Lucy

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Geralmente as brigas entre Olivia e Marina por causa de Cassandra acabavam rapidamente com a chegada de Rosa, tudo foi diferente dessa vez, Marina estava agindo de um jeito diferente desde a morte dos pais, estava mais sentimental, um tanto infantil Lucy diria, Marina apenas vestira uma armadura para se parecer com alguém forte, alguém que não sente, Lucy sabia que no fundo, Marina era a que mais sentia entre todas, era a que mais amava, a que mais ficava triste, a que mais sentia felicidade, Marina apenas achava que demonstrar seus sentimentos era uma fraqueza, um pensamento totalmente errôneo da parte da irmã, isso devia causar uma confusão de sentimentos dentro de Marina, que Lucy não era capaz de entender.

Lucy teve o dia todo livre para explorar todo esse casarão em que elas teriam de chamar de "casa". Primeiro ela visitou toda parte do primeiro andar, viu uma sala de jantar com uma mesa extensa, ela pensou que não havia tantas pessoas para ocupar aquela mesa, mas quem sabe quando elas ficassem adultas, talvez uma delas ficasse grávida, mesmo Lucy não entendendo muito bem como isso acontecia. Ela também visitou a cozinha, viu Olivia chorando muito, até Lucy ficaria chorando dessa forma se ela tivesse de cortar tantas cebolas como a irmã estava fazendo. Lucy sabia o porquê disso tudo.

— A sopa da reconciliação? — Perguntou Lucy.

— Acho que esse é o único jeito de acabar com essas brigas, — respondeu Olivia — pelo menos por uma noite.

A mãe de Lucy sempre fazia essa sopa quando a coisas estavam difíceis ou quando alguém estava brigado, era a sopa ficar pronta e todos já sabiam que teriam que sentar à mesa e discutir pacificamente sobre os problemas, não havia uma só vez que a sopa não funcionasse.

Lucy aproveitou que estava na cozinha e se encaminhou para fora, ela viu que haviam poucas casas próximas, talvez oito ou dez, bem diferente de sua antiga vida, seu bairro era apinhado de pessoas, haviam muitas crianças, aqui tudo parecia tão vazio, sem muita vida ou alegria. Dando uma volta pela casa, viu longe no horizonte uma árvore com poucas folhas nos galhos, mas uma saia de folhas amarelas em suas raízes, aos pés da árvore estava a irmã Cassandra, sentada ao lado de uma menina estranha, vestida de uma forma estranha, Lucy nunca havia visto alguém assim antes, mas definitivamente a aparência da menina não importava, era o fato de sua irmã estar fazendo uma nova amiga que alegrava Lucy, talvez algo bom tenha acontecido em meio a todo aquele caos entre elas. Terminando a volta em torno da casa, Lucy cruzou com um homem mais velho, ele parecia ter a idade de Rosa, mas ele possuía estranhos olhos vermelhos. Os olhos daquele homem foram capazes de fazer Lucy sentir desde uma extrema felicidade até uma enorme tristeza, talvez ele fosse o responsável pela menina amiga de Cassandra, "adoção é algo muito comum hoje em dia", disse Lucy a si mesma tentando entender a situação.

Cansada e com frio, Lucy decidiu que precisava procurar lugares novos, tornou a entrar na casa e subiu as escadas, visitou todos os quartos, até que abriu uma porta sem querer e viu Rosa ajoelhada conversando sozinha com uma vela acesa, Lucy sabia que Rosa e sua mãe eram próximas, mas será que eram tão próximas nesse nível. Talvez fosse apenas uma prece para dias melhores, ou talvez fosse uma prece para que Marina e Olivia parassem de brigar tanto.

— O que você está fazendo aqui menina? — Perguntou Rosa.

— Desculpa Rosa, a porta estava destrancada, — explicou-se Lucy — eu só estava conhecendo o lugar.

— Comece a bater na porta antes de entrar, — disse Rosa — e suas irmãs, pararam com toda aquela confusão?

— Acredito que sim, — respondeu Lucy — Olivia está fazendo a sopa da reconciliação, depois disso...

— Tudo sempre fica bem — terminou Rosa.

— Como você sabe? — Perguntou Lucy.

— Eu ensinei a sopa da reconciliação a sua mãe menina. — Explicou Rosa.

— Eu não sabia disso.

— Você não sabe de muita coisa. — Disse Rosa — Mas você não quer passar a tarde toda aqui comigo, vá achar algo que você procura antes da sopa ficar pronta.

Lucy percebeu o olhar murcho de Rosa, ela não era um exemplo de felicidade radiante, mas era estranho vê-la assim.

— Você está bem Rosa? — Perguntou Lucy.

— Não, — responde Rosa — mas vou ficar, eu não sei lidar muito bem com a morte... Eu vou ficar bem menina, não se preocupe.

Lucy não sabia mais o que dizer, então saiu do quarto e deixou Rosa sozinha, continuando seu rumo à algum lugar que ela ainda não tenha conhecido. Ela chegou em uma janela entre todos os quartos, olhou para o horizonte e viu que o sol estava se pondo, algo tão lindo, a mistura de cores, amarelo, laranja, azul, chegava a ser rosa e roxo. Depois de alguns minutos ali, ela percebeu que uma ave havia pousado perto dela do lado de fora, Lucy olhou para a ave, depois olhou para parede de fora e viu uma escada onde as pequenas patinhas do pássaro se agarravam para não cair. Uma escada. "Para onde ela leva?" Essa pergunta foi o combustível para fazer Lucy levantar, sair pela janela, mas antes de subir viu a irmã Marina abrindo a porta dos quartos, procurando algo. Lucy ficou dividida, entender o que a irmã procurava, ou procurar o que a irmã não sabia, Lucy decidiu assumir sua própria procura.

— Cada uma fica responsável por aquilo que procura. — Disse Lucy a si mesma.

Ela subiu as escadas e percebeu que talvez uma blusa a ajudaria muito nesse frio, mas agora já era tarde demais para interromper a aventura. Quando ela chegou no telhado avistou uma portinha bem ao centro, um lugar íngreme, ela sabia que conseguiria, subiu mais um pouco e chegou a portinha, abriu e entrou, onde ela estava ela não sabia muito bem, mas gostava da sensação de descobrir algo só dela. Ali, sozinha, ela percebeu que seria melhor ter trazido uma lanterna ou isqueiro, podia até ser um fósforo, a luz do fim de tarde entrava pela portinha, mas Lucy sabia que essa luz não iria durar para sempre, então buscou alguma luz, qualquer coisa que iluminasse o ambiente no escuro. Ela avistou uma caixa, abriu e achou algumas velas e uma caixa de fósforos, prontamente as ascendeu, iluminando tudo à sua volta, e quando viu onde estava, percebeu que precisaria tomar bastante cuidado, o lugar era feito de madeira, Lucy sabia que madeira era um ótimo combustível para o fogo das velas.

Depois de sentar e se acomodar ela começou a entender tudo, aquele lugar devia ser um mini sótão, havia apenas algumas caixas médias e pequenas lá, ela continuou vasculhando a caixa em que encontrara as velas, viu alguns símbolos diferentes e outros que a mãe já havia explicado seus significados. Lucy já entendia que se tratava dos objetos de um mestiço, mesmo que sua mãe fosse uma, ela nunca havia conhecido nenhum outro como ela. Bem no fundo da caixa ela achou um livro de capa de couro, o couro estava gasto, assim como as folhas, sinal de que alguém o havia folhado bastante. Não demorou muito para Lucy perceber do que se tratava, era um Liberum Tenebris, sua mãe tinha um, era um livro onde os mestiços escreviam sonhos, músicas, poemas até juramentos aos deuses. Talvez Lucy tivesse um se a mãe ainda estivesse viva, afinal ela é filha de uma mestiça.

Lucy sentia-se tão profundamente maravilhada com poemas, canções e histórias, que não percebeu a noite chegar, a vela já acabara, de lá ela sentia o cheiro forte de sopa de cebola e pão de mel fresco, estava na hora da sopa entrar para fazer seu trabalho. Lucy guardou tudo em suas devidas caixas, menos um livro, o Liberum Tenebris de uma menina chamada Eloá, lá havia muitas canções de outros tempos, ela achou que ninguém além dela cuidaria tão bem do livro. Então Lucy carregou consigo o livro ao sair do mini sótão e ir em direção a sala de jantar.

Filhas da PerdiçãoWhere stories live. Discover now