores, são novas e mestiças.

— Como Eloá?

— Sim, mas não fale sobre Eloá para elas, isso só nos vai causar problemas e no final eu terei que resolver tudo.

Os dois andaram em direção ao riacho, pisaram sobre a água tão cristalina, aos poucos a água foi se materializando envolta de seus corpos, por fim, um lindo cristal estava feito, um flash de luz tremeluziu e brilhou por todo o ambiente, logo após isso, o riacho continuava com suas águas cristalinas, mas nenhuma forma corpórea estava mais ali.

Filhas da PerdiçãoWhere stories live. Discover now